A história verdadeira pode ser outra, mas o fato é que deu certo o estratagema da presidente Dilma Rousseff de alegar que em 2006, quando chefiava o Conselho de Administração da Petrobrás, autorizara a estatal a comprar do grupo belga Astra Oil metade da Refinaria de Pasadena, no Texas, apenas com base em um resumo executivo "técnica e juridicamente falho", preparado pelo então diretor da área internacional da empresa, Nestor Cerveró. Em março passado, informada de que oEstado revelaria o seu papel na ruinosa transação, Dilma pediu à titular da estatal, Graça Foster, que preparasse uma nota explicativa.
Insatisfeita com o que leu - o texto se limitava a dizer, burocraticamente, que o assunto era objeto de sindicância interna -, rasgou o papel que a amiga lhe trouxera e redigiu, de próprio punho, a versão a ser encaminhada ao jornal. Sabia o que fazia.
Afinal, no ano passado, depois de a Agência Estado levar a público o aberrante negócio, a Polícia Federal, o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU) abriram investigações a respeito, por suspeita de superfaturamento e evasão de divisas. Dilma há de ter atinado que poderia ser acusada de crime de responsabilidade por não haver barrado no nascedouro a operação que custaria à petroleira US$ 1,245 bilhão, com um prejuízo confesso de US$ 530 milhões (US$ 792 milhões para o TCU) - e que, por sinal, foi aprovada pela unanimidade dos integrantes da mais alta instância decisória da companhia. O vexame começou com o desembolso de US$ 360 milhões por 50% da instalação e estoques - ou 8,5 vezes mais do que os belgas pagaram aos antigos donos, pelo empreendimento inteiro, apenas um ano antes.
Em 2007, a ainda desavisada Dilma achou que a Petrobrás podia recusar a compra da outra metade da refinaria, proposta pela Astra Oil. Diante disso, esta acionou a Justiça americana, invocando a cláusula contratual Put Option, segundo a qual, em caso de desavença entre os parceiros, um teria de vender a sua parte ao outro. A empresa ganhou a causa. A Petrobrás recorreu e tornou a perder. Os custos da pendência contribuíram para o maior rombo da história da empresa.
Na nota de março, a presidente assinalou que o resumo de página e meia recebido pelo Conselho omitia, além da Put Option, a condição chamada Merlin, que garantia à sócia uma renda anual de 6,9%, fosse qual fosse a situação do mercado de derivados de petróleo. Se fossem conhecidas, essas cláusulas "seguramente não seriam aprovadas", assegurou.
Nos meses seguintes, em entrevistas à imprensa e depoimentos no Congresso, o ex-presidente da Petrobrás José Sérgio Gabrielli, atual secretário de Planejamento do governador petista da Bahia, Jaques Wagner, não só insistiu que a compra de Pasadena valeu a pena, mas insinuou que o Conselho poderia perfeitamente tomar conhecimento da íntegra do contrato, cópias do qual, como de praxe, foram encaminhadas à secretaria do colegiado. Dominadas ou sabotadas pela bancadas governistas, as CPIs instaladas na Câmara e no Senado de nada serviram para esclarecer o suposto mistério. Ao público só resta intuir que a caixa-preta da Petrobrás tem sido sacudida por brigas de bastidores entre os seus potentados. De sua parte, Cerveró, o autor do tal resumo, volta e meia espalha que tem muito a contar.
Dilma, porém, se livrou. Na quarta-feira, tanto o Ministério Público como o TCU desvincularam o Conselho de quaisquer erros ou malfeitos que produziram o escândalo da refinaria. Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, as informações dadas pela presidente "afastam a acusação (de parlamentares oposicionistas) de conduta dolosa ou culposa", não cabendo imputar ao Conselho nenhuma espécie de delito que teria conduzido ao desastre.
Já o TCU aprovou o parecer do relator do processo, o ministro José Jorge, que isenta Dilma de qualquer responsabilidade no affair. Os suspeitos - a serem julgados em outra ação - são 11 diretores ou ex-diretores da Petrobrás, entre eles Gabrielli, Cerveró e Paulo Roberto Costa, antigo diretor de abastecimento da empresa, preso sob a acusação de lavagem de dinheiro. E a oposição pode ter perdido um argumento contra Dilma na campanha eleitoral.
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