Com ágio médio de 348%, o governo passou à iniciativa privada três dos principais aeroportos do país: Guarulhos, Viracopos (ambos em São Paulo) e Brasília. O total arrecadado foi R$ 24,5 bilhões, na primeira grande privatização de um governo petista, embora a Infraero ainda detenha 49% do capital. Os novos controladores assumirão os terminais em maio. Mesmo com o sucesso, celebrado por governo e analistas, houve a mão forte do Estado, que financiara, por meio do BNDES, até 80% dos investimentos necessários. O grupo que ficou com Guarulhos teve presença maciça dos fundos de pensão de estatais. O Snea, que reúne as empresas do setor, alertou que as passagens podem subir
Enfim, aeroportos privados
Com ágio de até 600% e dinheiro público, governo passa o controle de três grandes terminais
Ronaldo D"Ercole, Henrique Gomes Batista*, Paulo Justus e Bruno Rosa
TROCA DE COMANDO
A BM&FBovespa foi palco ontem do maior leilão de privatização do governo petista. Por três dos principais aeroportos do país - Guarulhos, Viracopos (ambos em São Paulo) e Brasília -, três consórcios se comprometeram a pagar R$ 24,535 bilhões à União em até 30 anos. Mas, o que foi comemorado como um grande sucesso pelo governo, teve o peso da mão do Estado e condições muito favoráveis para pagamento. Não bastasse o fato de que a Infraero continuará com 49% destes terminais, o BNDES financiará 80% dos investimentos que serão feitos nestes aeroportos. Além disso, o grande vencedor do dia foi o consórcio encabeçado pela Invepar, uma empresa com 82,7% do capital controlado por fundos de pensão de estatais (Previ, Petros e Funbcef), e pela operadora aeroportuária ACSA, empresa do governo da África do Sul. A OAS, o braço privado da Invepar, tem apenas 17,67% do capital.
O ágio médio pago pelas três concessões alcançou, no total, 348% em relação ao valor mínimo estipulado pela edital, que era de R$ 5,47 bilhões. No caso de Brasília, essa diferença chegou a 673%. O consórcio formado por Engevix e Corporación América (da Argentina) aceitou pagar R$ 4,501 bilhões e arrematou a concessão do aeroporto da capital. Mas o lance mais supreendente do pregão foi a oferta vencedora por Guarulhos: R$ 16,213 bilhões, com a ágio de 373%, feito pelo consórcio Invepar (que, entre outras, controla o Metro do Rio e a Linha Amarela) e a sul-africana ACSA.
O terceiro aeroporto leiloado ontem, o de Viracopos, em Campinas, foi arrematado pelo consórcio formado pela Triunfo Participações (que é dona da Concer, concessionária da Rio-Petrópolis-Juiz de Fora), pela Constran e a operadora Egisavia (da França), por R$ 3,821 bilhões, 159% a mais do que o valor mínimo pedido pelo governo pela outorga.
A administração dos aeroportos deve ser transferida aos consórcios vencedores no início de maio. Segundo os consórcios vencedores, os usuários devem começar a sentir as mudanças de gestão até o fim do ano. O valor das outorgas será pago, em parcelas anuais, ao longo do contrato da concessão - que vai de 20 anos, no caso de Guarulhos, a 30 anos em Viracopos. Haverá ainda correção anual, com base no IPCA acumulado no período.
Os três grupos vencedores confirmaram que o principal financiador das obras previstas nos editais será o BNDES, autorizado a entrar com até 80% dos recursos dos investimentos totais previstos e até 90% dos itens financiáveis, com juros baixos. De cara, os grupos poderão pedir empréstimo-ponte ao banco, em valor ainda não definido. No total, o prazo do financiamento será de 180 meses para as empresas que venceram os aeroportos de Guarulhos e Campinas e de 240 meses para Viracopos.
Em nota, Luciano Coutinho, presidente do BNDES, que esteve na bolsa mas saiu antes do final, comentou o leilão, que considerou um "sucesso" e disse que o banco está preparado para auxiliar os consórcios vencedores:
"O excelente resultado do leilão é uma forte demonstração de confiança na economia brasileira e no seu potencial. O diferencial virtuoso deste processo é a obrigação de que os vencedores invistam fortemente para expandir a infraestrutura aeroportuária, gerando melhorias para todos os usuários dos serviços licitados".
No Palácio do Planalto, o ágio elevado foi comemorado. Segundo fontes, o governo estimava arrecadar entre R$ 16 bilhões e R$ 20 bilhões. Agora, a ideia é fazer novas privatizações. Após a posse do novo ministro das Cidades, a presidente Dilma disse esperar que a concessão traga uma gestão mais eficiente dos aeroportos, após posse do novo ministro das Cidades.
- Vocês sabem, né? No governo é assim: termina uma etapa e começa outra. Agora é fazer com que isso ocorra. Ou seja, a administração eficiente dos três aeroportos.
A economista Elena Landau, que comandou a Diretoria de Privatizações do BNDES entre 1993 e 1994, considera um "marco histórico" o fato de o governo petista de Dilma Rousseff ter repetido o modelo de privatização, com forte participação de fundos de pensão e do BNDES.
- Acabou o "Fla x Flu" ideológico sobre privatização. É importante o que aconteceu hoje para olhar a privatização sem ideologia e rancor. No governo do PT, a privatização teve a mesma característica de outras tão criticadas. Houve participação excessiva do BNDES, mas depois se paga (o empréstimo). O importante é mostrar que críticas ao uso de fundos de pensão eram totalmente infundadas - declarou.
Gustavo Rocha, presidente da Invepar, disse que jogou para ganhar e que fez estudos por oito meses com mais de100 pessoas para chegar aos R$ 16,2 bilhões oferecidos. O valor foi tão alto que o aeroporto não teve novos lances.
- Não tenho dúvida que é uma ótima oportunidade de investimento e que vamos entregar aos acionistas e aos usuários o que eles esperam _disse ele, que estima para entre 2016 e 2017 um movimento entre 50 e 55 milhões de passageiros em Guarulhos, projeção acima do mercado.
Já o presidente da Triunfo, Carlo Bottarelli, apesar de reconhecer que as ações de sua empresa caíram 6% após conquistar o aeroporto de Viracopos, lembrou que o ágio pago pelo aeroporto foi o menor dentre os três ofertados. A Triunfo venceu o leilão para o terminal de Viracopos.
- A dinâmica do leilão mostrou que cada grupo tinha um foco. Num jogo desses, tinhamos que dar um winner na entrada. Estamos confiantes - disse.
Autor do maior ágio do dia, José Antunes Sobrinho, diretor-executivo da Engevix, que levou o aeroporto de Brasília, disse estar confiante no equilíbrio do negócio. Segundo ele, os cálculos para o lance levaram em conta diversas possibilidades de rentabilizar o aeroporto, desde venda de combustíveis até exploração comercial da infraestrutura.
O professor Carlos Pereira, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), da Fundação Getulio Vargas (FGV), no entanto, diz que o fato de o governo, através da Infraero, ter participação de 49% nos consórcios mostra uma limitação ideológica:
- A privatização, que foi abandonada pelo governo Lula, foi retomada agora. E com sucesso. Isso foi positivo. O governo percebeu que não tinha como ir na direção contrária, já que era necessário grande volume de investimentos. E tendo 49% do consórcio sinaliza a sua base de apóio que será uma voz importante dentro dos aeroportos, ao mesmo tempo que respondeu ao mercado - analisou Pereira.
* Enviado especial
FONTE: O GLOBO
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