Não
se trata de uma guinada populista à vista, mas de um comportamento típico de
governantes em apuros, que começam a recorrer à força do Estado contra a
opinião pública
O
professor e historiador Alberto Aggio é um estudioso da política
latino-americana, seu livro Um lugar no mundo (Fundação Astrojildo Pereira/
Fondazione Instituto Gramsci) dedica especial atenção à discussão do conceito
de populismo. É um crítico tanto de sua “banalização”, como um termo que
expressa estilos políticos de caráter depreciável, quanto do seu uso como
“teoria explicativa” do desastrado percurso histórico latino- americano rumo à
modernidade, “na qual a presença do Estado na vida social e econômica se fixa
como seu elemento mais negativo e que necessita ser superado ou destruído”. Na
sua avaliação, o populismo emergiu num cenário de crise do liberalismo, buscava
a construção de uma sociedade industrial e moderna, politicamente orientada
pelo Estado, incorporando as massas à cidadania pela via dos direitos sociais.
Foi “uma fuga para frente”.
Tratava-se de promover transformações sem rupturas violentas, revolucionárias, como em outros processos de industrialização. Interditou a via clássica de passagem à modernidade, caracterizada pela incorporação dos trabalhadores à democracia liberal. No caso brasileiro, o populismo emergiu após a Revolução de 1930, com Getúlio Vargas, e ganhou feições democráticas em seu segundo governo, na década de 1950. Caracterizou-se como um Estado de bem-estar social incompleto, com programa nacionalista que estatizava alguns setores da economia e legislação trabalhista e corporativista, que organizou e concedeu direitos sociais aos trabalhadores, mas também lhes retirou a autonomia.
O
que isso tem a ver com o governo Bolsonaro? Nada! Por isso mesmo, não tem
sentido as preocupações com uma possível “guinada populista” do atual governo.
O risco é outro: a transformação de um governo bonapartista, com clara
hegemonia de um determinado grupo de militares, num governo autoritário que
confronta os demais Poderes e, de certa forma, o regime democrático no qual se
instalou e funciona. O presidente Jair Bolsonaro não esconde de ninguém que seu
espelho é o regime militar instalado após o golpe de 1964, que fará aniversário
no último dia deste mês, cujas comemorações estão sendo preparadas por seus
aliados, dentro e fora dos quartéis.
Há outros fatos ainda mais graves em relação aos impulsos autoritários de Bolsonaro, como as ações da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério da Justiça e da Polícia Federal com intuito de processar, investigar e prender oposicionistas. O uso político e abusivo desses aparatos de coerção do Estado para intimidar àqueles que criticam seu governo e sua atuação, com base numa anacrônicaLei de Segurança Nacional herdada da ditadura, é muito preocupante. Não, não se trata de uma guinada populista à vista, mas de um comportamento típico de governantes autoritários em apuros, que começam a recorrer à força do Estado para exercer o poder contra a opinião pública, sem considerar os direitos das minorias e a legitimidade do dissenso numa ordem democrática.
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