terça-feira, 14 de junho de 2022

Ricardo José de Azevedo Marinho*: Com Pandemia, Sequelas & Democracia

A pandemia do covid-19 é um dos vinte episódios mais mortais dos últimos 700 anos. Temos já milhões de pessoas no mundo que faleceram enquanto as temidas ondas de infecção seguem acontecendo aqui e em grande parte da Europa e nos Estados Unidos da América (EUA). As medidas de confinamento realizadas para controlar a propagação do coronavírus causou uma desaceleração nas atividades econômicas globais. Diante desse cenário, formuladores de políticas economia (salvo os de alguns governos que negavam a pandemia, dentre os quais o nosso) responderam a perda de emprego e atividade dos negócios com medidas fiscais e monetárias agressivas.

Em geral, os países entenderam que o caminho era gerenciar a crise econômica mesmo quando produziram divergências políticas sobre como equilibrar a necessidade para controlar a propagação do vírus com as perdas econômicas causadas pela política sanitária. Eles programaram grandes pacotes de apoio fiscal para garantir as trabalhadoras e os trabalhadores desempregados. Os Bancos Centrais rapidamente desenharam políticas monetárias que deram garantias de liquidez aos mercados. As lições da crise financeira global de 2008 ainda estão frescas nas mentes de muitos gerentes de política econômica.

Pelas experiências vividas até aqui podemos indicar três projeções de como a pandemia pode moldar nosso futuro econômico comum. Primeiramente, a dívida corporativa (medida em relação ao PIB) segue no mais alto nível nesses últimos 150 anos em muitas economias. Uma onda de falências causadas pela pandemia vai empurrar economias para outra crise financeira? Provavelmente não. Em segundo lugar, como tem sido possível conduzir as quedas na economia pelo combate a pandemia? Essas quedas reduzirão o potencial de crescimento da economia do que o estimado. Em terceiro lugar, o que as pandemias nos ensinaram sobre as perspectivas econômicas, décadas depois da pandemia? É provável que a taxa de juros fique deprimida por muitos anos, com implicações importantes para política fiscal e monetária.

As pandemias ocorrem muito raramente (algumas vezes num século, em média), o que faz do aprendizado histórico desse passado especialmente difícil, ainda que não impossível. Nos primeiros dias da pandemia do covid-19, os pesquisadores mobilizaram as lições das respostas econômicas aos desastres naturais, como furacões, terremotos, inundações, entre outros. Além desses se trouxe à baila os a metáfora dos conflitos armados, que no passado causaram grandes perdas de vidas. Mas elas estavam corretas? Essas comparações fizeram sentido? Foram um guia útil para o presente as lições aprendidas com tais eventos? Argumentamos em junho-julho de 2021 que as melhores experiências não tinham aderência a esses cenários, e para não voltarmos a 700 anos, houve percepções de gestão de crises sanitárias mais bem sucedidas como a que aconteceu no século XIX em Hamburgo com o Partido Social-Democrata da Alemanha.

Assim, os três principais fatores que elencamos para se projetar como a pandemia de covid-19 em curso e suas sequelas podem afetar a situação econômica futura devem ser entendidas de forma diferenciada e democrática. Pelo lado positivo, os balanços domésticos relativamente saneados e uma regulamentação financeira mais rigorosa advindas da crise de 2008 sugerem que o risco de uma crise financeira pode estar contido apesar do boom da dívida corporativa. Do lado mais negativo, como a pandemia deprimiu a demanda ao longo desse período nascido em 2020, trará consequências nas capacidades de produção futuras e a economia provavelmente será afetada. Também a incerteza que ainda persiste quanto ao manejo final da pandemia ainda não presente no horizonte atua como mais um lastro na demanda que reforça este mecanismo.

As implicações nas políticas econômicas ainda se encontram em modo provisionado. Podemos entender isso de modo sucinto. Do lado fiscal (e deixando de lado a questão de como projetar a melhor política fiscal para resolver as necessidades da pandemia e suas sequelas), a realidade é que a dívida pública vai crescer consideravelmente em todo o mundo. É provável que muitos governos sintam a necessidade de aparar e consolidar suas contas públicas. Mas fazer isso implica numa conduta prematura e o risco de afundamos a economia global numa depressão é real. Por ora os governos democráticos estão em melhor posição para resistir a níveis mais altos de endividamento e acompanhando e estimulando a recuperação na expectativa de que ela tome conta do cenário (ainda que não haja evidências para isso). Da mesma forma, se a dinâmica econômica permaneça baixa (mesmo que não caia muito mais), os Bancos Centrais terão mais tempo para colaborar para que se tente a recuperação da economia antes de moderar o grau de acomodação atual. Além disso, é improvável que as economias deprimidas pela pandemia possam seguir colocando muita pressão sobre inflação de curto prazo. Inclusive se o custo da inflação tem uma incidência desigual, a forma mais segura de ajudar aos mais necessitados é manter o tom acomodatício durante mais tempo. De todo modo está claro que a história das pandemias desde à Peste Negra segue oferecendo lições úteis e a principal é que a melhor condução delas e suas sequelas é a democracia.

*Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE

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