segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Armando Castelar Pinheiro* - 2024, um ano morno?

Valor Econômico

É pouco provável que as surpresas positivas para o PIB dos últimos dois anos se repitam no ano que vem

Algumas semanas atrás o FMI soltou uma versão atualizada de suas projeções para a economia mundial. No todo, elas sinalizam uma expansão relativamente modesta do PIB mundial em 2024, de 2,9%, abaixo da média observada no período pré-pandemia (3,8% em 2000-19). Em grande medida, seria uma repetição do crescimento pouco brilhante esperado para este ano (3%), com uma pequena desaceleração nas economias avançadas, de 1,5% para 1,4%, e estabilidade nos países emergentes, onde o crescimento ficaria constante em 4%.

Esse resultado seria consequência basicamente do aperto feito pelos bancos centrais (BCs) no último ano e meio, com o Fundo projetando que a política monetária permanecerá restritiva até pelo menos 2025, antes do que a instituição não espera que as taxas de inflação convirjam para as metas.

De fato, a despeito de projetar uma nova queda dos preços das commodities em 2024, o FMI espera apenas uma modesta retração da inflação mundial em 2024, de 6,9% este ano para 5,8%. Nas economias avançadas, a queda seria mais significativa, de 4,6% para 3%, enquanto nos emergentes o processo desinflacionário seria mais lento, com os preços subindo 7,8% em 2024, contra alta de 8,5% este ano. Na maioria dos países, os núcleos de inflação apresentariam uma desaceleração mais modesta que os índices cheios.

Dentro desse quadro de quase repetição do quadro econômico, há algumas exceções dignas de nota. Entre as economias avançadas, há um relevante contraste entre a desaceleração esperada para os EUA, com queda do crescimento de 2,1% para 1,5%, e a retomada esperada para a Área do Euro, de 0,7% para 1,2%. Nos dois casos, porém, haveria uma queda significativa da inflação sem que o PIB contraísse e com a taxa de desemprego subindo só marginalmente em relação ao patamar historicamente baixo registrado este ano. Seria, no linguajar atual, um pouso suave.

Já entre as economias emergentes, vale registrar a queda do crescimento na China, de 5% este ano para 4,2% em 2024, e no Brasil, de 3,1% para 1,5%. Nos dois casos, porém, a taxa de desemprego também permaneceria estável. A inflação subiria um pouco na China, de 0,7% para 1,7%, e teria uma pequena queda no Brasil, de 4,7% para 4,5%.

No nosso caso, esse cenário não diverge muito do que mostra a pesquisa Focus, do Banco Central. Também por aqui, a visão é que a elevada taxa de juros real começará a impactar o crescimento do PIB já na segunda metade de 2023, período para o qual a projeção mediana de mercado é de uma contração anualizada de 2%, frente ao primeiro semestre. Isso levaria o crescimento no ano para 2,9%, mas deixaria um carregamento estatístico nulo ou mesmo ligeiramente negativo para o próximo ano.

Confirmado esse prognóstico, a projeção mediana do Focus para 2024, de alta de 1,5% no PIB, soa até um pouco otimista. É verdade que nos dois últimos anos o PIB surpreendeu, crescendo bem mais que os analistas projetavam. Há dois anos atrás a previsão era que o PIB de 2022 tivesse expansão de 1,3%, mas na prática acabou sendo mais que o dobro disso (2,9%). Da mesma forma, há um ano atrás se previa alta de apenas 0,65% do PIB este ano, menos de um quarto do que se projeta agora.

Em 2022, a surpresa veio de uma mistura de fortes estímulos fiscais e um desempenho do setor de serviços acima do esperado, refletindo a demanda reprimida do período da pandemia, de forma bastante similar ao que se viu em vários outros países. Isso promoveu forte expansão do emprego e da renda, que ajudou a alavancar o mercado de crédito e a atividade econômica. Este ano a surpresa maior foi o excelente desempenho da agropecuária, que por sua vez puxou a demanda por serviços como transporte e outros associados à comercialização da safra agrícola recorde.

A alta projetada para o PIB da agropecuária, de quase 15%, fará com que esse setor responda diretamente por 1,2 ponto percentual do crescimento de 2023. Ele também explica em grande parte a queda dos preços de produtos alimentícios: de acordo com o último IPCA-15, a alimentação no domicílio registrou deflação de 1,1% nos 12 meses até outubro, subtraindo 0,16 ponto percentual da variação do índice cheio. Isso contribuiu para a elevação do rendimento real do trabalho, de 4,6% nos 12 meses até setembro, o que ajuda a explicar a expansão do consumo das famílias este ano.

É pouco provável que as surpresas dos dois últimos anos se repitam em 2024. Em que pese o relativo otimismo com os juros externos nos últimos dias, com os sinais de algum esfriamento na atividade e no mercado de trabalho nos EUA e na Europa, o cenário internacional permanecerá adverso em 2024. A agropecuária muito dificilmente repetirá o excelente resultado deste ano. E a demanda por serviços já parece ter retornado ao padrão pré-pandemia. Soma-se isso o aumento da incerteza doméstica, com o virtual abandono do arcabouço fiscal, o que tem puxado os juros de mercado para cima, tornado mais preocupante a dinâmica da dívida pública e que tende a puxar o investimento, que já foi mal este ano, ainda mais para baixo.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

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