Dilma Rousseff escolheu um bom momento para mudar o rendimento da poupança e remover o grande entrave à queda da taxa Selic. Produção industrial em queda, exportações idem, o PIB perdendo força e o pesadelo de desaquecimento econômico presente - o cenário de curto prazo abre espaço para a mudança sem maiores ameaças à inflação. O impacto político negativo em milhões de pequenos poupadores ela tratou de neutralizar cooptando políticos dos partidos aliados, sindicalistas e empresários industriais, especialmente convidados a conhecer a nova poupança antes do público em geral.
Só que faltou convidar os atores principais - o pequeno investidor, que há mais de um século confia na poupança e tem agora sua confiança abalada; e os banqueiros, que nos próximos dias lidarão diretamente com um público perdido e assustado. A eles caberá explicar a mudança e indicar esta e outras opções de investimento. Por mais que governo e bancos tenham um interesse comum - não permitir a fuga de aplicadores dos fundos de títulos públicos para a poupança -, o inverso interessa mais ao governo e menos aos bancos. Afinal, se nos próximos dias houver fuga da poupança para outras aplicações, com que dinheiro o governo vai continuar financiando a compra da casa própria?
Mas, como é tentador o interesse político de eleger o banqueiro como inimigo n.º 1 do eleitor, Dilma prefere afastá-lo a buscar nele um parceiro essencial na comunicação com o poupador nesta hora. Aliás, se saiu da cabeça do marqueteiro João Santana a ideia do agressivo discurso contra banqueiros no 1.º de Maio, quando ela os chamou de perversos, Dilma precisa reavaliar melhor palavras que abalem sua imagem de seriedade, o que a diferencia (para melhor) do antecessor. Não lhe cai bem vestir o modelito de populista, à Cristina Kirchner.
É verdade que o desaquecimento da economia abre espaço para introduzir a nova poupança e seguir abatendo a Selic sem ameaçar a inflação no curto prazo. Mas o Banco Central (BC) precisa ficar atento para o momento em que a queda dos juros impulsionar a produção industrial, a renda e o consumo em dosagens que realimentem o reajuste de preços. Não se trata de torcida contra de economistas do mercado financeiro (às vezes acontece). No médio e no longo prazos, juros artificialmente baixos aceleram a atividade econômica - o que é bom - e geram efeitos indesejados de alta dos preços - o que é ruim.
A dose de equilíbrio é dada pelo BC ao decidir a taxa Selic. Mas no BC de Alexandre Tombini o sistema de metas de inflação ficou raquítico e a dose do juro é dada por uma presidente obcecada pela ideia de crescimento. Quem não quer prosperidade econômica? O que ninguém quer é inflação de volta. Então não há saída? Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come? A saída é definir um rumo, afastar entraves ao crescimento continuado e seguro, fazer reformas modernizantes, dar seguimento a um programa de governo de verdade, com prioridades e metas para o curto, o médio e o longo prazos. Isso faz enorme diferença e falta ao governo Dilma.
Aos políticos, sindicalistas e empresários com quem se reuniu na quinta-feira, ela demarcou sua meta: baixar os juros, ajustar o câmbio e reduzir impostos. "Essa é a nossa agenda e não se faz do dia para a noite", avisou. Uma agenda muito pouco ambiciosa para um país com milhões de analfabetos funcionais; a maioria dos trabalhadores com só seis ou sete anos de estudo; onde mais da metade da população não dispõe de esgoto e água limpa; hospitais públicos são insuficientes, precários, sujos e desaparelhados; onde faltam investimentos em infraestrutura e as obras do PAC paralisam, contaminadas pelo desvio de dinheiro público; um país onde a democracia tropeça em instituições frágeis e num sistema político-eleitoral corrupto e em decomposição.
Reduzir impostos depende da disposição do governo de conter seus gastos, o câmbio segue os caminhos da economia no resto do mundo e os juros, ah os juros... Infelizmente, presidente, precisa de muito mais do que demonizar banqueiros.
Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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