DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Jerry Dávila, historiador especializado em Brasil*
Roberto Simon
Em nome do elo "Sul-Sul", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é, de longe, o líder brasileiro que mais países africanos visitou - 25 de 53, ao todo. Mas para Jerry Dávila, historiador da Universidade da Carolina do Norte e especialista na relação Brasil-África, esse esforço de aproximação está longe de ser inédito. Na retórica de Lula, existiriam ecos de dois momentos históricos do Itamaraty: a "política externa independente", iniciada por Jânio Quadros, e o "pragmatismo responsável", de Ernesto Geisel.
"Em ascensão, o Brasil vê novamente a África como um lugar onde pode exercer sua influência, impulsionado por uma afinidade cultural e racial", diz ao Estado Dávila, que lançará esta semana nos EUA um dos primeiros estudos amplos sobre a diplomacia do Brasil para a África, intitulado Hotel Trópico: Brazil and the challenge of African decolonization (Hotel Trópico: Brasil e o desafio da descolonização na África). O livro sai no Brasil em 2011 pela editora Paz e Terra.
O sr. diz que essa "nova" política Sul-Sul do Brasil para a África tem raízes visíveis em governos anteriores - sobretudo de Jânio e Geisel. Por quê?
O teor e a linguagem da abertura de Lula na África são legados diretos das políticas de Jânio e Geisel. A aproximação atual é notável, mas faz parte de um ciclo que oscila entre o estreitamento com EUA e a Europa Ocidental, e momentos de abertura para países em desenvolvimento, numa procura por maior "autonomia".
A própria cultura do Itamaraty evoluiu por meio desse movimento pendular: foram jovens diplomatas da era janista que tomaram a liderança na articulação da política externa chamada de "pragmatismo responsável" de Geisel - como o ex-chanceler Mário Gibson Barbosa. E, agora, jovens diplomatas da época Geisel, como Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, conduzem o barco.
A imagem que a diplomacia brasileira tem da África também foi "herdada" desses governos?
A percepção de uma África imaginária, como um lugar onde o Brasil pode exercer sua influência, impulsionado por uma afinidade racial, ainda é forte no Itamaraty. Aos olhos da diplomacia brasileira, países africanos - diferentemente dos latino-americanos - seriam uma nova fronteira, cujas potencialidades seguem quase inexploradas.
Em seu livro, o sr. defende que a política para a África, em sua "idade de ouro", apoiava-se em três preceitos. Primeiro, que a ascensão do Brasil era inevitável. Segundo, que a África, recém-libertada do jugo colonial, era um lugar ideal para exercer a influência brasileira. Terceiro, que o fato de o Brasil ser uma "democracia racial", como teorizado por Gilberto Freyre, criava uma afinidade especial entre africanos e diplomatas brasileiros - mesmo que entre estes praticamente inexistissem negros. É isso?
Sim. Diplomatas brasileiros nem percebiam a contradição que você aponta por um motivo importante: no contexto, presumiam que a mestiçagem ente africanos e europeus no Brasil foi um processo tanto cultural quanto biológico - essa é uma das lições fundamentais de Freyre.
Jerry Dávila, historiador especializado em Brasil*
Roberto Simon
Em nome do elo "Sul-Sul", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é, de longe, o líder brasileiro que mais países africanos visitou - 25 de 53, ao todo. Mas para Jerry Dávila, historiador da Universidade da Carolina do Norte e especialista na relação Brasil-África, esse esforço de aproximação está longe de ser inédito. Na retórica de Lula, existiriam ecos de dois momentos históricos do Itamaraty: a "política externa independente", iniciada por Jânio Quadros, e o "pragmatismo responsável", de Ernesto Geisel.
"Em ascensão, o Brasil vê novamente a África como um lugar onde pode exercer sua influência, impulsionado por uma afinidade cultural e racial", diz ao Estado Dávila, que lançará esta semana nos EUA um dos primeiros estudos amplos sobre a diplomacia do Brasil para a África, intitulado Hotel Trópico: Brazil and the challenge of African decolonization (Hotel Trópico: Brasil e o desafio da descolonização na África). O livro sai no Brasil em 2011 pela editora Paz e Terra.
O sr. diz que essa "nova" política Sul-Sul do Brasil para a África tem raízes visíveis em governos anteriores - sobretudo de Jânio e Geisel. Por quê?
O teor e a linguagem da abertura de Lula na África são legados diretos das políticas de Jânio e Geisel. A aproximação atual é notável, mas faz parte de um ciclo que oscila entre o estreitamento com EUA e a Europa Ocidental, e momentos de abertura para países em desenvolvimento, numa procura por maior "autonomia".
A própria cultura do Itamaraty evoluiu por meio desse movimento pendular: foram jovens diplomatas da era janista que tomaram a liderança na articulação da política externa chamada de "pragmatismo responsável" de Geisel - como o ex-chanceler Mário Gibson Barbosa. E, agora, jovens diplomatas da época Geisel, como Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães, conduzem o barco.
A imagem que a diplomacia brasileira tem da África também foi "herdada" desses governos?
