- Folha de S. Paulo
A profusão de narrativas sobre tudo tem feito pessoas abdicarem de fatos verificáveis e raciocínios lógicos
Num dos mais memoráveis experimentos mentais da filosofia, Robert Nozick propôs que imaginássemos uma máquina de gerar estímulos prazerosos tão perfeita que, se nos ligássemos a ela, viveríamos uma vida de júbilos sem fim, que não teríamos como distinguir da realidade. Se lhe fosse dada a escolha, você, leitor, optaria por acoplar-se à engenhoca até o fim de seus dias ou preferiria seguir no mundo real?
Nozick, que criou esse experimento para refutar o hedonismo ético, mais especificamente os utilitaristas, que erigem a promoção do prazer (e a supressão da dor) em fundamento universal da ética, obviamente imagina que a maioria de nós rejeitaria ligar-se à máquina e articula razões para a recusa.
Não pretendo discutir aqui se o hedonismo é ou não a base da moralidade, mas apenas constatar, consternado, que os tempos estranhos em que vivemos podem ter realizado a façanha de criar uma versão virtual da máquina do prazer de Nozick e introjetá-la nas mentes das pessoas.
O achado é empírico. Pesquisa Datafolha mostrou que 7% dos brasileiros acreditam que a Terra é plana e que 26% não creem que os americanos tenham pousado na Lua. Os disparates anticientíficos não se limitam à astrofísica. Sondagem de 2010 revelara que 25% dos nossos conterrâneos acreditavam em Adão e Eva.
Minha hipótese é que, diante da profusão de narrativas sobre tudo e da indecidibilidade de alguns temas, as pessoas estejam simplesmente desistindo da ideia, tão fundamental para a modernidade, de que suas crenças (ou pelo menos parte delas) devem estar amparadas por fatos verificáveis e raciocínios lógicos e estejam optando por adotar a opinião que mais lhes dá prazer, como se rodassem uma máquina de Nozick dentro de suas cabeças.
O resultado desse processo se mede num anti-intelectualismo cada vez mais exacerbado e do qual as pessoas têm cada vez menos vergonha. “O tempora, o mores”.
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