segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Fernando Gabeira - A guerra contra as crianças

O Globo

Estrategistas não contam com a morte e mutilação infantil. Mas deveriam avaliar os traumas da guerra e da perda da infância

Não quero comover, emocionar, levar às lágrimas. Apenas perguntar: Que mundo é este em que 420 crianças são mortas por dia, sem que nada possamos fazer? Que mundo é este em que, entre 20 mil feridos, 7 mil são crianças? Que mundo é este em que crianças não podem dormir com o barulho das bombas, não podem brincar entre ruínas pontilhadas de corpos despedaçados?

Difícil aceitar um mundo em que não se trocam imediatamente crianças sequestradas pelo Hamas e crianças presas em Israel. Uma troca pura e simples, sem considerações aritméticas, do tipo um por um. Todas deveriam voltar para suas casas, no caso de ainda terem uma.

Alguns diriam que é ingenuidade supor que as guerras não sejam destrutivas. Sempre mataram, mutilaram e separaram entes queridos. Mas, ao longo do tempo, evoluímos. Criamos leis internacionais. A Convenção de Genebra tem quatro versões, precisamente porque não só definia crimes de guerra, como também expressava essa evolução civilizatória.

Depois dela, tivemos o Estatuto de Roma e um Tribunal Penal Internacional que alguns países como os Estados Unidos não reconhecem. Pelas leis internacionais, Putin deveria estar preso por deportar à força para a Rússia 16 mil crianças. O único tribunal permanente deveria funcionar. O presidente Lula questionou sua existência, mas não se lembra de que o Brasil assinou o tratado em 2002 e o integrou à Constituição em 2004.

Outro argumento que se usa para justificar guerras sangrentas é a defesa do Estado. Grande parte da humanidade apoia a fórmula de dois Estados independentes e pacíficos no Oriente Médio: Israel e Palestina. Mas vale a pena defender ou criar um Estado a partir do massacre de crianças? Os estrategistas não contam com a morte e mutilação infantil. Mas deveriam avaliar os traumas da guerra e da perda da infância, que definirão a personalidade dos que sobrevivem até a idade adulta. Isso significa que a guerra não está apenas produzindo violência, mas semeando violência por muitas gerações.

Algumas organizações defendem a libertação de todas as crianças e a criação de um espaço e tempo para que possam brincar em segurança. Se eu ainda ocupasse cargo público, tentaria apoiar essa possibilidade articulando contatos internacionais em parlamentos de todo o mundo. “Let the Children Play” seria o tema de uma campanha, que teria até a música de Santana como forma de divulgação.

Claro que isso não é o mesmo que um cessar-fogo. Mas de que adianta aprovar um cessar-fogo que Israel só aceitará quando quiser?

Uma campanha pelas crianças teria mais chance de abrir um pequeno espaço civilizatório numa guerra tão próxima da barbárie. E poderia também abrir uma brecha na polarização que domina o debate. Afinal, apesar do que pensam os mais radicais, nem as crianças palestinas nem as de Israel são responsáveis pelas decisões políticas.

Cada vez que ouço um porta-voz da guerra dizer que não há inocentes do outro lado, a primeira imagem que me vem à lembrança é a de milhões de crianças que não escolheram a tragédia, apenas nasceram dentro dela.

Crianças precisam de oxigênio nos hospitais de Gaza, e as máquinas dependem de geradores, que, por sua vez, dependem de combustível. Por que não deixar entrar o combustível? Apenas porque o Hamas pode roubá-lo? Que peso teriam na guerra alguns litros que poderiam salvar tantas vidas que acabam de vir ao mundo?

Ou o mundo reconquista um mínimo de sanidade ou será muito difícil sobreviver nele, sabendo que quase 20 crianças morrem a cada hora de guerra. Levar em conta essa realidade significa colocar pelo menos um tijolo no improvável edifício da paz.

Neste momento, algumas qualidades infantis, como a fantasia e a ingenuidade, talvez possam abrir um pequeno espaço nessa espessa couraça da guerra que a diplomacia e a articulação internacional não conseguem penetrar.

 

5 comentários:

Daniel disse...

Gabeira como sempre mostra sua sensibilidade, destacando os crimes cometidos contra as crianças, tanto pelo Hamas (que matou intencionalmente dezenas) quanto pelo governo israelense (que já matou mais 3 mil nestas 4 semanas).
Os ataques de Netanyahu matam uma criança palestina a cada 10 minutos. Este canalha se apresenta como o bem contra a barbárie, mas um de seus ministros quer LANÇAR UMA BOMBA NUCLEAR EM GAZA. Israel comete CRIMES DE GUERRA em série, sendo TÃO TERRORISTA quanto o Hamas! E os EUA e os governos europeus apoiam este terrorismo israelense, sendo CÚMPLICES de Netanyahu.

Daniel disse...

Elyahu, ministro do Patrimônio de Israel, no dia 3/11, publicou um vídeo de casas destroçadas pelos ataques israelenses. “A Faixa de Gaza mais bonita do que nunca”, escreveu no X (antigo Twitter). “Explodir e arrasar tudo, que delícia”. Segundo ele, jogar uma bomba atômica em Gaza seria uma boa opção!

ADEMAR AMANCIO disse...

É tudo muito triste.

marcos disse...

Daniel não é só um coitado; também é anti Ocidente e pró Hamas. MAM

marcos disse...

Interessante. Quantas crianças morreram de fome ou por decorrência, de 2010 a 2022? E de bala perdida, cada vez mais certeira, desde 2003? Gabeira acredita em GLO pra inglês ver? E mortes por falta de vacina? E por crack vindo da amiga Bolívia?

Bibi é um tremendo FDP à direita, mas é fruto do jogo democrático. Hamas e Hezbollah são teocracias, assim como os judeus imbecis que ficam batendo cabeça em muros, além dos evangélicos que seguem seus passos. Gente como Bibi - populista - tem que ser eliminada da política; o restante deveria ser eliminado do planeta.

Há uma diferença absurda e quem não vê é maníaco pró Oriente. Jumento em pele de cordeiro.

MAM