DEU EM O GLOBO
Neste primeiro sábado de 2011, não estamos vivendo, com a posse de Dilma Rousseff em Brasília, apenas mais uma sucessão presidencial. Se pensarmos bem sobre nossa história recente, podemos concluir que também estamos assistindo ao encerramento de uma etapa na vida de nossa jovem democracia republicana. E, portanto, à possível passagem a um novo período de seu desenvolvimento.
Por mais que eventualmente concordemos com suas ideias e que devamos muito justamente respeitar seu sacrifício (a morte é um argumento muito forte), não foram os militantes da luta armada que derrubaram a ditadura militar que nos governou por mais de 20 anos, não foram eles que provocaram a democratização do país. Quem o fez foi a articulação, nem sempre explícita (notem que não usei a palavra aliança), entre democratas conservadores, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro ou Teotônio Vilella, e a vanguarda sindicalista do ABC de São Paulo liderada, em sua luta estritamente legalista, por Lula.
No momento final da democratização, a partir da campanha das diretas-já, foi-se juntando a esses um terceiro elemento decisivo, formado por lideranças militares e civis do regime moribundo que, mais moderadas, perceberam a inevitabilidade da passagem à democracia formal e garantiram seu caráter pacífico.
Tudo isso teve um preço de conveniências que foi pago nessa primeira etapa de consolidação democrática que se encerra hoje, quando praticamente todas as forças envolvidas naquela articulação tiveram, de um modo ou de outro, participação nos governos sucessivos de Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e do próprio Lula. Reparem bem onde estavam cada um desses nomes e seus aliados, no processo político de distensão que vai, mais ou menos, de 1974 a 1985.
Dilma Rousseff é a primeira presidente do Brasil moderno que não tem nada a ver com isso. É verdade que ela participou da luta armada, no início dos anos 1970, com pouco mais de 20 anos de idade, uma jovem universitária sem ligações com o mundo politico profissional. Mas sua formação pública, suas relações com o poder, sua aproximação com o estado e sua administração, seu conhecimento da pólis, só se dá depois do fim da ditadura, já no novo regime democrático. Dilma é portanto uma tecnocrata formada na jovem democracia brasileira, que não tem a memória e os compromissos do passado histórico a lhe pesar sobre os ombros. Algo de novo, no estilo e no caráter da presidência, há de surgir dessa novidade.
Paradoxalmente, também não creio que esteja se encerrando hoje a "Era Lula". Seu triunfo nos oito anos de governo, a popularidade com que deixa o cargo, a dependência que seu partido tem dele, seu próprio encanto pela vida pública, nada disso permitirá que ele seja esquecido ou que se afaste do palco político. Mesmo porque tenho até a impressão de que, quando esfriarem as paixões, vamos todos, governistas ou oposicionistas, sentir certa falta dele, alguma saudade do que representa, seja qual for o desempenho de sua sucessora.
Antes de Lula, só Getúlio Vargas lançou sua sombra com tal intensidade sobre tão longo período político. Os outros dois presidentes igualmente bem-sucedidos em nossa história republicana recente, Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso, não tiveram a mesma oportunidade. O primeiro porque foi sucedido por um demagogo irresponsável que nos levou, logo depois, à ditadura militar que a tudo silenciou. O segundo, por sua ausência de vocação para a devoção popular e por um total, incompreensível e covarde abandono de seu próprio partido.
É impossível prever de que modo a "Era Lula" vai seguir em frente, isso vai depender do comportamento de seu titular e do sucesso de sua sucessora. Tomara que o agora ex-presidente se conscientize de sua importância simbólica (FHC ainda não entendeu direito esse seu papel, por causa de sua justa angústia de reconhecimento, pela qual seu partido é o principal responsável), torço para que Lula não ceda à volúpia da eminência parda, atuando implícita ou explicitamente em cada decisão. Napoleão Bonaparte dizia que, na guerra, um general ruim é melhor do que dois bons.
Estamos começando a entrar num período em que nossa democracia não vai mais depender dos compromissos do passado, garantidos pelas forças políticas de "antigamente". A partir de hoje, estamos prontos para depender apenas do presente e entender esse momento como uma passagem à maturidade, o fim da adolescência de nossa democracia. Uma passagem que pode ser ilustrada pelo texto de Santo Agostinho: "A verdadeira liberdade não consiste em fazer o que se tem vontade, mas fazer o que se deve porque se tem vontade."
