Mesmo com a investida dos bancos oficiais na redução das taxas para baratear empréstimos, resultados têm sido inexpressivos
Márcia de Chiara
A investida recente do governo de usar os bancos oficiais, Caixa e Banco do Brasil, para desencadear um movimento de corte nos juros ao consumidor e provocar migração de clientes entre instituições financeiras, na expectativa de trocar uma dívida cara por outra mais barata, teve até agora pouco resultado prático.
"O crédito continua muito travado. Não sentimos os efeitos do corte nos juros. O discurso é mais bonito do que a prática", afirma Jorge Letra, copresidente da Dicico, rede de 55 lojas de materiais de construção.
Ele tem fortes argumentos para avaliar a falta de impacto do corte dos juros dos bancos oficiais nas vendas. É que a sua rede tem um cartão próprio compartilhado com o Banco do Brasil. Além disso, o Construcard, o cartão da Caixa usado para parcelar a compra de material de construção, é um importante instrumento de financiamento das vendas.
"No cartão da Dicico, a restrição do crédito continua a mesma dos últimos meses", diz Letra. E o corte dos juros não aconteceu, relata o executivo. Tanto é que, para driblar a falta de crédito, as vendas por ocasião do Mega Feirão, que a empresa realiza desde quinta-feira e vai até quarta-feira, poderão ser parceladas em dez vezes sem juros em todos os cartões de crédito. "Estamos dando o crédito por conta própria."
Também os dados de consultas para vendas a prazo da Associação Comercial de São Paulo indicam que o ritmo do varejo continua moderado, com alta de 3,1% nas consultas para o crediário em abril, na comparação com o mesmo mês de 2011.
Pelo lado da migração dos clientes com dívidas com o sistema financeiro, os resultados foram inexpressivos. Números do Banco Central (BC) mostram que em abril foram realizadas 27.128 operações de portabilidade, isto é, clientes transferindo a dívida de um banco para outro. As cifras transferidas no mês entre as instituições financeiras foram de R$ 208,8 milhões. O número de operações de portabilidade em abril foi 17,3% menor do que em março e 5% abaixo de abril do ano passado. Em valores monetários, as quedas foram de 21,3% e de 0,28%, respectivamente, nas mesmas bases de comparação.
Eficácia. O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, aponta os fatores que, na sua avaliação, impedem que o afrouxamento da política monetária surta o efeito desejado para acelerar o consumo e, na sequência, a produção da indústria.
Do lado consumidor, ele aponta o elevado comprometimento da renda disponível com o pagamento de dívidas, que hoje está em 22%, o maior nível desde 2005, segundo dados do BC. Em países como os Estados Unidos, esse índice está em 15%. Do lado dos bancos, a inadimplência está elevada, especialmente nos financiamentos de veículos, o que não permite o afrouxamento do dos critérios de concessão. "Não tem mais o oba-oba do crédito tanto da parte da demanda quanto da oferta", diz Borges.
Para complicar o cenário do enfraquecimento da demanda doméstica e, por tabela, da produção industrial, o economista destaca a queda de 27,1% das exportações para a Argentina em abril de 2012 ante 2011. O país é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil e compra principalmente manufaturados.
Caixa e BB detêm só 20% do crédito
O Banco do Brasil e a Caixa respondem por cerca de 20% do volume total de crédito destinado a pessoas físicas e jurídicas. "Sozinhos os bancos oficiais não dão conta de fazer o crédito decolar", afirma o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges. E, nos bancos privados, ele diz que a redução de juros está vinculada a contrapartidas.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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