Folha de S. Paulo
O descompromisso com a franqueza das
atitudes é próprio do político profissional, e uma das suas diferenças
essenciais para o militante de ideias que está na política. Mas a aplicação de
vícios do profissional a circunstâncias de alta gravidade, como é o atual
ataque à ação legítima do Judiciário, alia-se ao intuito antidemocrático e até
o estimula. É o que estão mostrando os presidentes do Senado e da Câmara, com o
presidente do Supremo como coadjuvante.
A lenga-lenga da construção de harmonia
entre os Três Poderes, fantasiada pelos três e por um profissional da
politicagem, não é mais do que farsa. Movida a palavrório de lugares-comuns e
reuniões para mais entrevistas, resulta em serviço à crescente agitação de
Bolsonaro contra as defesas da democracia.
O senador Rodrigo Pacheco, o deputado
Arthur Lira, o ministro Luiz Fux e o camaleônico Ciro Nogueira sabem
como poucos, de seus postos privilegiados, que Bolsonaro busca a desarmonia,
precisa dela como
plano de ação e de salvação. Sabem que suas propostas de encontros
pacificadores serão respondidas por Bolsonaro, como foram todas até aqui, por
imediata saraivada de ameaças aos tribunais superiores e a magistrados.
A insistência na harmonia impossível proporciona a Bolsonaro repetidas oportunidades de mais incitar o bolsonarismo. O estúpido pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, foi feito por Bolsonaro em seguida a Luiz Fux dispor-se a "reavaliar" o cancelamento de um "encontro pacificador dos presidentes". Quem cancelou, de fato, foi Bolsonaro horas depois de um "diálogo e acordo" com Fux.
Rodrigo
Pacheco, eleito com ajuda de Bolsonaro e que age como bolsonarista
enrustido, aproveitou depressa o mais recente pretexto de reunião dos Três
Poderes e, como interessava a Bolsonaro, abriu caminho no Senado à sabatina de
recondução de Augusto Aras como procurador-geral da República. Imoralidade puxa
imoralidade. O personagem patético Augusto Aras e quem apoie sua permanência
são indignidades iguais.
Em outro plano da mesma área, a formação
exibida por Bolsonaro, Pazuello e tantos outros deveria evitar novos espantos
com a espécie. É impossível. Portador de constelações nos ombros, mais
condecorações que os heróis de várias guerras americanas, o general Braga Netto
diz que não houve ditadura no Brasil. Só se pode concluir que o ministro da
Defesa não sabe o que é
ditadura.
Então o espanto redobra. Quem não sabe o
que é ditadura, não sabe o que é democracia. Logo, pende para o mais
conveniente à sua formação. E muito se explica ou se confirma aos nossos olhos
cansados das constelações e ouvidos ofendidos pelos canhonaços verbais.
Espantos não precisam ser grandes. Fernando
Henrique o provou sempre. Houve agora quem tivesse um certo espanto com sua
informação: não só apoia João Doria para a Presidência, acha mesmo que
"ele representa o futuro".
Esse espanto é de má vontade. A visão que
Fernando Henrique tem da Presidência está exposta em atos e palavras. Estava
até renovada no lançamento, que fez, de um animador de auditório para presidente
da República. O moço foi mais sensato, preferiu suceder Faustão na Globo a ser
sucedâneo de Fernando Henrique no Planalto.
HISTÓRICA
A descrença em resultados ronda a
CPI da Covid, por presumida perda de eficácia nas investigações. Há
outra maneira de entender seus dias atuais.
A investida de Bolsonaro contra o Supremo,
as ações de ministros do Judiciário sobre atitudes de Bolsonaro e mesmo o
desastre americano no Afeganistão invadiram áreas do noticiário que a CPI
ocupava. Além disso, à medida em que vão completando investigações e
descobertas, as CPIs esmorecem a atração e a repercussão.
O serviço já prestado pela CPI é irredutível, inclusive por seu pioneirismo institucional no enfrentamento ao autoritarismo genocida e corrupto. Resultados judiciais e institucionais cabem a outras instâncias. Foi pela CPI que se soube haver intenção na causa da morte prematura e sofrida de centenas de milhares dos pais e filhos, avós e irmãos, amigos e gente em geral deste país. Esse feito da CPI, e dos que a empurraram, já bastaria para justificá-la. A CPI que o presidente do Senado precisou ser arrastado pela ministra Cármen Lúcia, em nome do Supremo, para instalá-la.
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