Valor Econômico
Impasse entre Câmara e Senado compromete aprovação de proposta
Em mais uma mobilização elogiável, mostrou
o Valor, um
grupo de 59 empresários e altos executivos saiu em defesa da regulamentação do
mercado de créditos de carbono. O momento é crítico. E o manifesto converge com
o que é defendido pela equipe econômica, ou seja, que a proposta seja aprovada
pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva antes da
COP29. Mas um injustificável impasse entre Câmara e Senado está atrapalhando
esse plano.
“Era o discurso [no governo] para a COP
passada”, lamenta o deputado Aliel Machado (PV-PR), relator da matéria na
Câmara.
A proposta foi aprovada na última sessão de 2023 e está parada no Senado. A história, contudo, é complexa.
Em termos gerais, a Câmara foi pioneira na
discussão. Porém, o governo teve preferência por uma outra proposta que
tramitava no Senado e era relatada por Leila Barros (PDT-DF). Aprovada pelos
senadores, esta foi enviada à Casa presidida por Arthur Lira (PP-AL), mas
rejeitada pelos deputados e remetida ao arquivo.
Durante as negociações, é verdade, parte
importante deste texto foi aproveitada pelo relator na Câmara. Tecnicamente,
seu conteúdo foi anexado à proposta cuja tramitação havia sido iniciada na
Câmara. Na prática, portanto, a briga se dá para saber quem será o autor do
projeto e qual Casa terá a palavra final no texto.
É possível que o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), insatisfeito com o que muitos parlamentares
consideraram uma manobra regimental, defina agora quem relatará o texto e, em
vez de devolvê-lo à Câmara depois que ele for apreciado pelo plenário, mande-o
direto para sanção. Isso ocorrendo, é possível que os deputados decidam então
recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que o texto do Senado foi
rejeitado.
“Se o debate for judicializado, o tema é
muito caro para a nação, para ficar travado e prejudicado, com insegurança. Nós
estamos falando de um texto que trata de regras de um novo mercado, um mercado
que ainda não existe formalmente”, diz o deputado Aliel Machado, alertando
sobre o risco de o Senado enviar a matéria direto para sanção. “A gente está
falando da indústria brasileira. Como que vai judicializar um assunto como
esse, que pega grande parte da nossa indústria e em diversos segmentos. É uma
preocupação muito grande. Estamos tentando encontrar um caminho para que o
texto fique de comum acordo.”
O projeto em discussão cria o Sistema
Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), o qual
estabelece tetos para emissões e institui um mercado de venda de títulos. Em
outras palavras, fixa um limite de emissões de gases do efeito estufa para as
empresas. As que não cumprirem a meta, poderão compensar suas emissões com a
aquisição de títulos. As companhias que emitirem abaixo do limite ficam
autorizadas a vender a diferença no mercado.
Podem gerar créditos, por exemplo, a
recomposição, manutenção e conservação de áreas de preservação, áreas onde há
uso sustentável com plano de manejo e projetos de assentamentos da reforma
agrária. Dessa forma, além de empresas ou proprietários de terras, também
assentados, comunidades indígenas e quilombolas poderiam se beneficiar com o
desenvolvimento de projetos em seus territórios.
A proposta cria um mercado regulado,
vinculado ao SBCE, mas também prevê um mercado voluntário. E é aí que estão
algumas relevantes divergências.
Possivelmente, a principal delas diz respeito
aos programas jurisdicionais de créditos de carbono, que são desenvolvidos por
entes governamentais (governos federal, estaduais ou municipais). Para
especialistas que acompanham o assunto no Congresso, esses projetos acabam
passando por cima de propriedades privadas e terras de usufruto de comunidades
indígenas, quilombolas e ribeirinhas, além de assentamentos. Os recursos são
comercializados pelo ente público, o que pode impedir que esses outros atores
realizem seus próprios projetos de preservação ambiental e, com isso, vendam
créditos no mercado.
Os deputados optaram por colocar algumas
travas a esses programas, como barreiras para a venda de créditos futuros e a
possibilidade de proprietários de terra se retirarem dos programas
jurisdicionais com uma simples notificação. Sem burocracia. Argumenta-se na
Câmara que a eventual exclusão desses artigos geraria insegurança jurídica, com
danos ao direito de propriedade privada, uma vez que há Estados lançando
programas jurisdicionais.
Outro argumento é a necessidade de garantir
que esses proprietários e usufrutuários de terras tenham estímulos econômicos
para desenvolver projetos que preservem as florestas.
No Senado, a expectativa é que Leila Barros
seja novamente designada para a relatoria. Isso ainda não aconteceu. Diz-se,
também, que existe uma convergência de 80% em relação ao texto aprovado na
Câmara.
São esses 20 pontos percentuais e a falta de
entendimento entre as duas Casas que afastam o Brasil de um espaço privilegiado
nas discussões internacionais sobre o mercado de créditos de carbono - uma
iniciativa estratégica para gerar riquezas e desenvolver o país de forma
sustentável.
A COP29 ocorrerá entre 11 e 22 de novembro em
Baku, no Azerbaijão. O Brasil está perdendo a oportunidade de ter um belo
cartão de visitas para a COP30, que será realizada no ano que vem em Belém.
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