Liberdade
de expressão ganha mais uma
Guardo, emoldurada, minha ficha do Serviço Nacional de Informações, o órgão de espionagem da ditadura de 64. Tão poderoso que dos seus quadros saíram dois presidentes da República: os generais Garrastazu Médici e João Figueiredo.
Ao
rever a ficha, dei-me conta das vezes que já fui alvo da Lei de Segurança
Nacional em 54 anos de jornalismo. A primeira foi em 1968 por ter participado
do congresso da União Nacional dos Estudantes, entidade amaldiçoada pelo regime
militar.
A
segunda vez foi quando eu e mais 25 colegas, em março de 1969, fomos expulsos
da universidade por “atividades” qualificadas de “subversivas” – tais como
fazer passeatas e discursos contra a ditadura. Por um ano fomos proibidos de
estudar.
Os processos que respondi com base na famigerada lei não deram em nada. Como deu em nada o mais recente – desta vez por publicar na versão deste blog no Twitter uma charge do cartunista Aroeira sobre Bolsonaro. Ambos respondemos a inquérito.
O
inquérito foi aberto pela Polícia Federal a pedido do ministro André Mendonça,
da Justiça, e a mando do presidente da República que defendeu a tortura de
presos políticos e está pronto para celebrar, em breve, mais um aniversário do
golpe militar.
Perguntaram-me
se pretendi ofender a figura do presidente, injuriá-lo, caluniá-lo ou
difamá-lo. Respondi que não, Deus me livre. Respeito as autoridades públicas,
principalmente as eleitas, por mais que as critique, dever de todo jornalista
que se preza.
Perguntaram-me
então por que postei a charge. Respondi que ela já havia sido postada centenas
de vezes antes, alcançando merecido sucesso nas redes. A meu ver, jornalismo
serve para satisfazer os aflitos e afligir os satisfeitos – é o caso de
Bolsonaro.
Devo
satisfações ao meu patrão – o distinto público de todas as cores, credos e
ideologias. Se ele me dá as costas, perco o emprego. Já perdi algumas vezes
porque foram meus empregadores que, incomodados, me deram as costas. Fazer o
quê? Vida que segue.
O
jornalismo não é diferente de qualquer outra profissão. Cobra talento,
disciplina, paixão, suor e sorte. Mas não é igual a qualquer outra profissão. E
por causa de um detalhe crescentemente desvalorizado desde a erupção das redes
sociais: a verdade.
A
missão do jornalista é buscar a verdade ou a melhor versão dela e oferecê-la ao
público de maneira compreensível e honesta. É só para isso que serve o
jornalismo. Se servir para outras coisas, não serve ao público. E se não serve,
é um simulacro de jornalismo.
Antes
de se eleger deputado federal pela primeira vez, Miro Teixeira foi jornalista.
Como político, destacou-se por combater a ditadura com firmeza, sempre em
defesa das melhores causas. Foi ele que advogou agora a meu favor e a favor de
Aroeira.
O
despacho da procuradora da República Marina Selos Ferreira, favorável ao
arquivamento do inquérito, deu razão integral aos argumentos usados por Miro.
Depois de citar farta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ela concluiu:
“Assim,
sem descurar da compreensão de que o direito à manifestação não se reveste de
caráter absoluto, tem-se que a liberdade de expressão, concretizada através da
produção e publicação de charge devidamente contextualizada, e como fundamento
do pluralismo de ideias, deve se sobrepor a interpretações punitivistas que
buscam por meio da sanção penal intimidar ou mesmo suprimir a força do
pensamento crítico e da oposição, os quais são indispensáveis à dialética do
regime democrático”.
Mais
do que informações, o jornalismo deve transmitir entendimento. Porque é do
entendimento que deriva o Poder. Numa democracia, o Poder é dos cidadãos. E
para que funcione na sua plenitude, a democracia depende de cidadãos bem
informados.
Todas
as pessoas têm direito à própria opinião, mas não têm direito aos próprios
fatos, ensinou um senador americano. Fatos são fatos, não escolhas aleatórias.
O vírus só poderá ser vencido com vacina, é fato! A terra é plana não é fato, é
opinião de idiota.
É
fato que Bolsonaro foi eleito pela maioria dos brasileiros. Como é fato que foi
eleito por apenas 39% dos eleitores aptos a votar. Poderiam ter votado 147
milhões, e ele teve menos de 58 milhões dos votos. Não recebeu o poder para
fazer o que quiser.
O Presidente da República só pode o que a Constituição permite e o Congresso aceite. Não foi eleito para esmagar a minoria. Não pode interpretar as leis ao seu bel prazer, e muito menos valer-se delas para tentar intimidar quem quer que seja.
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