sábado, 23 de março de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - Aniversários, de vida e de morte

O Globo

Judiciário não apenas abateu a operação de Curitiba, mas afastou do cenário todo o sistema de combate à corrupção

A Lava-Jato estaria completando dez anos se não tivesse sido abatida pelo Judiciário, incluindo, principalmente, o Supremo Tribunal Federal. Não apenas abateu a operação de Curitiba, mas afastou do cenário todo o sistema de combate à corrupção.

Formou-se uma ampla aliança de políticos dos velhos métodos, da direita à esquerda, com empresários, todos apanhados em corrupção, para interromper a Lava-Jato e, mais, eliminar seus efeitos. Condenações à prisão, multas, devolução de dinheiro, acordos de leniência, tudo isso vem sendo anulado. Ninguém foi absolvido. Simplesmente os processos foram anulados, com base no cipoal de formalidades da Justiça. Provas, mesmo evidentes, foram declaradas imprestáveis.

Esse pessoal, portanto, comemora uma morte.

Mas há quem lamente. São aqueles — entre os quais me incluo — que observam nesse retrocesso a volta da velha política e do capitalismo dos amigos. Nesse regime, prosperam não as empresas mais produtivas, mas as que pagam as maiores propinas.

Falso, portanto, o argumento de que a Lava-Jato destruiu empresas e reduziu o PIB brasileiro. Primeiro, porque essas empresas estão de volta, com outro nome e provavelmente as mesmas práticas. Segundo, porque empresas que crescem com base na corrupção não criam valor. Ao contrário, destroem valor e produtividade porque bloqueiam o surgimento de concorrentes eficientes. Mais fácil obter uma vantagem em Brasília do que gastar dinheiro e cérebros criando novas tecnologias e métodos.

Sobram exemplos dessa volta triunfante do capitalismo de amigos. Nenhum mais evidente que a retomada da Refinaria Abreu e Lima. Em 2005, foi lançada, por um custo de US$ 2,5 bilhões. Feito menos da metade, já custou US$ 20 bi. E quem seria candidato forte a retomar as obras? A Odebrecht, digo, a Novonor. Novo?

Nesse caso, não é propriamente um aniversário, mas uma comemoração de volta para aqueles velhos tempos.

Vale para o PT e para o governo Lula — e sua narrativa de que tudo não passou de uma conspiração liderada pelos Estados Unidos para destruir as empreiteiras brasileiras e a Petrobras. Para eles, as empresas não quebraram por terem cometido grossa — e confessada — corrupção e, no caso da estatal, uma gestão temerária nos governos petistas. Faziam tudo certo e foram atacadas.

E tem quem acredite.

Já o 31 de março é um aniversário. Sessenta anos do golpe. Vai passar sem nada? Muitos militares e civis gostariam de comemorar. Lembram-se das ordens do dia que os comandantes militares emitiam, mesmo depois da volta de democracia? As vítimas da ditadura teriam, obviamente, não o que comemorar, mas muito a lembrar. E cobrar. E investigar.

Parece, porém, que Lula patrocinou um acordo. Os militares não falam nada, os democratas e as vítimas da ditadura não comemoram o fim da ditadura, nem pedem julgamentos e busca da verdade. Muito ruim. Trata-se de uma volta ao final dos anos 1970, início dos 80, quando se negociou a abertura. A base dessa negociação foi a anistia ampla, geral e irrestrita, que garantiu a impunidade dos que haviam participado da ditadura, incluídos os torturadores.

Dirão: mas os esquerdistas subversivos também foram anistiados. Sim, mas já haviam sido presos, exilados, torturados e assassinados. Não há simetria aqui. Foi apenas um jeito de garantir a impunidade e, pois, a retirada dos militares. Destruíram a democracia, arrasaram os direitos humanos, e tudo bem? Se tivessem sido julgados na forma da lei, como na Argentina, certamente não teríamos passado pela recente tentativa de golpe.

O acordo de hoje repete essa assimetria. Diferença importante: o julgamento dos participantes do golpe de 2022. A ver.

E temos um verdadeiro aniversário de vida: os 30 anos do Plano Real. Voltaremos ao tema. Mas fica um registro: Lula, beneficiário da estabilidade do Real, não pode comemorar. Foi contra. Por isso, agora, nada a declarar. Mas a população brasileira pode comemorar 30 anos sem inflação descontrolada. Como seria o Brasil sem o Real? Fácil, olhem para a Argentina.

 

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