Folha de S. Paulo
Livro discute a natureza da estatística e
conclui que probabilidades não são uma propriedade objetiva do mundo
Seres humanos temos horror ao acaso, mas é ele quem dá as cartas nos mais
diversos aspectos de nossas vidas. Pior, a estatística, que é a ferramenta de
que dispomos para entender o acaso e lidar com ele, é irredutivelmente
subjetiva. Esse é um resumo, só um pouquinho floreado, de "The Art of Uncertainty" (a arte da
incerteza), de David Spiegelhalter (Cambridge).
O que eu gostei em "The Art..." é que o autor não se furta às questões difíceis, que ficam na zona cinzenta entre a matemática e a filosofia. Um exemplo? Ele chega a afirmar que a probabilidade, compreendida como uma propriedade objetiva do mundo, não existe. Quer dizer, talvez até exista em nível subatômico, no mundo quântico. Mas, nas dimensões em que operamos, probabilidades só refletem expectativas subjetivas de quem as enuncia.
Estamos, então, num vale-tudo? Está
inaugurada a era das "fake statistics"? Não é bem assim. A menos que
queira ser rápida e irrevogavelmente desmentido pela realidade, o estatístico
precisa agir bayesianamente e ajustar suas previsões às novas informações que
vai recebendo. A probabilidade é muito mais uma medida de nossa ignorância do
que a expressão de certezas.
Essas discussões metafísicas são apenas uma
parte pequena do livro, que também traz boas sacadas probabilísticas, como a de
separar quanto dos resultados do futebol nas principais ligas se deve à sorte,
quanto ao talento dos jogadores.
Sobra até para Ricardo Nunes,
o prefeito de São Paulo.
Uma das coisas que Spiegelhalter mostra é que o uso de câmeras de
reconhecimento facial para capturar foragidos, como as alardeadas no Prisômetro paulistano, estão fadadas a produzir problemas.
Mesmo que os programas não tivessem nenhum
viés e apresentassem uma performance invejável, de, digamos, 70% de
reconhecimentos certeiros e apenas 1 em 1.000 falsos positivos, o sistema
geraria mais falsos alertas (59%) do que alarmes reais. O problema não está no
programa, mas na ideia de aplicá-lo indiscriminadamente a multidões.
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