Custo de pacote cresce para R$ 41,25 bi; texto institui estado de emergência
Renato Machado, Idiana Tomazelli / Folha de
S. Paulo
BRASÍLIA - O Senado aprovou
nesta quinta-feira (30) a PEC (proposta de emenda à Constituição) que institui
um estado de emergência para permitir que o presidente Jair
Bolsonaro (PL) fure o teto de gastos e abra os cofres públicos a pouco
mais de três meses das eleições.
O texto dá aval ao governo para turbinar
programas sociais até o fim do ano sem esbarrar em restrições da lei eleitoral,
que existem para evitar o uso da máquina pública em favor de algum candidato.
Bolsonaro ocupa
o segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
As medidas terão um custo total de R$ 41,25
bilhões —valor maior que os
R$ 38,75 bilhões acertados na véspera, em mais um movimento de aumento da
fatura. Quando as medidas para atacar a alta de combustíveis começaram a ser
discutidas, o gasto extra era projetado em R$ 29,6 bilhões.
A PEC prevê a ampliação temporária do Auxílio
Brasil em R$ 200, levando o benefício mínimo a R$ 600 até o fim do
ano. O texto também autoriza o governo a zerar
a fila do Auxílio Brasil, criar um auxílio para caminhoneiros autônomos e
dobrar o valor do Auxílio Gás.
De última hora, as lideranças do governo
fecharam um acordo para incluir um benefício de R$ 2 bilhões a taxistas e
ampliar em R$ 500 milhões os recursos para o programa Alimenta Brasil, que
financia a aquisição de alimentos para doação a famílias carentes.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente da República, reconheceu que a ampliação da fatura enfrentou oposição do Ministério da Economia. "O presidente Bolsonaro teve que entrar no circuito por uma certa resistência da parte da Economia", disse durante a sessão.
Técnicos da área econômica acompanharam a
votação com apreensão diante do aumento no tamanho do cheque.
A proposta foi aprovada em primeiro turno
por 72 votos a favor, inclusive da oposição, e apenas 1 contrário, do senador
José Serra (PSDB-SP). No segundo turno, foram 67 votos a 1. Eram necessários 49
votos favoráveis nas duas rodadas de apreciação. A PEC agora segue para a Câmara
dos Deputados.
"Hoje, fui o único senador a votar
contra a PEC 16, aprovada em conjunto com a PEC 1/22, apelidada de PEC
Kamikaze. Por esse nome já sabemos que se trata de uma bomba fiscal. Essa PEC
viola a Lei de Responsabilidade Fiscal e fura o teto de gastos", afirmou
Serra em uma postagem no Twitter.
A PEC recebeu duras críticas por conter o
polêmico estado de emergência. A justificativa do governo instituir esse
dispositivo em ano eleitoral é a Guerra da Ucrânia —deflagrada no fim de
fevereiro— e seu impacto nos preços de combustíveis.
Parlamentares temem que a proposta abra um
precedente perigoso e ressaltaram o caráter eleitoreiro da medida, além do
risco de dar um cheque em branco a Bolsonaro. Ainda assim, o voto contrário
seria politicamente difícil de explicar para as suas bases. Por isso, mesmo
senadores contrários votaram a favor argumentando a necessidade de atender a
população mais carente.
O senador Confúcio Moura (MDB-RO) foi um
dos que anunciou o voto favorável à medida, embora critique as condições do
texto articulado pelo governo. "É claro que vamos votar ‘sim’, mas é
doloroso. É doloroso pela forma como está sendo apresentado. As finalidades são
ótimas, mas a forma, o momento e a inoportunidade são visíveis", afirmou.
A inclusão do estado
de emergência para possibilitar o pagamento dos benefícios sem riscos
à campanha de Bolsonaro foi antecipada pela Folha. A medida tem sido
encarada como um drible nas vedações da lei eleitoral.
A legislação proíbe a implementação de
novos benefícios no ano de realização das eleições. As únicas exceções são
programas já em execução ou quando há calamidade pública ou estado de
emergência.
O senador Fernando Bezerra (MDB-PE),
relator da PEC, argumentou que o estado de emergência valeria apenas para os
benefícios previstos na proposta, rechaçando a crítica de que o texto daria um
cheque em branco. Ele fez uma defesa a distância da proposta, pois votou de
forma remota —ele viajou a seu estado, Pernambuco.
Na quarta-feira (29), o presidente do
Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), também buscou afastar as resistências à medida.
"Não considero precedente perigoso,
porque cabe a um Senado ter responsabilidade em relação ao teto de gastos
públicos e a responsabilidade fiscal, e nós temos essa responsabilidade. O que
nós não podemos desconsiderar é que vivemos recentemente dois momentos muito
atípicos: o momento da pandemia, que durou dois anos ou mais e que exigiu
medidas excepcionais inclusive fora do teto, como foi o Auxílio
Emergencial", afirmou Pacheco.