Neste primeiro sábado de 2011, não estamos vivendo, com a posse de Dilma Rousseff em Brasília, apenas mais uma sucessão presidencial. Se pensarmos bem sobre nossa história recente, podemos concluir que também estamos assistindo ao encerramento de uma etapa na vida de nossa jovem democracia republicana. E, portanto, à possível passagem a um novo período de seu desenvolvimento.
Por mais que eventualmente concordemos com suas ideias e que devamos muito justamente respeitar seu sacrifício (a morte é um argumento muito forte), não foram os militantes da luta armada que derrubaram a ditadura militar que nos governou por mais de 20 anos, não foram eles que provocaram a democratização do país. Quem o fez foi a articulação, nem sempre explícita (notem que não usei a palavra aliança), entre democratas conservadores, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro ou Teotônio Vilella, e a vanguarda sindicalista do ABC de São Paulo liderada, em sua luta estritamente legalista, por Lula.
No momento final da democratização, a partir da campanha das diretas-já, foi-se juntando a esses um terceiro elemento decisivo, formado por lideranças militares e civis do regime moribundo que, mais moderadas, perceberam a inevitabilidade da passagem à democracia formal e garantiram seu caráter pacífico.
Tudo isso teve um preço de conveniências que foi pago nessa primeira etapa de consolidação democrática que se encerra hoje, quando praticamente todas as forças envolvidas naquela articulação tiveram, de um modo ou de outro, participação nos governos sucessivos de Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e do próprio Lula. Reparem bem onde estavam cada um desses nomes e seus aliados, no processo político de distensão que vai, mais ou menos, de 1974 a 1985.
Dilma Rousseff é a primeira presidente do Brasil moderno que não tem nada a ver com isso. É verdade que ela participou da luta armada, no início dos anos 1970, com pouco mais de 20 anos de idade, uma jovem universitária sem ligações com o mundo politico profissional. Mas sua formação pública, suas relações com o poder, sua aproximação com o estado e sua administração, seu conhecimento da pólis, só se dá depois do fim da ditadura, já no novo regime democrático. Dilma é portanto uma tecnocrata formada na jovem democracia brasileira, que não tem a memória e os compromissos do passado histórico a lhe pesar sobre os ombros. Algo de novo, no estilo e no caráter da presidência, há de surgir dessa novidade.
Paradoxalmente, também não creio que esteja se encerrando hoje a "Era Lula". Seu triunfo nos oito anos de governo, a popularidade com que deixa o cargo, a dependência que seu partido tem dele, seu próprio encanto pela vida pública, nada disso permitirá que ele seja esquecido ou que se afaste do palco político. Mesmo porque tenho até a impressão de que, quando esfriarem as paixões, vamos todos, governistas ou oposicionistas, sentir certa falta dele, alguma saudade do que representa, seja qual for o desempenho de sua sucessora.
Antes de Lula, só Getúlio Vargas lançou sua sombra com tal intensidade sobre tão longo período político. Os outros dois presidentes igualmente bem-sucedidos em nossa história republicana recente, Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso, não tiveram a mesma oportunidade. O primeiro porque foi sucedido por um demagogo irresponsável que nos levou, logo depois, à ditadura militar que a tudo silenciou. O segundo, por sua ausência de vocação para a devoção popular e por um total, incompreensível e covarde abandono de seu próprio partido.
É impossível prever de que modo a "Era Lula" vai seguir em frente, isso vai depender do comportamento de seu titular e do sucesso de sua sucessora. Tomara que o agora ex-presidente se conscientize de sua importância simbólica (FHC ainda não entendeu direito esse seu papel, por causa de sua justa angústia de reconhecimento, pela qual seu partido é o principal responsável), torço para que Lula não ceda à volúpia da eminência parda, atuando implícita ou explicitamente em cada decisão. Napoleão Bonaparte dizia que, na guerra, um general ruim é melhor do que dois bons.
Estamos começando a entrar num período em que nossa democracia não vai mais depender dos compromissos do passado, garantidos pelas forças políticas de "antigamente". A partir de hoje, estamos prontos para depender apenas do presente e entender esse momento como uma passagem à maturidade, o fim da adolescência de nossa democracia. Uma passagem que pode ser ilustrada pelo texto de Santo Agostinho: "A verdadeira liberdade não consiste em fazer o que se tem vontade, mas fazer o que se deve porque se tem vontade."
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