Não
há mais contraponto no governo para defender a disciplina fiscal, e cada grupo
corre para garantir sua parte no latifúndio
Empolgados
com a expressiva alta dos preços de commodities, analistas apostam em um ciclo
robusto adiante, em boa medida por conta das perspectivas de vacinação em massa
no mundo. Os países emergentes se beneficiariam com o influxo de capitais
estrangeiros, para além da melhora do saldo exportador.
Haveria
mais investimento nesses setores e em ativos de risco, pela própria percepção
de redução do risco nos países - como sugerem as elevadas correlações entre
preços de commodities e o custo (spread) da dívida soberana ou o preço do
seguro contra calote (credit default swap) de emergentes.
O
otimismo tem contribuído para sustentar preços de ativos. Convém, no entanto,
conter o entusiasmo, especialmente para o caso brasileiro.
O principal combustível para a alta das commodities é o comércio mundial, que exibiu recuperação em formato de “V” e embalou a alta de 68% nos preços de commodities entre o colapso de abril passado e março último, pelo índice do FMI. Certamente a elevada liquidez mundial tem sua contribuição, por se tratar de um preço de ativo.
A
tendência, porém, é de desaceleração do comércio mundial, pois fatores
transitórios explicam em boa medida sua recuperação: a recomposição de estoques
de commodities pela China, os estímulos monetários no mundo e própria normalização
de cadeias de valor.
Avanços
adicionais dependerão de mais elementos, sendo que a superação da pandemia
significará muito mais a reativação do setor de serviços do que de setores
intensivos no uso de commodities, mais preservados na crise.
Vale
lembrar que o comércio mundial estava estagnado antes da crise, em função do
protecionismo no mundo e da desaceleração na China.
A
China acelerou seus planos de rebalanceamento do modelo de crescimento voltado
a setores intensivos em tecnologia, em detrimento da indústria tradicional -,
aliás, a disputa tecnológica está no cerne da guerra comercial entre China e
Estados Unidos. Esses segmentos, no entanto, não são intensivos na utilização
de commodities e tampouco o retorno do maciço investimento estatal está
garantido, ainda menos de forma tempestiva.
A
complexidade da implementação e da maturação de projetos de tecnologia não se
compara à de investimentos tradicionais em capital fixo. É natural, portanto,
que ocorra uma desaceleração na China, inclusive pela acomodação na oferta de
crédito após os estímulos recentes.
Em
relação a agendas globais, ainda não chegou o momento do multilateralismo no
comércio. O foco tem sido muito mais na questão ambiental, que ganhou ímpeto
com Joe Biden. Mantém-se o quadro de protecionismo comercial, inclusive com
risco de recrudescimento, por conta das exigências da agenda ambiental.
Mesmo
que o ciclo de commodities perdure, é improvável que o Brasil consiga “surfar a
onda” como no passado.
No
primeiro governo Lula, isso foi possível. A política macroeconômica herdada de
FHC foi fortalecida e houve avanço em políticas públicas que contribuíram para
aumentar o potencial de crescimento de longo prazo do País e a emergência da
nova classe média.
Apesar
da crise política que interrompeu precocemente as reformas, o Brasil conseguiu
se beneficiar do vento de popa do exterior, decorrente da entrada da China na
OMC no final de 2001, e caminhou para conquistar o grau de investimento em
2008.
O
quadro atual é outro. Já assistíamos à redução da participação do Brasil no
investimento direto estrangeiro mundial e à saída de empresas do País. A má
gestão da crise da pandemia agravou bastante a situação, sendo que a
deterioração do regime fiscal em curso traz mais incertezas para o
comportamento do dólar, das taxas de juros e da própria carga tributária no
futuro.
Tudo
somado, o cenário eleitoral ganha maior relevância no radar de empresários e
investidores.
O
governo está em um círculo vicioso de decisões equivocadas. O imbróglio do
orçamento reflete erros passados na gestão da crise e sua suposta solução - que
amplia os gastos públicos praticamente sem constrangimento, pendurando tudo na
conta da covid-19 - produz outros tantos.
Não
há mais contraponto no governo para defender a disciplina fiscal e cada grupo
corre para garantir sua parte no latifúndio.
Esse quadro reduz as opções para correções de rumo. Mesmo se houvesse interesse, o esforço teria de ser enorme diante da perda de credibilidade. As saídas se estreitam e o Brasil perde a onda.
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