Valor Econômico
Famílias unem baixa poupança com alto risco
de perder renda
A taxa de desemprego no Brasil recuou para
8,3% no trimestre que se encerrou em outubro - menor patamar desde 2015 -,
segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC)
divulgada em 30 de novembro. É importante notar que a melhora ocorreu em um
contexto de elevação da população ocupada (PO), que atingiu o recorde da série
iniciada em 2012: 99,7 milhões de pessoas. Sem dúvida, são números positivos
que sugerem um mercado de trabalho dinâmico.
Contudo, embora seja uma estatística importante, a taxa de desemprego, por si só, não dá necessariamente um retrato fidedigno do desempenho do mercado de trabalho. Afinal, aspectos também relevantes para os trabalhadores, como renda e benefícios adicionais recebidos (plano de saúde, auxílio-creche, fundo de previdência etc.), assim como garantia de trabalho futuro, não são captados por esse indicador.
Por causa disso, é admissível um ambiente
de taxa de desemprego relativamente baixa convivendo com uma percepção de
mercado de trabalho pouco ativo. Aliás essa é a interpretação que muitos
analistas têm dado sobre a situação do mercado de trabalho brasileiro
atualmente.
Frente a esse quadro e diante da
necessidade de compreender certas características do mercado de trabalho que,
por sua natureza mais qualitativa, não estão no foco da PnadC, o FGV Ibre
lançou nesta segunda-feira, 5, a Sondagem do Mercado de Trabalho (ver mais na página A4). A intenção
com essa nova sondagem é trazer informações complementares à pesquisa do IBGE.
A Sondagem do Mercado de Trabalho aborda
questões relacionadas à qualidade do emprego, como a de saber se os brasileiros
estão satisfeitos ou não com seu trabalho, e os motivos da satisfação ou
insatisfação; investigar se os trabalhadores por conta própria - cujo
contingente aumentou muito nos últimos anos - estão nessa categoria porque
querem ou porque precisam; levantar o contingente de informais que gostariam de
estar na formalidade; apurar questões associadas às perspectivas de longo
prazo, tais como sustentabilidade financeira no caso de perda da atividade
laboral e percepção do risco de eliminação da principal fonte de renda.
Assim, o objetivo é realizar pesquisas
mensais que ajudem na compreensão da dinâmica do mercado de trabalho nacional.
Naturalmente, com o passar do tempo, a construção da série da sondagem poderá
ser muito útil para entender nuances do mercado de trabalho, e, com isso,
ajudar na confecção de políticas públicas.
Seja como for, ao se analisar os resultados
da sondagem divulgada nesta segunda é possível constatar que 28% dos
trabalhadores brasileiros estão insatisfeitos com sua ocupação atual. A
remuneração baixa é apontada por cerca de dois terços desses trabalhadores como
um dos motivos de sua insatisfação. A falta de benefícios fornecidos pelo
empregador aparece em segundo lugar na lista de descontentamento.
Com base na pesquisa também é possível
fazer um recorte analítico sobre os trabalhadores por conta própria. Um pouco
mais de dos terços dos conta própria gostariam de se tornar empregados numa
empresa privada ou pública (o um terço restante não gostaria). Quando
perguntados sobre o principal motivo para querer sair da condição de conta
própria, os entrevistados dão sinais claros de que gostariam de ter acesso aos
benefícios de empregado em uma empresa formal ou a obtenção de rendimentos
fixos (e não flutuantes, como tipicamente ocorre no trabalho por conta
própria). Já os que querem permanecer na condição de conta própria citam a
flexibilidade do trabalho ou o fato de auferirem maiores rendimentos como
justificativa.
Dessa forma, o resultado sugere que grande
parte do expressivo grupo dos trabalhadores por conta própria esteja nessa
situação mais por necessidade do que por vontade, podendo mudar para a condição
de empregado se tiver a opção.
Quando o foco são os trabalhadores
informais, o desejo de formalização é de aproximadamente 88% do contingente
como um todo, chegando a quase 90% entre os informais que ganham até dois
salários mínimos, e 76% entre os que recebem mais de dois mínimos.
A pesquisa também traz levantamentos sobre
as perspectivas futuras.
Cerca de dois terços dos brasileiros
disseram estar muito preocupados com a sua situação financeira de longo prazo,
num horizonte de cinco a dez anos. Um pouco mais de 50% revelam muita
preocupação com a perspectiva de não terem acesso a cuidados de saúde de
qualidade.
Ainda de olho no futuro, dentre a população
ocupada que tem rendimentos mensais acima de dois salários mínimos, cerca de um
terço acredita que conseguiria se sustentar financeiramente por um período
máximo de três meses caso perdesse seu emprego e/ou principal fonte de renda.
Quanto à probabilidade da perda do trabalho nos próximos 12 meses, esse
segmento estima algo como 20%.
Dentre os que recebem até dois salários
mínimos, o quadro é muito mais aterrador: quase três quartos das pessoas
afirmam que só conseguem ter o sustento financeiro garantido por até três meses
sem emprego. Com o agravante de que veem uma probabilidade de quase 50% de
perder sua principal fonte de renda nos próximos 12 meses.
Como se vê, os primeiros resultados da
Sondagem do Mercado de Trabalho do FGV Ibre apresentam uma realidade não muito
animadora. Dentre os diversos dados levantados, dois saltam aos olhos. Um primeiro
achado que merece atenção: mais de dois terços dos trabalhadores por conta
própria confessaram preferir um emprego em uma empresa privada ou pública,
renunciando ao que supostamente seria a razão da existência do modelo de
trabalho por conta própria - flexibilidade de horário e renda variável - em
prol de rendimentos fixos e acesso aos benefícios fornecidos pela empresa
formal a seus empregados. Por causa desse resultado, parece fazer sentido uma
reavaliação do modelo de trabalho por conta própria. Um segundo aspecto que
parece bastante preocupante: o baixo nível de poupança conjugado à percepção do
elevado risco de perda da sua principal fonte de renda deixa as famílias de
menor poder aquisitivo extremamente expostas às intempéries.
*Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre
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