Sem o carisma do antecessor, mas beneficiada por imagem de racionalidade, presidente consegue destaque na mídia estrangeira
Gabriel Manzano
Um perfil elogioso da presidente Dilma Rousseff na revista americana The New Yorker confirmou, na semana passada, o que já estava claro para o mundo político: ela está conseguindo, também fora do País, tornar-se uma figura de sucesso - como havia conseguido, antes dela, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E se este sobreviveu, por força de seu carisma, a episódios como os do mensalão, dos aloprados e a infindáveis alianças clientelistas, ela se vale da imagem de racionalidade. É aplaudida por demitir ministros que, afinal, ela própria escolheu.
"A imagem que ela passa lá fora é de uma dona de casa pondo ordem nas coisas", resume o cientista político Amaury de Souza, diretor da MCM Consultores. Ao que outro estudioso, Humberto Dantas, acrescenta: "É também o que percebe o público interno: que ela está, enfrentando os problemas e demitindo os ministros acusados".
Para a maioria do eleitorado, é o que basta, lembra Dantas, sociólogo e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). "Grande parte dos cidadãos tem uma visão simplista do quadro político. O ministro é tirado, o problema está resolvido." Não vem ao caso, para esses brasileiros, questionar o modelo de governo ou o sentido das alianças formadas. E a própria imprensa "reforça a ideia de que Dilma herdou um ministério podre".
Mas são diferentes, adverte Dantas, os caminhos do sucesso de Lula e Dilma. "Ele não era afetado por críticas porque tinha enorme carisma. Ela, que não o tem, vale-se da força da racionalidade. Uma racionalidade de quem vai vendo os erros e consertando." Encaixa com a percepção externa. Para a New Yorker, a presidente "tem-se mostrado muito mais intolerante com a corrupção do que presidentes do passado". No mesmo tom, a Newsweek a brindou, na semana em que ela estreou na Assembleia Geral da ONU, com um perfil e um conselho na capa: "Não mexam com Dilma".
Cobranças. Não que a imprensa estrangeira não faça cobranças - mas elas , até o momento, são breves e cautelosas. O jornal The Financial Times, por exemplo, completou um elogio ao sucesso econômico do Brasil, em agosto, afirmando que a presidente "precisa declarar guerra à excessiva burocracia que alimenta a corrupção". E a Economist sugeriu, há dez dias, que Dilma "poderia dar-se o luxo de ser mais radical" na sua faxina.
Um raro momento de atrito ocorreu em agosto, quando a mesma Economist opinou que os escândalos estavam "criando fissuras em sua precária coalizão". Dilma não esperou para dar o troco. Já no dia seguinte considerou "um ótimo sinal" as revistas estrangeiras se mostrarem preocupadas com o Brasil.
Pragmatismo. São variadas as explicações para o êxito da presidente em pairar acima dos malfeitos ministeriais, sem ser por eles arrastada. "O grande motivo para a imagem de corrupção não pegar nela é, como sempre, a economia", resume o sociólogo Rudá Ricci, diretor do Instituto Cultiva e professor da PUC de Minas Gerais.
A população é pragmática, diz ele. Não vai criticar um governo "que lhe garante os atuais níveis de emprego e ascensão social". É um fenômeno que se repete ao longo da história: "Em todos os países onde ocorreram esses períodos de ascensão e inclusão social, a população se tornou conservadora e pragmática".
Mas consolida o cenário favorável à presidente, segundo Ricci, o fato de que para muitos brasileiros a corrupção em altos escalões é parte da paisagem. Ele menciona, a propósito, uma pesquisa do Ibope, cerca de um ano atrás, segundo a qual 65% da população convive pacificamente com irregularidades na vida pública. "Na pesquisa, 75% revelaram que, se estivessem no governo, admitiriam cometer algum tipo de ato ilícito", diz Ricci.
Amaury de Souza acrescenta, às virtudes presidenciais, a força da propaganda oficial. "No Brasil de hoje é fácil passar à opinião pública a ideia de que a governante não está envolvida, que ela é vítima, e não cúmplice. Não é à toa que o Planalto gasta uma fortuna em comunicação, ou que fatos graves sejam chamados apenas de malfeitos." De acordo com ele, "um malfeito se corrige demitindo o ministro, sem se questionar o modelo nem processar o demitido".
Mas Rudá Ricci entende que as atuais vantagens da presidente podem ter prazo de validade - e cita, para tanto, a própria New Yorker. É que ela ouviu também, na reportagem, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que se mostrou compreensivo com as dificuldades da presidente para levar adiante a "faxina". "Não sei se ela sabe o quanto é difícil fazer essa limpeza", comentou FHC. "Lula aconselhou-a a não ir tão rápido. Na verdade, talvez ele tenha razão."
"O que FHC disse é que há uma ruptura entre a voz das ruas, que lhe garante popularidade, e os acordos políticos, que garantem governabilidade", pondera o sociólogo mineiro. Sua avaliação é que, não tendo o poder de Lula para controlar as forças políticas, nem um interlocutor de peso - pois tanto Ideli Salvatti quanto o secretário-geral Gilberto Carvalho são estranhos a tal papel - Dilma pode enfrentar sérios obstáculos num quadro econômico futuro não tão calmo quanto o de agora. Um dos cenários possíveis, para ele: "No limite, ela pode manter a popularidade mas resvalar para o terreno da desinstitucionalização".
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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