O Globo
Depois de trocar marxismo por liberalismo e
se candidatar a presidente, escritor se aproximou da extrema direita no fim da
vida
Mario Vargas Llosa passava férias no norte do
Peru quando ouviu pelo rádio um discurso do presidente. Era julho de 1987, e
Alan García anunciava a nacionalização de bancos e seguradoras. Liberal de
carteirinha, o romancista escreveu um artigo exortando os compatriotas a
protestarem contra a medida, que considerava um salto para a ruína econômica.
Publicado no jornal El Comercio, o texto deu origem a um manifesto, que logo se converteu num movimento e num partido. Em menos de um mês, o autor de “Conversa no Catedral” estava no alto de um palanque, discursando para 130 mil pessoas na Praça San Martín. Vieram outros comícios, e Vargas Llosa saiu dos cadernos de literatura para entrar nas páginas de política. A aventura durou até junho de 1990, quando ele perdeu a eleição presidencial para outro outsider: Alberto Fujimori.
Em “Peixe na Água”, Vargas Llosa relembra os
três anos em que vestiu o figurino de candidato. Acostumado ao mundo das
letras, ele narra seu choque inicial com o jogo bruto da política: “Ela é
composta quase exclusivamente de manobras, intrigas, conspirações, pactos,
paranoias, traições”. Em seguida, admite que não conseguiu transformar seu
Movimiento Libertad numa legenda muito diferente. “Desde o início adquiriu os
vícios dos outros partidos: caudilhismo, igrejinhas, caciquismo.”
O escritor, que antes via a literatura como
“uma forma de resistência ao poder”, confessa sua falta de jeito para arengar
as massas. “O fato de ter passado a vida sentado a uma escrivaninha inventando
histórias não era o treinamento ideal para fundar um movimento político”,
anota. “O bom orador político latino-americano está mais para toureiro ou
cantor de rock do que para conferencista ou professor; sua comunicação com o
público passa pelo instinto, a emoção, o sentimento, mais que pela
inteligência”, justifica.
Ex-simpatizante do marxismo e da Revolução
Cubana, Vargas Llosa se candidatou com um programa ultraliberal. Convertido ao
ideário do mercado, prometeu privatizar todas as estatais, enxugar direitos
trabalhistas, acabar com a gratuidade do ensino. Em fevereiro de 1990, quando
liderava as pesquisas, foi a Brasília almoçar com Fernando Collor, a quem se
derramou em elogios. Mais sagaz na literatura do que na política, o ficcionista
não foi capaz de perceber onde estava se metendo.
Em alguns dos melhores trechos de “Peixe na
Água”, lançado em 1993, Vargas Llosa reproduz diálogos com Patricia, sua
ex-mulher. Ele dizia que havia se candidatado por “obrigação moral” e pelo
desejo de “moralizar o país”. Ela apostava numa motivação menos heroica: “Foi a
aventura, o fascínio de viver uma experiência cheia de excitação e risco. De
escrever, na vida real, o grande romance”.
Derrotado no segundo turno, o escritor
desistiu das urnas, mas não se afastou da política. Nos últimos anos de vida,
relativizou as convicções democráticas e passou a flertar abertamente com a
extrema direita. Endossou o chileno José Antonio Kast, admirador de Pinochet, e
surpreendeu ao pedir votos para a peruana Keiko Fujimori, filha do ex-ditador.
Em 2022, disse preferir a vitória de Jair Bolsonaro à volta de Lula no Brasil.
Nos três casos, mostrou não dar sorte como cabo eleitoral.
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