No Rio, autoridades foram alvo de 'vaiaço'; em Brasília, bonecos gigantes foram usados para criticar o Judiciário e exaltar Moro
Anna Virginia Balloussier, Ranier Bragon / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA E RIO DE JANEIRO - Atos organizados por grupos de direita pelo país, neste domingo (30), em defesa da Lava Jato, minimizaram o vazamento de conversas envolvendo o ministro da Justiça, Sergio Moro, e atacaram a atuação de ministros do Supremo Tribunal Federal e de políticos.
Em Brasília, manifestantes se reuniram em frente ao Congresso Nacional e concentraram as críticas nos ministros do STF. Uma das pautas mais defendidas foi a CPI da Lava Toga, para investigar os magistrados.
Em frente ao Congresso foram inflados quatro bonecos gigantes. Dois do ex-presidente Lula (ambos com roupa de presidiário), um de Moro vestido de super-homem e um que une três políticos: Lula, o ministro Gilmar Mendes (STF) e o ex-ministro do PT José Dirceu. Esse boneco associa o STF ao PT.
Apesar de ter sido indicado ao Supremo pelo PSDB e de ser historicamente descrito como um adversário do PT, Gilmar é um dos principais alvos dos grupos bolsonaristas. Recentemente o ministro votou a favor de um habeas corpus para Lula, pedido que acabou negado por uma das turmas do STF.
O ato deste domingo, que se repete em outras cidades do Brasil, foi convocado após a divulgação de conversas atribuídas a Moro e integrantes da Lava Jato levantando a suspeita de que o ex-juiz tenha sido parcial no julgamento de Lula, condenado em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá (SP).
A revelação dos diálogos, iniciada pelo site The Intercept Brasil em 9 de junho, deixou o titular da Justiça sob ataque.
Em Copacabana, no Rio, as críticas ao Supremo dividiram espaço com um “vaiaço” também aos chefes do Legislativo, homenagens ao menino Rhuan e até um lamento coletivo pelo “politicamente correto” que impede chamar morador de rua de mendigo.
Os atos que tomaram um trecho da avenida Atlântica eram, a princípio, um desagravo a Moro. “O senhor nos livrou das trevas”, dizia um dos cartazes de apoio ao ministro, ao lado de bandeiras do Brasil gigantes erguidas por dois guindastes.
O aposentado Carlos Sato, 68, resumia o sentimento de muitos amigos sobre os diálogos vazados que colocaram Moro na berlinda: “Se ele falou mesmo tudo aquilo, fez bem. Se for pra tirar a petralhada bandida, não vai ser na meiguice. Com quem joga sujo você não pode dar mole".
Mas o ranço com Congresso e Supremo era tão presente quanto os apoios ao ex-juiz. Um minicaminhão com faixa do movimento Nas Ruas trazia na lateral uma cartolina que lembrava a frase do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre bastar um cabo e um soldado para fechar a mais alta corte do Judiciário brasileiro. Para ilustrar, um desenho do personagem Recruta Zero.
O mesmo veículo anunciava a venda de copos do Moro e do presidente Jair Bolsonaro (PSL) por R$ 10. Pediam essa ajuda financeira dos protestantes, alegando que faziam um ato “do povo para o povo”, sem ajuda de CUT e MST, como seria o caso de manifestações esquerdistas.
“Vocês são do MBL?”, perguntou um senhor. Ouviu a negativa e respirou aliviado: não gostava do Movimento Brasil Livre, que defende Moro mas vem fazendo críticas ao governo Bolsonaro. “Graças a Deus, MBL é traidor do povo.”
O trio elétrico do movimento Brasil Conservador puxou uma vaia para os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Também foram alvos de repúdio popular os ministros do STF Ricardo Lewandovski e Dias Toffoli, além de Gilmar.
"A agenda deles era anti-Brasil”, afirmou uma senhora que se identificou como Neide do Brasil. “Eles querem dar sobrevida à mamata lulista”, ela continuou. Parou ao descobrir que falava com a repórter da Folha. A imprensa é malvista nas manifestações, com recados à “Globo lixo” e à “Folha mentirosa” em algumas camisetas e cartazes.
Depois da vaia para aqueles definidos como “inimigos da nação”, um orador no trio do Brasil Conservador disse que as ruas de Copacabana estavam infestadas de “cracudos”. Ironizou em seguida: “Não posso chamar de cracudo, deve ter jeito politicamente correto”.
Teve até lei municipal para proteger população “em situação de rua”, afirmou. “Não é lindo esse eufemismo? Não pode mais falar mendigo.”
Também havia também referências a Rhuan Maicon da Silva Castro, 9, morto pela mãe e pela namorada dela enquanto dormia, com uma facada no coração.
Parte da direita passou a dizer que a imprensa profissional abafou o caso, pois não haveria interesse em dar visibilidade para um crime cometido por lésbicas —segundo essa alam, um suposto acobertamento para não contrariar a comunidade LGBT+. O caso foi noticiado nos principais veículos.
“A gente precisa mesmo de vida extraterrestre para dar um jeito no país”, disse um homem ao ver dois atores fantasiados como os monstrengos espaciais Alien e Predador —cobravam R$ 5 para posar com os manifestantes de verde-amarelo.
Pouco antes, na mesma esquina da Atlântica com a rua Miguel Lemos, um rapaz abriu a janela de seu apartamento no térreo e sacudiu uma bandeira do Lula. Uma pequena turba se reuniu para puxar o coro de “babaca”.
BOLSONARO
De volta da viagem ao Japão, onde participou dos encontros do G-20, Jair Bolsonaro comentou brevemente os protestos, na entrada do Palácio da Alvorada. “É um direito de o povo se manifestar. Eu costumo sempre dizer. A união dos três poderes precisa fazer parte de nós. Está no coração, no sentimento nosso. Uma coisa que pode levar o Brasil ao local de destaque que merece”, afirmou.
Nas redes sociais, Jair Bolsonaro disse que a "população brasileira mostrou novamente que tem legitimidade".
Na Esplanada, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente, e o ministro Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) subiram em um dos carros de som e discursaram.
"Alguém aí gosta de bandido, alguém aqui é amigo de bandido? (...) Jair Bolsonaro já falou, Sergio Moro não sai. Nosso total apoio ao ministro Sergio Moro", discursou Flávio Bolsonaro. Heleno fez uma enfática defesa de Moro, dizendo ser uma "calhordice" quererem transformá-lo em acusado.
ORGANIZADORES
Movimentos como VPR (Vem pra Rua), MBL (Movimento Brasil Livre) e Nas Ruas, que foram indutores de protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), capitaneiam a organização, ao lado de grupos de menor capilaridade, que mantêm páginas em redes sociais.
O VPR contabilizava até a manhã deste domingo concentrações marcadas em 203 cidades e mais de 318 mil pessoas convidadas. A lista incluía atos fora do Brasil, em lugares como Nova York, Lisboa, Genebra e Buenos Aires.
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