• Dinheiro servirá para quitar pedaladas sem aumentar dívida pública
Por Martha Beck, Vivian Oswald e Gabriela Valente – O Globo
BRASÍLIA e LONDRES - O Tesouro Nacional negocia com o BNDES uma operação que vai abrir espaço para a quitação das pedaladas fiscais (atraso nos repasses de recursos para bancos públicos) sem impacto na dívida bruta. Segundo integrantes do governo, a ideia é que o banco antecipe o pagamento de R$ 30 bilhões do passivo decorrente dos sucessivos aportes de capital feitos pelo Tesouro na instituição nos últimos anos. O valor seria utilizado para abater a dívida bruta. Assim, quando a equipe econômica honrar as pedaladas, vai elevar o déficit fiscal, mas não o endividamento público.
— O acordo com o BNDES é um esforço fiscal adicional — explicou um integrante do Ministério da Fazenda.
O primeiro passo para essa operação foi dado na última sexta-feira, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) reduziu em R$ 30 bilhões o limite de empréstimos do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), do BNDES. Isso gerou uma sobra no orçamento do banco.
Dívida chega a R$ 500 bi
Assim, o BNDES poderá usar esse valor para quitar uma parte de sua dívida com o Tesouro, que soma cerca de R$ 500 bilhões. Isso entrará nas contas como uma receita financeira que pode ser usada para abater a dívida bruta, que hoje soma R$ 3,7 trilhões, ou 65,3% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), e é o principal indicador de solvência observado pelo mercado e agências de risco.
Passivos com bancos
Assim, quando o governo quitar as pedaladas, estimadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em R$ 40 bilhões, vai piorar o resultado primário (diferença entre receitas e despesas, excluindo gastos com juros) mas não os indicadores da dívida. Somente com o BNDES, a dívida do Tesouro foi calculada pelo TCU em R$ 24 bilhões no início do ano. Se for corrigido até agora, o valor sobe para R$ 27 bilhões. Também há passivos com o Banco do Brasil e a Caixa. O BNDES tem uma sobra de caixa estimada em R$ 120 bilhões, mas resiste a usá-la para antecipar os pagamento à União, segundo fontes do governo.
Em Londres, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, confirmou que o banco pode devolver ao governo recursos emprestados pelo Tesouro. Ele admitiu estar em entendimentos finais com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas preferiu não entrar em detalhes antes de a operação estar concluída.
— Eu não vou comentar porque a gente ainda está em entendimentos finais com o ministro. Eu somente comento quando tivermos tudo acertado. Nossa atitude tem sido a de ajudar o esforço fiscal brasileiro. O BNDES não tem se furtado a colaborar — disse Coutinho na capital britânica, onde participou do evento Amazon Day.
O presidente do BNDES destacou que, desde o começo do ano, o banco não demandou recursos do Tesouro:
— E, agora, quem sabe a gente até ajude no sentido contrário. Mas não vou comentar. Adotamos política operacional nova. Política para debêntures. Agenda construtiva ajuda o esforço fiscal. Nossa esperança é que o processo de ajuste fiscal seja acelerado para que a gente possa virar a página.
Ajuda à política monetária
O ex-secretário do Tesouro e economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, elogiou a operação com o BNDES. Segundo ele, além de reduzir o impacto sobre a dívida bruta, a medida traz outras vantagens: reduz a capacidade de empréstimo do banco, o que ajuda na política monetária e diminui os custos do Tesouro com subsídios futuros.
— Isso contribui para uma queda mais rápida dos juros no país. Dá para ver que há um potencial de ajuda dentro do BNDES — afirmou Kawall.
O rombo de quase R$ 50 bilhões nas contas do setor público de 2015, anunciado terça-feira, não surpreendeu o mercado, que já trabalha com a hipótese de o governo registrar um novo déficit em 2016.
— Por enquanto, o governo não tem a menor condição de realizar a meta de superávit de 0,7% prometida para 2016 — afirmou o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.
— O governo mostrou o que já se sabia: que as receitas estão caindo demais. Ele já não consegue mais projetar o comportamento da arrecadação — disse Fábio Klein, da consultoria Tendências.
Ambos, no entanto, não veem grande problema no fato de as pedaladas fiscais não terem sido incluídas na conta do déficit de 2015:
— O mercado já faz essa conta mesmo sem que o governo coloque na meta — afirmou Klein.
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