domingo, 26 de dezembro de 2010

Os anos de Lula :: Flávio Tavares

DEU ENO ZERO HORA (RS)

Chegam ao fim os oito anos de Lula da Silva no poder e não há como deixar de admirá-lo. Ele não é um estadista (ao contrário, faz tudo o que um estadista jamais faria), mas nunca houve um presidente tão gracioso e simpático. É impossível imaginar Getúlio Vargas dizendo o que Lula diz em público, numa simplificação vulgar, às vezes quase baixo calão. Nem o general João Figueiredo foi a tanto, naquelas imagens espontâneas em que dizia preferir cheiro de cavalo a cheiro de povo. Em Lula, a atração surge da facilidade com que diz coisas estapafúrdias como se fosse ciência pura ou verdade absoluta. Provoca risos, mas o jeito de menino travesso o absolve de pecado.

Em 2005, a corrupção do “mensalão” ameaçou devastá-lo e ele pensou que teria o mesmo destino de Collor. Mas insistiu em que “não sabia de nada” e que fora “traído”. Negou o inegável. Fingiu ser um paspalhão, alheio a tudo ao seu redor e foi reeleito em 2006.

No governo, tudo é “show”, termo inglês que conhece (mesmo sem saber idiomas) pois é exímio em representar. Se inaugura consultório odontológico, posa de dentista e assim por diante. Onde está, representa um papel. É o grande artista do grande espetáculo.

Em oito anos, o governo gastou cerca de R$ 10 bilhões em propaganda, segundo a Secretaria de Comunicação Social (Secom), sem contar a “publicidade legal”, produção e patrocínios. Para mostrar que o Brasil é “um país de todos”, em 2010 os gastos vão a R$ 1,1 bilhão, uns R$ 3 milhões ao dia, dos quais 64,2% para as emissoras de TV. A propaganda tornou-se inteligente e persuasiva quando Franklin Martins assumiu a Secom, após os escândalos de 2005 e foi fundamental para fazer esquecer a corrupção.

Todos falam da popularidade do presidente e não toco nisso. Fico com a análise dos que vivem perto do poder:

“Na economia, o ‘mito Lula’ não se sustenta em fatos, é só a repetição de versão triunfalista e truques numéricos. Em 2010, houve o maior crescimento em 25 anos, mas porque em 2009 caiu 0,6%, a pior recessão desde 1990. No primeiro ano, Lula aumentou o superávit primário; nos últimos, promoveu orgias de gastos. Consolidou amplo programa de transferência de renda aos pobres e fez forte doação de recursos públicos aos ricos. Quem vê só a cena final, não entende o filme”, escreveu Miriam Leitão, lúcida analista econômica. E lembrou: “Com Lula, desmataram 125 mil km2 da floresta amazônica (Portugal e Bélgica somados) e tudo aumentará com a hidrelétrica de Belo Monte e outras. Na crise de 2008, o Banco Central acumulou reservas, mas em 2010 o déficit em transações correntes vai a US$ 50 bilhões. Em oito anos, o Brasil cresceu menos que a América Latina, com os juros mais altos do mundo”.

Frei Betto, que integrou o programa “Fome Zero” (substituí-do pelo Bolsa-Família), recorda: “Com Lula, os mais pobres mereceram recursos anuais de R$ 30 bilhões; os mais ricos, através do mercado financeiro, foram agraciados com mais de R$ 300 bilhões/ano. O país continua sem reforma agrária, política e tributária. O investimento na educação não superou 5% do PIB e a Constituição exige 8%, ao menos. Em qualidade de educação, o Brasil se compara ao Zimbábue, pelos índices da ONU”.

Resta o petróleo do pré-sal, dádiva da natureza, que a Petrobras descobriu e “o governo joga fora”, diz Ildo Sauer, do Instituto de Energia da USP e, até 2007, diretor de Petróleo e Gás da Petrobras: “Sem debate e sem um pio, entregamos de 2,6 a 5,5 bilhões de barris e toda a tecnologia da Petrobras a uma empresa de Eike Batista, aquele que, num leilão, pagou R$ 1 milhão pelo terno de posse do Lula”.

Ou, na síntese de Delfim Netto, conselheiro do presidente, “o governo Lula consolidou o capitalismo no Brasil”.

*Jornalista e escritor

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