O Estado de S. Paulo
JK teve a capacidade de compreender a complexidade da realidade do País, suas urgências e seus desafios
Juscelino Kubitschek – uma fotobiografia,
organizada com dedicação e competência por Fábio Chateaubriand, foi
recém-publicada (2024) sob os auspícios da Fundação Padre Anchieta (FPA). José
Roberto Maluf, presidente da FPA, destacou o significado para o conhecimento da
vida brasileira das imagens que o livro apresenta. Ele pontua que o norte e a
âncora da trajetória de JK foram permeados pelos valores e pelas práticas da
democracia. É o que configurou exemplarmente o parâmetro em cujo âmbito deu
rumo às transformações do Brasil, que liderou como notável homem público.
A fotobiografia é um gênero pouco explorado entre nós. Tece a tradicional narrativa da palavra de uma biografia com o poder visual das fotos. As fotos compõem uma antologia que capta a experiência de uma vida. Esclarecem de onde veio, como veio e a que veio JK, e também o que padeceu no final, por conta do arbítrio do regime autoritário de 1964. Na edição comercial dessa fotobiografia, de próxima publicação, essa maior investigação iconográfica sobre JK estará distribuída em 13 capítulos, que dão o fio estruturador de um admirável trabalho de pesquisa.
JK foi presidente de 1956 a 1961. Faleceu em
1976. O tempo consolidou sua presença no imaginário político e a lembrança de
seu período como anos dourados de criatividade, confiança, democracia e
desenvolvimento. São anos que contrastam com a rudeza de uma apagada e vil
tristeza camoniana que se seguiu e resultou da implantação do regime de 1964.
São vários os fatores que explicam a
persistência histórico-política de JK. Um dos mais significativos é a lição da
sua governança. JK teve a capacidade de compreender a complexidade da realidade
do País, suas urgências e seus desafios. Soube descortinar o futuro do Brasil.
Exerceu a tarefa primordial da liderança de estadista, que é a aptidão para
imprimir construtivo rumo e sentido de direção para a vida nacional. Assim,
levou adiante o impacto transformador dos 50 anos em 5 de seu Programa de Metas
e da construção de Brasília.
JK criou o novo a partir do existente, como
analisei na minha tese de PhD de 1970 em Cornell sobre o processo decisório do
sistema político brasileiro no seu período – publicada em português em 2002.
JK soube enfrentar o imenso desafio a que se
propôs de transformar interna e externamente a escala do País, coma competência
de quem sabia formular e decidir, reunir talentos, entender-se com o Congresso,
mobilizar confiança nos projetos a que deu andamento, conjugando maestria
executiva, vocação democrática e imaginação política e administrativa. Nesta
empreitada foi O Artista do Impossível, como o qualificou Claudio Bojunga na
sua admirável biografia.
A atração que JK ainda desperta sobre os
caminhos pelos quais infundia confiança e esperança no futuro do Brasil foi
instigada pelos ares da redemocratização e pelo centenário de seu nascimento em
2002. Impulsionou biografias como adeBoju ng a e as docontí nu owork in
progress da admirável devoção ao seu percurso de Ronaldo Costa Couto.
Na passagem da palavra para a imagem,
instigou a minissérie JK da TV Globo, de 2006, que em roteiro de Maria Adelaide
Amaral e Alcides Nogueira, combinou história e criação como o engenho da
linguagem televisiva. As imagens em movimento norteiam os documentários sobre
JK e muito especialmente o mais recente, o qualificado relato de 2023 preparado
pela TV Cultura: JK - O Reinventor do Brasil. Os documentários são narrativas
de um fluxo em andamento. Não possuem, no entanto, as características próprias
das fotos, que são lascas do tempo que configuram, como diria Susan Sontag, um
grande livro de citações, de relevante informação sobre um percurso.
Sontag aponta a diferença entre o pintor e o
fotógrafo. O pintor, mesmo nos retratos, constrói. A fotografia, mesmo nas
pousadas, revela. É o que se pode verificar nesta fotobiografia comparando os
qualificados portraits de JK pintados por Portinari e Di Cavalcanti com as suas
fotografias, inclusive as oficiais.
A capa é a chave da interpretação do livro. É
JK em 1960 empunhando uma Rolleiflex num evento com jornalistas, assumindo o
papel dos fotógrafos que cobriam a entrevista. É como se JK indicasse com a
Rolleiflex que cabia aos fotógrafos e suas fotos darem testemunho das lascas do
tempo do percurso de sua vida, numa antologia de citações. Estas partem da
Diamantina de seu nascimento; das etapas de sua formação que, superando as
dificuldades de menino pobre, o levaram à cursar Medicina; do prefeito-furacão de
Belo Horizonte; do inovador governador do binômio energia e transportes de
Minas Gerais; da afirmativa campanha e eleição à Presidência; da epopeia dos 50
anos em 5 e da construção de Brasília; dos registros de família; do afeto pela
sua querência Diamantina; do senador cassado e exilado; de sua volta ao Brasil
e suas penúrias; arrematado com a consagração do reconhecimento popular que foi
o seu enterro em Brasília.
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