Folha de S. Paulo
Ainda que soe heterodoxo, é positivo que o
STF contribua para evitar a aprovação de um perdão generalizado à tentativa de
golpe
É sempre meio estranho ver o STF envolvido em
negociações políticas com os outros Poderes. A primeira imagem que me vem à
cabeça é a de Romero
Jucá falando num "acordão, com Supremo e com tudo" para
"estancar a sangria" da Lava Jato. Exceto pelo Collor,
é difícil hoje afirmar que a profecia de Jucá não se materializou.
Nas versões mais idealizadas do Direito, o juiz é visto como um ser meio etéreo, imune a paixões, inclusive as políticas, e que julga seus casos levando em conta unicamente as provas produzidas e as leis previamente aprovadas. "Fiat iustitia, et pereat mundus" (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça), bradava Kant. Mas, se formos honestos, reconheceremos que deixar o mundo perecer não é uma boa ideia.
Boa parte dos julgamentos não triviais tem
uma dimensão política que não convém ignorar. A própria Constituição brasileira
reconhece isso indiretamente, ao dar ao presidente da República uma liberdade
muito maior para indicar nomes para compor o STF do que para outras cortes
superiores.
No mais, a ideia de negociação e conciliação
não é estranha ao Judiciário. Buscar um entendimento entre as partes é o feijão
com arroz de vários ramos da Justiça. É claro que, nesses casos, o juiz atua
mais como um facilitador entre as partes do que como uma das partes no acordo.
Faço essas observações para dizer que não
vejo com maus olhos as tratativas entre Congresso e STF para evitar uma anistia
generalizada à tentativa de golpe. O ideal seria que o próprio Judiciário
reduzisse as penas nos casos em que tenha exagerado. Tal caminho existe. Mas,
diante do risco de o Legislativo aprovar um perdão amplo que poderia até
desencadear uma crise institucional, penso que vale negociar.
O fundamental não é o tamanho das penas, mas
que as condenações sejam mantidas nos tipos penais relacionados à preservação
do Estado democrático e que os líderes golpistas sofram sanções mais severas do
que a infantaria. Abrir mão disso seria uma espécie de suicídio da democracia.
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