Folha de S. Paulo
Antecipar receitas de partilha lembra
operações que contribuíram para quebra do Banespa
Há pouco, o Congresso
Nacional aprovou o novo
arcabouço fiscal. O desenho da regra está correto, apesar de ela ser
insuficiente. A insuficiência do arcabouço deve-se ao elevado déficit vigente
no ponto de partida. Em 2023, o déficit será da ordem de 1% do PIB.
O déficit deve-se ao aumento permanente do
gasto, fruto da aprovação da emenda constitucional da transição, no fim de
2022. A aprovação dessa emenda contou com forte apoio da opinião pública.
A estratégia da Fazenda tem sido buscar a elevação da carga tributária por meio
de uma série de
medidas de combate ao planejamento tributário e do
aproveitamento de novas bases tributárias.
Fazem parte do esforço da Fazenda: a volta do
voto de qualidade da Fazenda no Carf (tratei
do tema na coluna de 3
de junho); a tributação dos fundos
fechados no Brasil e no exterior; uma melhor definição de preço de
transferência das empresas na exportação de commodities para
subsidiárias no exterior; limites para que incentivos de
governos estaduais às empresas corroam a base tributária do
IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre
o Lucro Líquido), ambos federais; crédito de ICMS no pagamento de PIS e Cofins;
e o fim do pagamento de dividendos na forma de JCP (juros sobre o
capital próprio).
Adicionalmente, a Fazenda deseja tributar as
importações de pequeno valor e os jogos
eletrônicos. A Fazenda aposta que essas medidas consigam arrecadar
recorrentemente algo como 1,8% do PIB. Contas mais conservadoras do mercado
apostam em uma receita recorrente da ordem de 0,8% do PIB. Saberemos somente em
dois ou três anos o impacto permanente das medidas.
Dado que Lula resolveu
iniciar seu terceiro mandato com o pé no acelerador do gasto, é possível que o
piso da meta de primário de 2024, um déficit de 0,25% do PIB, não seja
atingido.
O governo tem tratado do tema. Além de todas
as medidas que elenquei, há outra possibilidade: a antecipação da receita de
exploração de petróleo no regime de partilha. Essa operação é ruim. Em nada
ajuda e pode atrapalhar muito.
A política fiscal tem dois impactos diretos
sobre o equilíbrio macroeconômico. Primeiro, pode ser expansionista ou
contracionista, e, portanto, injetar ou retirar demanda sobre o mercado de bens
e serviços da economia. Segundo, é o instrumento disponível ao formulador da
política econômica para influenciar na dinâmica da dívida pública.
A antecipação de receita da partilha
representa uma troca patrimonial. É próxima de uma operação de privatização. A
União abre mão de uma receita futura por uma receita hoje. A propriedade sobre
um ativo da União muda de mãos. A operação não altera os fluxos de gastos e
receitas. Não altera a postura —se expansionista ou contracionista— da política
fiscal.
A antecipação tampouco altera a dinâmica do
endividamento público. Em qualquer simulação de dívida, os ganhos futuros com a
partilha já foram incorporados. É possível que o deságio que o setor privado
cobre do setor público para antecipar a receita seja maior do que o implícito
no custo de rolagem da dívida pública. Nesse caso, a antecipação representará
uma piora do endividamento.
Antecipar a receita da partilha lembra muito
as operações de antecipação de receita orçamentária (ARO) praticadas por
Orestes Quércia em 1990 e que contribuíram para a quebra do
antigo Banespa.
O arcabouço fiscal elaborado pela Fazenda e
aprovado pelo Congresso Nacional considera a possibilidade do não atingimento
da meta de superávit primário. A Fazenda precisa continuar a tocar a agenda de
elevação da carga tributária. Mas com persistência e sem artificialismos.
Atingir a meta de primário em 2024 com uso de
subterfúgios contábeis não é bom. Melhor não atingir a meta e deixar o arcabouço
fiscal funcionar normalmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário