O Globo
Com um ano de antecedência, a escolha dos
presidentes de comissões da Câmara mostra que o ano eleitoral de 2026 arrisca
ser sangrento, com canibais correndo atrás de antropófagos.
O deputado Eduardo
Bolsonaro quer presidir a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e
o PT pediu
que o ministro Alexandre
de Moraes apreenda seu passaporte.
Eduardo Bolsonaro tem todo o direito de
pleitear a presidência da comissão, e o PL, seu
partido, pode indicá-lo. Ele não é um parlamentar qualquer. Alinhou-se como
militante da causa do presidente americano Donald Trump,
que ameaça impor tarifas protecionistas contra o Brasil. Uma das marcas dos
Bolsonaros é a opção preferencial por posições irracionais.
Vale lembrar que, se o pai de Eduardo não
tivesse hostilizado as vacinas contra a Covid-19, talvez estivesse hoje no
Palácio do Planalto. Em novembro de 2020, quando já haviam morrido mais de 160
mil pessoas, ele disse:
— Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia. (...) Tem que deixar de ser um país de maricas.
O trumpismo do deputado levou o PT a pedir a
Moraes que apreenda seu passaporte. É difícil que a medida venha a ser
efetivada, mas o clima de gafieira está soprado. A repórter Naira Trindade
ouviu de um deputado do PL:
— Se Alexandre de Moraes tirar o passaporte
dele, aí é que vamos colocá-lo mesmo no comando da Comissão de Relações
Exteriores. Só de pirraça.
De pirraça em pirraça, quem sai perdendo é o
Congresso. A deputada Bia Kicis já
presidiu a Comissão de Constituição e Justiça sem provocar maiores transtornos.
A presidência das comissões é preenchida a
partir de critérios de proporcionalidade e, como o PL tem a maior bancada, tem
direito a ser o primeiro a indicar seus nomes. Essa construção faz parte de um
acordo de cavalheiros, para manter um clima de cordialidade no plenário.
No dia 7 de abril de 1964, com João Goulart deposto,
o deputado Francisco Julião, patrono das Ligas Camponesas, estava em Brasília, com a
cabeça a prêmio. Escapuliu escondido no carro de seu colega Adauto Lúcio
Cardoso, um adversário conservador que nada tinha a ganhar ao protegê-lo. Dois
dias depois, Julião foi cassado. A Câmara de 1964 tinha gentis-homens.
Quando se fala em acordos de cavalheiros,
ressurge a cena do ator mexicano Cantinflas, começando uma partida de dominó
com amigos:
— Senhores, vamos jogar como cavalheiros ou
como o que somos.
Tratando da encrenca, o deputado Lindbergh
Farias, líder do PT na Câmara, disse que “nós fizemos esse movimento mesmo
[pedir a apreensão do passaporte de Eduardo Bolsonaro] para evitá-lo na
Comissão de Relações Exteriores. Aceitamos qualquer nome, menos o dele. O dele
só se for sem passaporte”.
Pirraça pura.
Eduardo Bolsonaro não precisa da Comissão de
Relações Exteriores para lustrar sua militância trumpista, nem o PL precisa ir
tão longe. Da mesma forma, o PT não precisava pedir ao Judiciário o confisco do
passaporte de um parlamentar no exercício de seu mandato. Se a pirraça fosse
boa política, Adauto não ofereceria seu carro a Francisco Julião.
O deputado Hugo Motta chegou
à presidência da Câmara a partir de uma convergência construída longe da
influência de pirracentos.
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