Parlamentares fizeram duras críticas, mas não tiveram coragem de figurar em lista contra a proposta que aumenta verbas públicas para programas sociais, mesmo dando vantagem eleitoral ao presidente
Por Manoel Ventura, Camila Zarur e Alice
Cravo / O Globo
BRASÍLIA - O Senado
aprovou ontem, em dois turnos, a proposta de emenda à Constituição (PEC)
Eleitoral, que institui até o fim do ano um estado de emergência no Brasil. O
objetivo é viabilizar a criação e a ampliação de uma série de benefícios
sociais a três meses das eleições.
A aprovação dessa PEC em tramitação
acelerada, segundo juristas, abre um precedente perigoso e irreversível, pois
pode permitir que qualquer pretexto seja usado tanto para driblar a lei
eleitoral como para afrontar a Constituição, criando um “vale-tudo eleitoral”.
Além disso, a medida provoca um impacto bilionário nas contas públicas.
Senadores da oposição admitem os riscos da
PEC e que ela dá um "cheque em branco" para Bolsonaro em plena
corrida eleitoral. O presidente está em segundo lugar nas pesquisas de intenção
de voto e aposta nos gastos públicos para tentar superar o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva na liderança. Mesmo assim, praticamente todos os senadores
da oposição votaram a favor da PEC.
No primeiro turno, a PEC foi aprovada por
72 votos a favor e 1 contrário. No segundo turno, por 67 votos a favor e 1
contrário. Até mesmo a senadora Simonte
Tebet (MDB-MS), pré-candidata à Presidência da República, votou a favor, apesar
de criticar o texto da PEC como feito "na coxa".
Tasso Jereissati (PSDB-CE), cotado para ser vice de Tebet, também votou a favor. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), um dos mais aguerridos oposicionistas, votou a favor no primeiro turno e ausentou-se no segundo. O único voto contra foi o do senador José Serra (PSDB-SP).
Em uma rede social, Serra justificou o
voto, afirmando que a PEC é uma bomba fiscal. “Essa PEC viola a Lei de
Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos”, escreveu.
“O pretexto foi defender quem mais precisa,
mas isso deveria ser feito de outra forma”, acrescentou.
O "pretexto" citado por Serra, a
ampliação de programas sociais, acabou funcionando como uma armadilha para a
oposição, como observaram os colunistas do GLOBO Míriam Leitão e Álvaro Gribel.
Os senadores oposicionistas preferiram ceder à decretação de um estado de emergência previsto na PEC do que figurar entre parlamentares que barraram aumento de benefícios.
— O governo está constrangendo senadores.
Quem é o senador que vai ficar contra esses benefícios num país que tem milhões
passando fome? — avaliou a advogada Juliana Vieira dos Santos, mestre em
Direito pela Harvard Law School e doutora em Teoria do Estado pela USP, em
entrevista ao GLOBO ontem, antes da votação.
Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) e por duas vezes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro
aposentado Carlos Velloso considerou a PEC "inconstitucional". Em
entrevista ao GLOBO, afirmou que a proposta é uma "afronta à
democracia" por ameaçar os princípios de isonomia nas eleições:
— É preocupante que o Legislativo
brasileiro assuma a responsabilidade, o ônus, de aprovar uma PEC que pode ter
consequências tão graves.
Impacto bilionário nas contas públicas
O texto segue agora à análise da Câmara,
onde se espera que seja votado na próxima semana. Durante a votação, o custo
das medidas subiu de R$ 38,7 bilhões para R$ 41,2 bilhões, com a inclusão de um
benefício mensal de R$ 200 para taxistas e ampliação do programa Alimenta
Brasil.
Os benefícios que somam R$ 41,2 bilhões,
aprovados só até o fim do ano e pagos fora das regras fiscais incluem aumentar
o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, além de mecanismo para zera
fila do programa, ampliação do vale-gás, que passa a ser equivalente a um
botijão de 13kg a cada dois meses, criação do vale-caminhoneiro no valor de R$
1 mil por mês, gratuidade do transporte público para maiores de 65 anos,
subsídios para o etanol, criação de benefício mensal de R$ 200 para taxistas e
ampliação do programa Alimenta Brasil.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR)
criticou a PEC, mas acabou votando a favor:
— Estamos quebrando a Lei de
Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro, o teto de gastos, a Lei Eleitoral.
Estamos quebrando muita coisa, estamos abrindo uma exceção enorme — afirmou,
acrescentando que não tinha como ser contra, pois se sentiria um “monstro” por
votar contra medida que auxilia quem tem fome.
Senadores da oposição até tentaram tirar do
texto a instituição de um estado de emergência para driblar a lei eleitoral,
mas não conseguiram. E mesmo assim votaram a favor. Não faltaram discursos
críticos ao governo, mas votos contra.
— Estado de emergência é coisa muito séria
para ficar se decretando a cada momento. Porém, isso não pode pesar mais que os
benefícios. Mas usar estado de emergência é intolerável — disse Jean Paul
Prates (PT-RN), outro que votou a favor sem concordar com o texto.
A legislação atual proíbe concessão e
criação de benefícios no ano do pleito, exceto em casos de calamidade ou
emergência. O objetivo é evitar que governantes abram o caixa antes da eleição
em busca de voto. Para contornar a lei, o texto prevê o estado de emergência
relacionado ao preço dos combustíveis. Para juristas, trata-se de ação
inconstitucional.
Zenaide Maia (PROS-RN) afirmou estar
consciente dos equívocos da PEC, mas também votou contra sob o argumento de que
não poderia impedir ampliação de benefícios em meio à crise que afeta os mais
pobres:
— É claro que nós votamos a favor da PEC,
porque quem tem fome, tem pressa. Essa PEC é uma maneira de burlar a lei
eleitoral.
Apesar de a PEC ser patrocinada pelo
governo, a autoria formal do texto é de parlamentares. Fernando Bezerra Coelho
(MDB-PE) foi o relator. Bolsonaro comemorou a aprovação da medida com a ajuda
da oposição:
— Auxílio Brasil vai de R$ 400 para R$ 600,
tem o auxílio-caminhoneiro de R$ 1 mil. Sei que é pouco, sei que caminhoneiro
gasta bastante combustível, mas é uma ajuda que nós estamos dando aqui, e vamos
dobrar também o valor do vale-gás. E vem mais coisa sobre redução de impostos
de combustíveis nesta PEC.
Durante a discussão, o governo aceitou incluir benefício mensal de R$ 200 mensais para taxistas, limitado a R$ 2 bilhões. Os motoristas de aplicativo não serão beneficiados. Bezerra disse que as medidas serão pagas com receitas extraordinárias, como a privatização da Eletrobras e dividendos de estatais (Petrobras e bancos públicos).
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