domingo, 10 de abril de 2011

As armadilhas :: Míriam Leitão

Se há uma coisa que as últimas décadas nos ensinaram é que com inflação não se brinca, num país que tem o histórico do Brasil. No ano passado, como foi dito inúmeras vezes neste espaço, e por vários outros jornalistas ou economistas, o governo estava convocando inflação com suas medidas de expansão do gasto público, suas interpretações equivocadas do fenômeno, seus erros de política econômica.

O governo, em ano eleitoral, produziu uma bolha. Fazer bolha é fácil, difícil é manter o crescimento, como mostra a história das últimas três décadas no Brasil. Os estímulos fiscais e de crédito adotados para evitar o aprofundamento da recessão de 2009 deveriam ter sido retirados a tempo. Não foram.

O ministro Guido Mantega garantiu que a inflação era apenas sazonal e não de demanda. Acabou de subir o IOF para conter a demanda. Se os técnicos da Fazenda tivessem olhado os dados cuidadosamente teriam notado que os reajustes estavam se disseminando. Isso significa que além dos preços que sobem sempre no começo do ano, os outros também estavam se elevando. Portanto, não era apenas o efeito da alta das mensalidades escolares e outros produtos e serviços cujos preços se elevam na virada do ano.

No ano passado, ouvimos o governo repetir que não era necessário fazer ajuste fiscal ou que gasto público não tinha relação com inflação. Mas agora o Orçamento foi cortado em R$50 bilhões. Na semana seguinte, o mesmo governo anunciou mais uma transferência de R$55 bilhões para o BNDES. É elementar que um movimento anula o outro.

Como disse o economista Rogério Werneck num artigo neste jornal, é chato gastar papel, tinta e tempo do leitor dizendo o que todos sabem, mas é o governo que obriga que se repita o conhecido. Se o governo toma dívida, para transferir dinheiro para o BNDES aumentar seus créditos a juros abaixo dos que o Tesouro paga, o nome disso é gasto público.

A conjuntura externa está complexa, mas algumas complicações não vieram de fora, mas das próprias decisões oficiais. O governo incentivou a ampliação do crédito e elevou os gastos, tudo ao mesmo tempo. Agora tenta conter o consumo privado com um aumento do imposto que vai encarecer os produtos comprados a crédito. Congelou o preço da gasolina para evitar a alta da inflação, e a disparada do petróleo tornou ainda mais desajustado o preço do combustível. Se o preço for revisto, a inflação sobe mais; se não for revisto, fica ainda mais surrealista, porque todos os outros derivados de petróleo sobem, menos um. O Brasil alega que é o país dos biocombustíveis e subsidia o combustível fóssil para automóveis. É assim que alguns ajustes vão desajustando a economia e que certos gatilhos, para contornar as dificuldades, viram armadilhas.

O governo tem anunciado a conta-gotas medidas para conter o excesso de entrada de dólares no país. O ministro Guido Mantega disse que preferia errar para menos do que para mais, por isso anunciou uma medida e avisou que tem outras engatilhadas para o caso de o remédio não funcionar. Resultado: quem quer entrar com o dinheiro apressou a decisão de entrar. É por isso que deu o oposto do que ele havia previsto. Mantega ampliou o prazo do IOF de 6% sobre empréstimos externos para evitar a queda do dólar e no dia seguinte o dólar caiu de novo. Avisar que uma medida será tomada no futuro é convocar o agravamento do problema. Elementar. É um estímulo para antecipar a decisão que se tenta evitar.

Numa economia integrada ao mundo, sofremos os efeitos negativos, ou recebemos os impulsos positivos que vêm de fora. A política monetária do Fed de derramar dólares está fazendo os investidores procurarem outros investimentos mais rentáveis. Isso derruba o preço da moeda americana aqui, o que tem um efeito desorganizador: produtos locais não conseguem competir com importados; produtos exportados têm dificuldades de chegar de forma competitiva em outros mercados. Não é tão linear. Há produtos feitos no Brasil que se beneficiam de componentes e matérias-primas mais baratas e há o fato de que outras moedas também se valorizaram em relação ao dólar. O único lado bom é que isso reduz a pressão inflacionária. São exatamente as mercadorias importadas e exportáveis que têm puxado os índices para baixo. Nem por isso a queda do dólar deixa de ser um dilema importante, mas se o governo tivesse muito sucesso em desvalorizar o real e elevar o dólar a inflação aumentaria mais ainda.

Os preços das commodities agrícolas sobem pressionando a inflação aqui e no resto do mundo. Como o Brasil é grande exportador desses produtos, essa elevação dos preços ajuda a financiar uma parte do déficit em transações correntes, que nos últimos 12 meses já está em US$42 bilhões. O governo está ameaçando criar imposto de exportação sobre o açúcar para que haja mais álcool, que não tem conseguido competir com a gasolina subsidiada. Se tiver sucesso em reduzir a produção de açúcar, perderá parte dos US$13 bilhões que o produto põe na balança comercial.

Se todas as medidas derem certo, elas podem derrubar o crescimento do PIB mas ainda assim não derrubar a inflação porque alguns contratos são reajustados pelos IGPs, que terminaram entre 10% e 11% no ano passado. Já se fala de crescimento do PIB abaixo de 4% e de inflação acima de 7% nos próximos meses.

A política econômica está tentando com medidas pontuais desarmar armadilhas que a própria política econômica montou e outras que apareceram neste ano em que várias crises externas estão tornando a conjuntura mais complexa, mais difícil. O ministro Guido Mantega disse que não está improvisando. Parece que está.

FONTE: O GLOBO

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