Folha de S. Paulo
Seres humanos se dispõem a sofrer perdas para
punir quem não segue regras que deveriam valer para todos
Especialistas são mais ou menos unânimes em
afirmar que, quando uma situação de bullying fica
séria, os adultos precisam intervir. O bullying diplomático que Donald Trump faz
contra vários países já ficou sério, mas não há adultos que possam ser
chamados.
Quem desempenhava esse papel em escala global
eram os EUA.
Nunca foram um adulto muito exemplar, no sentido de atuar sempre com
imparcialidade, mas serviam para evitar que as relações internacionais se
tornassem um bullying de todos contra todos.
Sem o adulto, as coisas ficam mais complicadas. A molecada vai ter de se virar sozinha. Os mais pessimistas tenderão a prognosticar um cenário do tipo "O Senhor das Moscas", em que adolescentes deixados numa situação difícil e sem supervisão vão abandonando todos os vestígios de civilização.
"O Senhor das Moscas", porém, é um
livro de ficção —e não muito realista. Uma característica notável do ser humano
é que aceitamos incorrer em perdas pessoais para punir aqueles que julgamos não
seguirem regras que deveriam valer para todos. Isso fica muito claro em
experimentos psicológicos como o jogo de Ultimato, que os economistas
comportamentais tanto apreciam.
Dando concretude aos insights dessa
disciplina, a província canadense de Ontário acaba de anunciar uma sobretaxa
de 25% à energia elétrica que vende para os estados americanos de Nova
York, Michigan e Minnesota, o que deve resultar num aumento médio de US$ 100
mensais nas contas de luz de famílias e empresas dessas regiões. Ontário se
dispõe a sofrer perdas (vender menos) para castigar quem lhe faz bullying. Se
outras vítimas de Trump adotarem atitude semelhante, eleitores americanos
sofrerão no bolso e possivelmente responderão nas urnas, votando contra
candidatos republicanos.
Não é uma solução ótima. Em guerras
tarifárias, todos perdem. Mas pior é deixar que o valentão triunfe. Modelos
matemáticos sugerem que é justamente essa "punição vingativa" que
viabiliza a cooperação e torna as sociedades estáveis.
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