quarta-feira, 12 de março de 2025

Intimidação e humilhação no manual de poder de Trump - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

Seu modo de agir une o estilo do empresário impiedoso e brutal ao do rufião escolar

O estilo de Donald Trump combina dois modelos bem conhecidos: o do empresário impiedoso, brutal até, que ele incorporou nos negócios e encenou no reality show O Aprendiz, e o do rufião escolar, o "bully" que lidera gangues e vive de intimidação.

A diferença entre o negociador implacável, de que Trump tanto se orgulha, e o autocrata que subjuga os mais fracos, dentro e fora de seu país, é mais de escala do que de essência. No poder, ele resolveu eliminar a distinção.

O Salão Oval da Casa Branca virou o corredor da escola em que Trump e Vance cercaram Zelenski e o submeteram a uma sessão pública de assédio, violência e humilhação. Houve dedo na cara, várias acusações (desrespeito, ingratidão, roupa inapropriada), insultos e aquela sensação de que tudo o que queriam era provar que eram machos e que mandavam no pedaço.

Foi deplorável? Sem dúvida. A reação, em toda parte, foi extremamente negativa e certamente produzirá consequências globais, como a nova onda de rearmamento, que voltou ao discurso e aos orçamentos públicos europeus. O fato, porém, é que Trump entrou em campo, no seu segundo mandato, apostando ainda mais alto no estilo valentão.

A abordagem transacional na diplomacia, refletindo um estilo duro, centrado em ganhos unilaterais, sem escrúpulos quanto ao uso de pressões e ameaças para extrair concessões e exibir poder, é apenas uma parte desse conjunto de atitudes. Ataques pessoais a críticos e oponentes, incentivo à punição, desumanização de grupos específicos e uso inescrupuloso do Estado para calar adversários —nenhum recurso é considerado fora do alcance do presidente americano e sua turma.

Constatado o fato, devo dizer que é um erro de análise focar excessivamente em quem exerce dessa forma o poder político sem considerar aqueles que o elegeram justamente para fazer o que faz. Trump sabia que estava fazendo uma exibição e para quem se exibia. As câmeras, diante das quais foi encenado o espetáculo de humilhação de Zelenski, não estavam no Salão Oval, naquele preciso momento, por acaso. Nem seria razoável imaginar que Trump não soubesse para qual público representava seu papel, que emoções desejava suscitar e quais convicções pretendia reforçar com aquele show.

O apelo do nacionalismo etnocêntrico e do "cada um por si" encontra terreno fértil na demografia dos eleitores trumpistas e de sua base de apoio. Estudos mostram que os eleitores atraídos por Trump pontuam alto em escalas de autoritarismo, uma predisposição a valorizar ordem, obediência a líderes fortes e punição de desvios.

Entre seus apoiadores, é muito comum a tolerância a transgressões "para pôr o país em ordem", aceitando que o líder viole "algumas regras" para recolocar as coisas no eixo. O medo e a percepção de ameaças relacionadas a terrorismo, criminalidade e imigração fazem parte dessa equação. Igualmente importante é a sensação de ameaça ao status do próprio grupo (brancos, cristãos, conservadores, nacionais), que conduz ao apoio ao famigerado Maga.

Uma parcela importante do seu eleitorado costuma ver a sociedade como uma competição entre vencedores e perdedores, desejando que seu grupo esteja no topo. Também têm apreço por hierarquias tradicionais e cultivam uma mentalidade de cerco —o sentimento de ameaça externa ao modo de vida americano e a necessidade de defesa contra isso.

Quem percebe o mundo dessa forma tende a ser etnocêntrico, valorizar a conformidade, punir dissidentes, nutrir hostilidade ou desprezo por grupos "de fora" e admirar líderes que não hesitem em fazer o que for preciso.

Some-se a isso o ressentimento e a indignação. Essas pessoas compartilham a sensação de terem sido enganadas ou deixadas para trás —seja pelas elites "globalistas", seja por políticas que favorecem minorias à custa do cidadão "comum".

A oposição à imigração e ao auxílio a países estrangeiros e o apoio a políticas bélicas nacionalistas ou ao enfrentamento agressivo ao que for considerado doutrinação progressista alimentam-se dessa atitude.

Nem todo eleitor de Trump é assim, e as nuances, como sempre, importam. Conservadores tradicionais, republicanos fiéis ao partido, pessoas cansadas da ortodoxia progressista podem não compartilhar integralmente do etos radical, mas votaram por cálculo político.

Para esses eleitores, Trump encenará outros números circenses; no momento, está ocupado representando o papel do homem forte, inclemente, impávido e sem o menor escrúpulo no cumprimento da missão que lhe foi dada. Por enquanto, ai de quem ficar no seu caminho.

 

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