quarta-feira, 12 de março de 2025

A inflação de alimentos não sai do radar – Zeina Latif

O Globo

A baixa produtividade não se resolve simplesmente ampliando o crédito ao setor, que já vem beneficiando mais a agricultura familiar

A baixa produtividade não se resolve simplesmente ampliando o crédito ao setor, que já vem beneficiando mais a agricultura familiar "Nesta terra, em se plantando, tudo dá" é uma frase atribuída a Pero Vaz de Caminha, em carta ao rei Dom Manuel de Portugal, em 1500. Sendo ou não folclore, o fato é que ela ecoa na mente de muitos.

Não é bem assim. O café e a cana-de-açúcar se adaptaram na Terra Brasilis. Porém, com menos investimentos, o Brasil passou a sofrer com a concorrência da cana-de-açúcar das Antilhas, no século 17. Já o ciclo do café começou a declinar no final do século 19, em parte por conta da exaustão do solo no Vale do Paraíba.

O cultivo de soja, por sua vez, foi fruto de muito trabalho. Em 1960, sua produção era modesta e concentrava-se no Rio Grande do Sul. A Embrapa teve papel decisivo para o cultivo da soja no cerrado. Isso em várias frentes, com a oferta de cultivares adaptados à região e novas técnicas de manejo e produção, bem como o desenvolvimento de sistemas de preparo de solo.

Nada caiu do céu. E não continua caindo. Os ganhos de produtividade muito superiores aos dos principais concorrentes decorrem de muito investimento e inovação.

O Brasil tornou-se o terceiro maior produtor de alimentos e o maior exportador líquido de alimentos do mundo. O País lidera as exportações mundiais de soja, açúcar, suco de laranja, café, carne bovina e frango, entre outros produtos.

A posição do País não tem se traduzido, porém, em alimento barato para os lares brasileiros. Os preços de alimentos acumulam elevação de 485% desde janeiro de 2000, ante 329% dos demais itens da cesta do consumidor. Alguns itens essenciais têm altas ainda maiores: arroz (535%), feijão (500%), batata (780%), tomate (840%), cebola (864%), alface (988%), banana-prata (779%), laranja-pera (1.600%), café moído (613%), ovo de galinha (683%) e carnes mais consumidas (755%).

Se de um lado a grande propriedade rural exportadora exibe elevados ganhos de produtividade, o retrato é muito diferente para boa parte da agricultura familiar – representa 77% do total de propriedades rurais e ocupa 23% do total da área dedicada a atividades agropecuárias, segundo o Censo Agropecuário de 2017.

E apesar de responder por apenas 23% da produção agropecuária, seu peso é grande na oferta interna de muitos produtos, como leite, hortifrutis e café.

A baixa escala de produção, que dificulta a adoção de insumos e técnicas mais modernas, é fator de atenção, em muitos casos. Mas não é só isso.

O problema da baixa produtividade começa no mais básico: no reduzido uso de técnicas consolidadas de produção, com manejo inadequado em todo o ciclo produtivo, desde a preparação do solo. Alguns especialistas apontam que esta primeira etapa, de ajuste de acidez do solo, é ignorada por boa parcela dos produtores.

O mesmo Censo apontou que apenas 31,3% dos estabelecimentos agropecuários com lavouras temporárias utilizam a prática de rotação de cultura; 23,1%, a prática de descanso de solos; e 42,3% realizam adubação. Os indicadores da agricultura familiar são ainda menores. Se no uso de técnicas tradicionais consolidadas há tanto atraso, o que dizer de utilização de melhoramentos genéticos já consolidados há décadas?

O mesmo Censo apontou que 15% dos proprietários rurais são analfabetos e 37%, sabem ler e escrever, mas não têm instrução. A falta de capital humano é também grande empecilho para o aumento da produtividade.

Quanto ao acesso à Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), apenas 20,2% a recebe, sendo apenas 7,6% provenientes do governo (nas 3 esferas). Considerando as propriedades com até 10 hectares, apenas 12,6% recebem esse serviço.

Baixa produtividade implica oferta insuficiente de alimentos e preços elevados. A contrapartida é a elevada demanda reprimida para alimentos – sem contar a baixa qualidade dos alimentos consumidos. Isso ficou claro na pandemia, quando houve forte aumento do consumo de alimentos, em meio às políticas de transferência de renda e o menor gasto com outros bens e serviços pelas camadas populares.

A baixa produtividade não se resolve simplesmente ampliando o crédito ao setor, que já vem beneficiando mais a agricultura familiar. Cabe priorizar políticas públicas para treinamento, orientação e formação de capital humano, inclusive para permitir um melhor uso dos recursos públicos.


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