Alguns senadores, no entanto, questionaram
o fato de o texto blindar as medidas no âmbito do estado de emergência contra
"qualquer vedação ou restrição prevista em norma de qualquer
natureza". Opositores viram nesse trecho uma carta branca para Bolsonaro
agir de olho em sua reeleição, lançando mão de novos programas e gastos a
poucos meses do pleito.
Bezerra inicialmente resistiu a mudar o
texto, mas acabou cedendo e retirando o dispositivo mais polêmico. O relator
também acatou pedido da oposição para incluir no texto uma vedação expressao ao
uso dos recursos do Auxílio Brasil e do Auxílio Gás para propaganda
institucional.
A proposta aprovada pelos senadores é
diferente dos planos iniciais do governo Bolsonaro, que
pretendia usar recursos bilionários para segurar a alta dos preços dos
combustíveis.
A PEC original, apresentada pelo líder do
governo Carlos Portinho (PL-RJ), previa a compensação de até R$ 29,6 bilhões
para estados que optassem por zerar as alíquotas de tributos sobre diesel e
gás. Como a adesão seria opcional, o governo passou a temer que o efeito fosse
inócuo.
Por isso, governo e Congresso decidiram dar
uma guinada e abandonar
a compensação, usando os recursos para turbinar benefícios sociais e criar o
auxílio a caminhoneiros.
Bezerra preferiu inclusive deixar em
segundo plano o texto apresentado pelo líder do governo e inseriu as mudanças
na PEC que havia sido apelidada pelo Ministério da Economia de Kamikaze, por
prever medidas que teriam impacto superior a R$ 100 bilhões.
A maior parte dos mecanismos da PEC
Kamikaze, no entanto, foi alterada.
"Apesar de o objetivo das duas PECs
ser similar, a PEC nº 1, de 2022, sugere instrumentos mais adequados para
tratar dos impactos das altas dos combustíveis ao propor medidas mais focadas,
como o auxílio ao caminhoneiro, ampliação do programa Auxílio Gás para os brasileiros
e transferência para estados e municípios subsidiarem seus sistemas de
transportes públicos", afirmou Bezerra.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse,
durante sua live de quinta-feira, que a aprovação da PEC irá ajudar
caminhoneiros, apesar de avaliar que o valor é pequeno.
Nos últimos dias, o preço
do diesel ultrapassou o da gasolina e do etanol em diversos postos do país,
algo inédito segundo o Sincopetro (sindicato representante dos postos). O
aumento deixou a categoria, parte importante da base eleitoral do presidente,
insatisfeita.
"O Senado está votando nesse momento
uma Proposta de Emenda à Constituição. Em comum acordo o governo federal,
senadores e deputados, a grande maioria. Foi aprovado o primeiro turno, são
dois turnos. O Auxílio Brasil vai de R$ 400 para R$ 600. Tem o auxílio
caminhoneiro de R$ 1.000, sei que é pouco, sei que o caminhoneiro gasta
bastante combustível, mas é uma ajuda que a gente está dando aqui. E vamos
dobrar também o valor do vale-gás",disse.
AS MEDIDAS E OS RISCOS
As medidas contra o impacto
da alta dos combustíveis
Ampliar o piso do Auxílio Brasil de R$ 400
para R$ 600 até o fim do ano; 18,15 milhões de famílias já estão hoje no
programa
Zerar a fila de espera do Auxílio Brasil;
governo prevê que pode elevar público contemplado a 19,8 milhões de famílias
Ampliar o Auxílio Gás a R$ 120, pagos a
cada bimestre; em junho, 5,7 milhões de famílias receberam R$ 53, equivalente a
50% do preço médio do botijão de 13 kg
Criar um auxílio de R$ 1.000 para
caminhoneiros autônomos
Autorizar repasse de R$ 2,5 bilhões para
bancar gratuidade de idosos no transporte público urbano
Autorizar até R$ 3,8 bilhões em subsídios
ao etanol
Criar um auxílio para taxistas, até o
limite de R$ 2 bilhões
Autorizar um repasse extra de R$ 500
milhões para o programa Alimenta Brasil, que financia a aquisição de alimentos
de agricultores familiares para doação a pessoas carentes
Quais são os riscos
eleitorais?
A lei eleitoral proíbe a implementação de
novos benefícios no ano de realização das eleições, para evitar o uso da
máquina pública em favor de um dos candidatos. As únicas exceções são programas
já em execução ou quando há calamidade pública ou estado de emergência.
Qual é a solução do governo?
Instituir um estado de emergência, regulamentado via PEC, permitindo a criação do novo benefício a caminhoneiros e a ampliação dos benefícios já existentes, mesmo sendo ano eleitoral.
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