É provável que, pelo medo de ‘ajudar a direita’, evite-se admitir o óbvio, e com isso não se discutem o partido e a própria reconstrução da política no Brasil
Houve um dia em que a confissão de um marqueteiro do PT de que recebera dinheiro, de caixa 2, em uma conta aberta no exterior causou comoção no próprio partido. Duda Mendonça depunha na CPI dos Correios, em agosto de 2005, na esteira da denúncia da existência do mensalão, e decidiu abrir parte do jogo — sabe-se hoje que havia mais a relatar. Pois este testemunho, de pobreza franciscana diante do que surgiria a partir da Lava-Jato, desatou uma crise de choro entre parlamentares petistas e levou alguns a abandonar o partido.
Doze anos depois, petistas, com Lula à frente, carregam extensa folha corrida de denúncias, muitas delas de corrupção ativa e passiva. Alguns foram presos e outros ainda estão na cadeia. E ninguém mais chora e ameaça trocar de legenda. O que os silencia? A causa? A figura mítica do líder? Ou ambos? Mistério.
A própria cúpula da Odebrecht prestou depoimentos, no acordo de delação premiada, gravados em vídeo, em que afirmam terem pago, com dinheiro sujo, também no exterior, os marqueteiros João Santana e Mônica Moura, que trabalharam para Dilma e PT em 2010 e 2014. O casal confirma. Nenhum ruído na banda da esquerda da política brasileira. Todos parecem cerrar fileiras em defesa de Lula, o líder, não importam provas, evidências de que ele obteve benefícios pessoais de pelo menos as empreiteiras Odebrecht e OAS, segundo denúncias feitas na Lava-Jato. O que o PT fez depois das evidências de corrupção no governo Collor indica como se comportaria se os malfeitos nas gestões Lula e Dilma fossem de adversários políticos e ideológicos.
O pacto de silêncio firmado na esquerda em torno de crimes de PT, Lula e companheiros — “para não ajudar a direita" — foi estremecido na semana passada pelo teólogo Leonardo Boff, ao postar no próprio blog, artigo do jornal espanhol “El País” de críticas duras a Lula. O ex-presidente é acusado de ferir a própria esquerda.
Boff esclareceu não concordar com o texto, mas afirmou que, se o partido, na próxima reunião nacional, “não fizer uma séria autocrítica, que nunca fez, nunca vai se redimir”. Um avanço na direção certa. Em artigo escrito e publicado no GLOBO antes da história do blog de Boff, Vladimir Palmeira defendeu teses de esquerda — o TSE deve tirar Temer do Planalto e serem convocadas eleições antecipadas. Mas registrou que o PT não deve ficar abrigado sob o manto do “todos fizeram” ou do “isso tudo é fruto de abusos de juízes e perseguição da grande mídia”. Em vez disso, deve se aproveitar da Lava-Jato, “que expôs para todos que o rei está nu”, se renovar e propor “a completa reestruturação do sistema político brasileiro”.
A defesa religiosa e dogmática de Lula, típica de sectário jihadista, faz com que boa parte da esquerda e líderes importantes dela, em todos os meios, incluindo o artístico, estejam interditados no debate sobre um aspecto crucial da vida política brasileira: a corrupção, que sempre houve, mas se tornou sistêmica nos governos de Lula e Dilma. Sem fazer crítica e autocrítica, PT e esquerda continuarão de fora desta discussão mais profunda e à margem da reconstrução das instituições da política brasileira. Preferem a denúncia estéril de “golpes”. Equivale a se esconder em bunkers, com medo do mundo lá fora.
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