O Estado de S. Paulo
O ‘todo mundo faz’ corrompe Congresso, polícias, Judiciário, Forças Armadas e até igrejas
A cultura do “todo mundo faz” na vida
cotidiana, na corporativa, na institucional, é um dos maiores males nacionais.
Se todo mundo ao meu redor faz errado, por que só eu tenho de fazer direito,
cumprir as regras, seguir à risca a lei, não tirar vantagens indevidas, não
fraudar um benefício daqui, outro dali? Enfim, não usar o ambiente para se
autoconceder um salvoconduto para “se dar bem”, com o velho “jeitinho carioca”,
naturalizado e nacionalizado.
A missão da polícia, por exemplo, é nobre e fundamental, mas, se um superior segue a linha do “bandido bom é bandido morto”, ele contamina a tropa e o, ou a, policial que veste a farda para combater a violência vira agente dela. Daí a pancadaria e tiros letais em pessoas desarmadas e rendidas, cidadãos jogados de pontes ou mortos com gás em porta-malas. O, ou a, jovem policial segue o exemplo de cima e vai servir de exemplo para quem vem depois.
Também no Judiciário, se “todo mundo” estoura
o teto constitucional, abusa dos penduricalhos, só pensa em se dar bem, por que
só um juiz/desembargador ou juíza/desembargadora vai se rebelar? O problema é
grave, deixa de ser do cidadão de toga e passa a ser do juizado, do tribunal,
da instituição.
Foi assim nas Forças Armadas, com um
comandante em chefe que não fez outra coisa na vida senão defender golpes, ditaduras
e torturadores. Se generais de quatro estrelas aderiram, por que não os de três
e duas, almirantes, coronéis, capitães? Golpista era machão; legalista que
respeitava a ordem, a disciplina e os poderes constituídos era “melancia”
(verde por fora e comunista por dentro) e “cagão” – assim como quem se protegia
da covid era “maricas”. Foi longe, mas os “machões” estão indo para a cadeia.
O Congresso é um exemplo desolador do “todo
mundo faz”. Convivi com grandes políticos de esquerda, centro e direita, com
ideologia, compromisso e talento, mas jovens que entravam para a política
cheios de ideais eram sugados para a vala comum das rachadinhas, emendas
marotas, desvios, corrupção. Hoje, qual o perfil da maioria dos candidatos e
dos eleitos?
Nem mesmo as igrejas escapam da patologia do
“todo mundo faz” e é chocante a abrangência da pedofilia ao redor do mundo.
Imagina-se que um cidadão que largue os prazeres da vida mundana para servir a
Deus tenha uma alma limpa, pura. Por que tantos se desviam? Porque, se um
superior pode, os demais se sentem no direito.
Bem, a lista é grande, enorme, mas fica aqui
uma lembrança: a verdadeira coragem é saber dizer não, desagradar, nadar contra
a corrente e poder se olhar no espelho sem ter vergonha de si mesmo.
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