Genocídio.
Por que a palavra ficou tão presente na vida brasileira? Porque ela é usada
quando um povo está morrendo. Nós estamos morrendo. Todas as outras palavras
parecem pálidas. Prisioneiros de uma armadilha institucional e trágica, os
brasileiros morrem diariamente aos milhares. Os remédios usados no tratamento
extremo, a intubação, estão acabando, e o país está numa macabra contagem
regressiva de quantos dias durarão os estoques. O que acontecerá se os
medicamentos acabarem antes de serem repostos? Seremos intubados sem sedativos
ou sufocaremos? Nós não estamos apenas morrendo. Caminhamos para morrer em
maior número e de maneira mais cruel. Que nome deve ser usado? Genocídio.
A palavra habita nossas mentes porque estamos vendo os fatos, temos consciência do destino. Objetivamente, é a única que temos para descrever os eventos deste tempo. Quem se ofende com ela, se fosse pessoa com sentimentos humanos, teria reagido para evitar a tragédia. Nós sabemos sinceramente que nada podemos esperar de quem empurrou o país para este momento de barbárie.
A
armadilha em que estamos é que não há remédio institucional fácil, e
suficientemente rápido, para neutralizarmos o agente de nossa própria morte.
Não temos legítima defesa. Os democratas respeitam as regras do jogo
constitucional. O constituinte não pensou que haveria um tempo assim tão
perigoso em que o governante atentaria contra a vida coletiva. Na Constituição
está escrito que a saúde é um direito do povo e um dever do Estado. Esse é o
primeiro princípio, de uma infinidade de outros, que está sendo quebrado.
O
presidente da República convidou o presidente do Supremo Tribunal Federal para
participar de um comitê de combate à pandemia. Estranho, porque ele nunca
combateu a pandemia. Ao mesmo tempo, ingressou no Supremo contra três governos
estaduais que tomaram medidas para reduzir a circulação de pessoas e, portanto,
do vírus. O ministro Luiz Fux perguntou aos colegas se devia ir e recebeu a
aprovação. Fux vai para um “diálogo institucional”, mas já avisou que não
participará de uma comissão formal. Não existe meia entrada nessa reunião. Jair
Bolsonaro está em litígio com os governadores. Se o STF vai julgar essas ações
não pode participar de diálogo algum. É uma armadilha. Mais uma.
O
que mais ele terá que fazer? Quantas mortes serão suficientes? Quanto fel ele ainda
terá que destilar? Até quando os poderes da República vão acreditar que estão
diante de um governo normal, com o qual se pode ter diálogo?
Desde
o início desta pandemia o presidente da República escolheu seu lado. Não é o da
vida. Diariamente ele maquina o mal. Ficou contra cada medida que poderia
evitar mortes. Seu governo se nega a fazer a coordenação que, numa federação
centralizada como a nossa, cabe à União. Ele não apenas se omite, ele age.
Bolsonaro sabota a ação do aparato de Estado que o país construiu. O Ministério
da Saúde é uma sombra do que foi, do que poderia ter sido nesta crise. A
demolição institucional continua sendo executada com crueldade.
O
presidente é pessoa de extrema perversidade. Mas um perverso com método. Ele
apostou, desde o início, que a melhor forma de se salvar é defender que a
economia deve continuar funcionando. Calculou que a imunidade coletiva chegaria
e nesse momento ele diria que estava certo desde o início. Então a raiva da
população ferida poderia ser dirigida contra os outros. Que outros? Todos.
Governadores, prefeitos, ministros do Supremo, adversários políticos,
jornalistas. Qual a variável de ajuste dessa equação? Os mortos. Podem ser
quantos forem até que se atinja a imunidade coletiva que, na sua visão, viria
da contaminação em massa. Bolsonaro certa vez comparou o coronavírus à chuva.
“Ela vai molhar 70% de vocês”. Bolsonaro está errado desde o início. A ciência
nos ensina que diante deste vírus mutante e mortal a imunidade coletiva só virá
com a vacinação em massa.
O presidente adotou conscientemente o caminho de nos levar para esta exposição máxima ao vírus porque desta forma se chegaria, na cabeça dele, ao fim da pandemia. O caminho está errado sob todos os pontos de vista: médico, científico, humano. Ele está nos levando para a morte. Qual é a palavra exata? Genocídio.
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