O Globo
O 1º de Maio, pelo segundo ano, escancarou o
afastamento entre o presidente que se forjou nas lutas sindicais e o novo
trabalhador
Uma das maiores dificuldades de Lula e de seu
terceiro governo é justamente entender e se aproximar do novo mundo do
trabalho. O 1º de Maio, pelo segundo ano consecutivo, escancarou o afastamento
entre o presidente que se forjou nas lutas sindicais e este novo trabalhador
que ele não consegue compreender.
A dificuldade começa porque, com as mudanças tecnológicas, culturais e sociais dos últimos anos, se torna difícil até enquadrar todos aqueles que estão em idade produtiva no selo “trabalhadores”. Muitos, principalmente os mais jovens, preferem ser qualificados como empreendedores, mesmo quando vai aí uma boa dose de desinformação a respeito dos direitos sociais de que abrem mão quando rechaçam a ideia de trabalhar com “carteira assinada”.
O governo tem falhado reiterada e
incorrigivelmente em tentar conversar com essa parcela da força produtiva. Há
ainda uma série de superposições de perfis que afasta ainda mais esse
contingente de Lula e do PT. Quando se fala num trabalhador autônomo que usa a
tecnologia, vive nos grandes centros urbanos, é jovem e evangélico, a rejeição
ao governo é enorme, como mostram pesquisas à disposição do próprio Planalto e
também levantamentos feitos por empresas.
Muitas vezes, paradoxalmente, esse
trabalhador se beneficiou, diretamente ou por meio de sua família de origem, de
uma ou mais políticas públicas criadas e implementadas por Lula nos mandatos
anteriores ou por Dilma Rousseff. Mas, à medida que esse tempo passou e fatores
como a reforma trabalhista, o impeachment, a Lava-Jato e outros marcos da
História recente aconteceram, esse público cresceu com aversão ao sindicalismo
e à esquerda. Isso é muito forte, e nada no corolário de medidas e programas
experimentado por Lula e seus ministros igualmente perdidos foi pensado para
quebrar a repulsa.
Um escândalo como as fraudes em
aposentadorias e pensões do INSS, num cenário como esse, atinge os já
ressabiados novos trabalhadores como um “C.Q.D.” daquilo que, justa ou
injustamente, foram levados a pensar sobre o PT na última década.
Nesse caso, não tem efeito dissuasivo o fato
de os desvios terem começado sob Jair Bolsonaro. O que fica, e é difundido
pelas redes sociais e nas conversas nos espaços públicos, é tratar-se de mais
um caso de corrupção petista. A forma descuidada, galhofeira, com que
sistematicamente o ministro Carlos Lupi se refere à tunga em aposentadorias e
pensões, o inexplicável silêncio de Lula e a ausência da Casa Civil no comando
da crise agravam o quadro.
Se Rui Costa é o coordenador do governo, cabe
a ele criar um gabinete de crise imediatamente e só dissolvê-lo quando houver
uma saída definitiva para ressarcir aqueles que foram lesados (uma conta de
bilhões de reais, capaz de desequilibrar ainda mais o já frágil Orçamento) e
fechar a torneira para novas fraudes. Mesmo a ideia de tirar o INSS da
intermediação dessas associações, aventada por Lupi, já deveria ter sido
executada pelo menos desde 2023 — portanto, falar isso agora não limpa a barra
do governo.
Se já é difícil convencer o novo trabalhador
de que existe alguma vantagem em se sindicalizar ou em contribuir para
associações de qualquer natureza com seu suado dinheirinho, um caso de roubo em
larga escala torna a tarefa praticamente impossível.
Essa é a realidade do 1º de Maio, para além
dos palanques cheirando a naftalina das centrais, que, mesmo diante de públicos
declinantes e da evidência da dificuldade de fazer andar pautas justas, como o
fim da jornada 6 x 1, não conseguem entender que precisam virar o disco, se
atualizar e, humildemente, tentar entender quem é o novo trabalhador, antes de
ter a arrogante ilusão de que o representam.
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