Poucos dias depois que a Executiva Nacional do PT lançou uma nota oficial
criticando as condenações da Ação Penal 470, vulgo mensalão, e acusando o STF
de "instaurar um clima de insegurança jurídica no país", o
ex-presidente da Corte Carlos Ayres Britto, que acaba de se aposentar, deu uma
longa entrevista aos repórteres Valdo Cruz e Felipe Seligman, da "Folha de
S.Paulo". Entre as duas manifestações, a do partido e a do ministro, há um
abismo. Lendo o que ele disse e sabendo de sua inatacável reputação, é
impossível admitir sem má-fé que esse poeta e filósofo declaradamente
"contemplativo", "espiritualista", adepto da física
quântica, da meditação e de um violão, íntegro, sereno e sensato, tenha
permitido que a Casa presidida por ele tivesse sido capaz de
"partidarizar" o julgamento, fazendo política em vez de justiça,
entre outros desvios jurídicos como falta de isenção, "transferência do
ônus da prova aos réus", "transformação de indícios em provas",
"penas desproporcionais".
É bom lembrar que, paradoxalmente, todas essas queixas-denúncias foram
apresentadas justamente pelo partido no qual Ayres Britto militou durante 18
anos e pelo qual ainda nutre uma mal disfarçada simpatia, ressaltando, por
exemplo, que o mensalão "não é o julgamento do PT; são réus que ocuparam
cargos de direção no PT". Ao analisar o que ele considera ser o
esgotamento da "fase ideológica" do PSDB e do PT, com perda do que os
gregos chamam de "Deus dentro da gente", entusiasmo, ou seja,
"aquele ímpeto depurador das instituições", Britto adverte: "Não
podemos ser injustos, porque o PT continua com quadros muito bons." E cita
o caso do governador Tarso Genro, "que chegou a escrever um artigo a favor
do Supremo".
Quando lhe foi perguntado se houve "traição" e se os presidentes
petistas erraram nas nomeações, já que, dos dez ministros do julgamento, sete
foram indicados por Lula ou Dilma, ele respondeu: "A nossa postura
técnica, independente, isenta, desassombrada, é uma postura que honra os
nomeantes. Não só os nomeados." E aproveitou para esclarecer que Lula
nunca "se aproximou para cobrar, fazer queixa".
Diante das homenagens que lhe estão sendo prestadas, é curioso observar que
foi preciso o discreto e recatado Ayres Britto se aposentar para que se
prestasse atenção nele, presidente, e não só no relator e no revisor. Uma
questão de mais ou de menos ego.
Durante os próximos 15 dias, concederei a vocês um merecido descanso - de
mim.
Fonte: O Globo
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