Quem acompanha a CPI vê logo a "bancada da Delta". Depois de cassar Demóstenes e desgastar Perillo, como queria Lula, a CPI é morta, salvando corruptores
Por trás da polidez erudita, da pose de bom moço e do protocolo de boas intenções de grande parte dos membros da CPI mista do Cachoeira, esconde-se uma trama indigesta que começou a mostrar sua face na no último dia 4, data em que o presidente da comissão, senador Vital do Rego (PMDB-PB), e o relator, deputado Odair Cunha (PT-MG), anunciaram, após uma reunião de cartas marcadas, a paralisação, por um mês, das reuniões do colegiado.
A decisão é um presente para os participantes do esquema criminoso que envolve a Delta Construção, o bicheiro Carlinhos Cachoeira e políticos dos mais diversos partidos.
Na prática, foi o primeiro passo para enterrar a CPI, deixando de lado uma investigação que poderia revelar os bastidores de negociatas envolvendo propina e financiamento ilegal de campanhas em troca de contratos bilionários entre governos e as maiores construtoras do país.
E por que isso acontece? Em primeiro lugar, está claro que a quadrilha se infiltrou na CPI. Quem acompanha de perto as reuniões da comissão consegue identificar sem muito esforço a chamada "bancada da Delta". Esse grupo, que cresce a cada dia, faz de tudo para restringir as investigações.
Na avaliação deles, a CPI já cumpriu o seu papel, delineado lá atrás pelo ex-presidente Lula para se vingar dos desafetos do mensalão: cassar o senador Demóstenes Torres e desgastar o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB).
Por resistência de alguns membros da CPI, felizmente esse grupo não conseguiu cumprir outros dois objetivos: levar jornalistas ao banco dos réus e enxovalhar o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que conduz as acusações contra o PT no julgamento do mensalão. Mesmo assim, já se dão por satisfeitos.
Levar adiante as investigações da CPI significa ir atrás dos corruptores, os mesmos que desviam dinheiro público e financiam as campanhas eleitorais dos ocupantes do poder. E a "bancada da Delta" não quer isso. Esse medo ficou patente quando o ex-diretor do Dnit, Luiz Antônio Pagot, confessou na CPI que, atendendo a pressão do tesoureiro de campanha da presidente Dilma, deputado José de Filippi (PT-SP), pediu pessoalmente a empreiteiras com contratos com o órgão doações para a petista.
Esse temor se tornou ainda maior, indo além do PT, quando a CPI esbarrou em outro personagem controverso, o empresário Adir Assad. Se quebrar o sigilo bancário de 12 empresas de fachada ligadas a ele, vai caminhar na direção de outras empreiteiras, o que pode revelar que há muitos outros "Cachoeiras" por aí.
As empresas do grupo de Assad, é bom lembrar, receberam mais de R$ 200 milhões da Delta fora do eixo Centro-Oeste, em operações consideradas atípicas pela Coaf. Mas, como já se viu na própria CPI, Assad está blindado. Em depoimento, sequer foi submetido a perguntas.
Como bem lembrou o senador Pedro Simon (PMDB-RS), não é a primeira vez que o Congresso se omite de investigar corruptores.
Em 1993, na CPI do Orçamento, grandes empreiteiras que pagavam propina a políticos para garantir obras com o governo foram poupadas. O relatório final, que acusou 18 parlamentares, só foi aprovado por meio de um acordão que deixou os corruptores de fora. Havia, no entanto, o compromisso de, na sequencia, se instalar a CPI das Empreiteiras, coisa que nunca aconteceu.
A reunião que selou o enterro da CPI do Cachoeira apontou na mesma direção: salvar os corruptores. Alegar que os trabalhos precisavam ser interrompidos para que a CPI não fosse contaminada pelo embate eleitoral é pura desfaçatez. A verdade é que daqui a um mês, quando os trabalhos forem retomados, não haverá mais tempo para quebrar sigilos, aprofundar investigações e punir os corruptores.
Restará a frustração com a farsa armada para impedir que o Congresso cumpra seu papel constitucional de fiscalizar o dinheiro público.
Rubens Bueno, 64, deputado federal pelo PPS-PR, líder do partido na Câmara dos Deputados e membro da CPMI do Cachoeira
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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