A percepção de uma África imaginária, como um lugar onde o Brasil pode exercer sua influência, impulsionado por uma afinidade racial, ainda é forte no Itamaraty. Aos olhos da diplomacia brasileira, países africanos - diferentemente dos latino-americanos - seriam uma nova fronteira, cujas potencialidades seguem quase inexploradas.
Em seu livro, o sr. defende que a política para a África, em sua "idade de ouro", apoiava-se em três preceitos. Primeiro, que a ascensão do Brasil era inevitável. Segundo, que a África, recém-libertada do jugo colonial, era um lugar ideal para exercer a influência brasileira. Terceiro, que o fato de o Brasil ser uma "democracia racial", como teorizado por Gilberto Freyre, criava uma afinidade especial entre africanos e diplomatas brasileiros - mesmo que entre estes praticamente inexistissem negros. É isso?
Sim. Diplomatas brasileiros nem percebiam a contradição que você aponta por um motivo importante: no contexto, presumiam que a mestiçagem ente africanos e europeus no Brasil foi um processo tanto cultural quanto biológico - essa é uma das lições fundamentais de Freyre.
Com essa miscigenação cultural, acreditavam e projetavam a ideia de que o Brasil era uma democracia racial - um país de "africanos de todas as cores", como dizia uma propaganda do Itamaraty na Costa do Marfim, nos anos 70. Para esses diplomatas, a cor da pele importava menos do que a atitude de ser miscigenado.
Mas é claro que interlocutores africanos notavam a cor da pele. Em horas de tensão, especialmente sobre a questão da descolonização nos territórios portugueses, quando o Brasil geralmente apoiou Portugal, africanos "desmascaravam" os brasileiros.
Esse "tripé" ainda existe? O sr. aponta que Fernando Henrique Cardoso e Lula, embora brancos, reivindicaram uma herança simbólica negra.
Para o estrangeiro, a elasticidade e multiplicidade de identidades da cultura brasileira é fascinante. Um brasileiro se define como africano, português ou japonês segundo o contexto.
Esse "tripé" ainda existe? O sr. aponta que Fernando Henrique Cardoso e Lula, embora brancos, reivindicaram uma herança simbólica negra.
Para o estrangeiro, a elasticidade e multiplicidade de identidades da cultura brasileira é fascinante. Um brasileiro se define como africano, português ou japonês segundo o contexto.
Essa elasticidade serve como uma base de articulação poderosa: seleciona-se essas identidades de maneira estratégica. Por exemplo, quando FHC disse ter "um pé na cozinha", ao abrir um discurso sobre a desigualdade racial, estava ao lado do presidente sul-africano Thabo Mbeki.
Acho também muito interessante quando Lula diz ser "o primeiro presidente negro do Brasil".
Diz algo sobre a relação entre raça e classe social.
Por que o projeto de aproximação Brasil-África fracassou?
Encalhou na crise econômica dos anos 80, que abalou tanto a América Latina quanto a África. O intercâmbio comercial com países africanos culminou em 1984, quando 8% das exportações brasileiras foram consumidas na África. Mas não era uma presença com base segura. Deste lado do Atlântico, dependia de uma imensa intervenção do governo, que foi insustentável - por exemplo, a tentativa da Petrobrás de vender eletrodomésticos de companhias brasileiras sob a marca Tama, na Nigéria.
PONTOS-CHAVE
Lusotropicalismo
A convite de Lisboa, Gilberto Freyre faz em 1950 visita às colônias portuguesas na África, onde vê uma "bastante avançada democracia étnica e social". Freyre advogará, no Brasil, o colonialismo de Portugal
Diplomacia "independente"
Jânio Quadros promete em 1961 romper apoio a Portugal e apoiar a descolonização. Abre 3 embaixadas na África e nomeia 1º embaixador negro do País, Souza Dantas
Pragmatismo e recuo
Geisel aproxima-se de africanos e Brasil é 1º país a reconhecer independência de Angola. Nos anos 80, crise econômica inviabiliza relação
A convite de Lisboa, Gilberto Freyre faz em 1950 visita às colônias portuguesas na África, onde vê uma "bastante avançada democracia étnica e social". Freyre advogará, no Brasil, o colonialismo de Portugal
Diplomacia "independente"
Jânio Quadros promete em 1961 romper apoio a Portugal e apoiar a descolonização. Abre 3 embaixadas na África e nomeia 1º embaixador negro do País, Souza Dantas
Pragmatismo e recuo
Geisel aproxima-se de africanos e Brasil é 1º país a reconhecer independência de Angola. Nos anos 80, crise econômica inviabiliza relação
QUEM É
Brasilianista, professor da Universidade da Carolina do Norte, foi orientador do renomado historiador Thomas Skidmore. Especializou-se na questão racial e na política externa do Brasil. Lencionou na USP e na PUC-Rio.
(Publicado ontem, 25/7/2010)
(Publicado ontem, 25/7/2010)
Um comentário:
Através da CPLP o Brasil engatinha em suasiniciativas de integração técnica com Angola principalmente, onde se instalam escritórios jurídicos do Brasil.O governo brasileiro atua como mediador de investimentos privados das grandes inústrias de capital misto do setor de mineração enquanto a China através de investimentos de bancos estatais como ABCChina.
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