Sem
citar Bolsonaro ou Covid, André Nemésio dispara um asteroide contra a política
sanitária do atual governo
A ficção
científica tem uma legião de fãs dedicados. Não estou entre
eles. Embora leia de tudo, eventualmente até ficção científica (e quase sempre
com prazer), não sei de cor todos os títulos de Asimov, Bradbury e Clarke —e
nem acho que tenha assistido a todos os episódios de “Jornada nas Estrelas”.
É estranho que a ficção científica não goze de grande prestígio literário, já que o gênero convida os autores a trabalhar com ideias em estado puro. Ela não é limitada pela ditadura da realidade nem pelos acidentes da geografia espacial e do estado tecnológico em que calhamos de viver.
No
fundo, a única restrição que a ficção científica impõe é a de não violar
sistematicamente as leis da física, as quais deixam enorme latitude para a
imaginação. É um gênero perfeito para a crítica social, pois permite apontar
problemas desvinculando-os de paixões presentes.
Faço
essas considerações a propósito de “Crônicas do Cretáceo”, livro de estreia
de André Nemésio,
biólogo com o qual troco e-mails já há vários anos. A história gira em torno do
asteroide que caiu sobre o que é hoje a península de Yucatán, 66 milhões de
anos atrás, provocando uma extinção em massa. A tragédia poderia ter sido
evitada. Não avanço mais para não cometer um “spoiler” sideral.
Impressionou-me
a quantidade de discussões científicas fascinantes que André conseguiu
reunir num enredo que prende a atenção. Quão comum é a vida no Universo? E a
vida inteligente? Dinossauros poderiam ter criado uma civilização? Ainda entram
debates sobre epistemologia, feminismo e, principalmente, sobre os riscos de
ignorar a ciência. Sem nem mencionar Bolsonaro ou Covid-19, André dispara um
asteroide inteiro contra a mortífera política sanitária do atual governo.
Detalhe revelador do rigor científico com que o autor trata os temas abordados, “Crônicas...” é um livro de ficção com notas de rodapé e bibliografia.
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