domingo, 20 de abril de 2025

‘Me first’ - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

A relação entre Brasil e China: de política e comércio a inflação; de aviões e soja a quinquilharias

Donald Trump empurrou o mundo para o colo da China e o desafio do Brasil é calibrar a intensificação da parceria, não apenas no comércio, que é óbvia, mas também na política, que é consequência. As exportações para a China vão crescer, mas as importações também tendem a disparar. O risco para os consumidores/eleitores brasileiros é aumento de preços, já excessivos. E, para a indústria, competição desleal.

A China ultrapassou os Estados Unidos como principal parceiro comercial do Brasil ainda nos primeiros governos Lula, com um detalhe que vai muito além do detalhe: o Brasil é superavitário nas relações com a China e deficitário com os EUA, o que deve ficar ainda mais estridente a partir da guerra insana, irresponsável e inconsequente de Trump contra tudo e todos. A diferença: os EUA estão reféns de Trump, impetuoso e personalista, e a China é estratégica, tem rumo e determinação.

As conversas e negociações entre Brasil e China ocorrem em várias frentes, a partir da agricultura, passando por aço, alumínio, aviões, chegando a meio ambiente e desaguando na cúpula dos Brics, em julho, no Rio, que ganhou uma importância imensa após o tarifaço. Destaque para a substituição do dólar como moeda internacional.

Um trunfo do Brasil é a previsão de safra recorde em 2025, mais de 10% acima de 2024 e focada em arroz, feijão, milho e a soja, a joia dessa coroa, com 13% a mais que no ano anterior. Como os EUA devem deixar de ser os maiores fornecedores de soja para a China, é natural o Brasil ocupar boa parte desse vácuo, entre tantos outros. A população chinesa tem em torno de 1,5 bilhão de bocas, que precisam de alimentos e de soja para a pecuária. Como nem tudo são flores, há problemas. Se as exportações dispararem, podem comprometer a oferta doméstica, com mais inflação justamente de alimentos e reflexos sociais, econômicos e até políticos. Os preços da comida na mesa são dramáticos nos lares, nos juros e na perda de popularidade de Lula, a um ano e meio das eleições.

O segundo problema grave é a enxurrada de produtos chineses, desde aqueles de alto valor até quinquilharias, o que pode sufocar setores da indústria brasileira que geram riqueza, empregos e renda, num processo que vem de décadas e impactou diretamente o setor têxtil, por exemplo.

Essas preocupações não são só do Brasil, mas do mundo todo, espremido entre o “imperialismo” dos EUA e da China e obrigado a calibrar o que é e o que não é bom para os interesses nacionais. Trump trocou o multilateralismo não por "America first", mas por “Me first”, que passou a valer para todos. Salve-se quem puder!

 

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