O Estado de S. Paulo
“Al volver la vista atrás/ se vela senda que
nunca/ se ha de volvera pisar ”, cantava o poeta Antonio Machado.
Voltar avista atrás para a economia de 2024
deixa um sentimento ambíguo. Que molha apenas para os resultados imediatos, tem
um balanço positivo. Mas quem repara nos rastros deixados pelas pisadas nota
certo desarranjo.
É a atividade econômica crescendo a ritmo
invejável, de 3,5%; éo desemprego de 6,1%, menor nível da história; a inflação
que não deverá passar dos 5,0%; e as contas externas – pesadelo dos anos 70 e
80 – continuam exuberantes.
O que houve de pior aqui no Brasil foram as enchentes nunca vistas no Rio Grande do Sul, que produziram prejuízos que o Banco Interamericano de Desenvolvimento avaliou em R$ 88 bilhões. Mas o desastre expôs um lado positivo: a enorme resiliência e a capacidade de recuperação do povo gaúcho, graças, em boa parte, às transferências de recursos de outros brasileiros e do governo federal.
E houve outras coisas boas. Do jeito que deu,
saiu a reforma que vai simplificar e modernizar o caótico regime tributário.
Depois de 20 anos de negociação, foi aprovado o Acordo Mercosul–União Europeia,
ainda a ser ratificado pelos países signatários.
A máquina produziu essas e outras coisas
boas, mas acusa um ronco esquisito. Os juros básicos (Selic) fecharam o ano a
12,25% em 12 meses, mas em março, como já sinalizou o Banco Central, estarão
nos 14,25%, para combater uma inflação crescente; o dólar saltou para acima dos
R$ 6 e não dá sinais de que vá recuar; o crescimento do PIB enfrentará
desaceleração acentuada, que se presume não passará dos 2%; a dívida pública
ameaça saltar para os 100% do PIB; os investimentos entraram no modo
pinga-pinga.
Por trás do ronco esquisito está a rápida
deterioração das contas públicas. Em 2024, a gastança prevaleceu sobre a
responsabilidade fiscal. O remendo aprovado no fim do ano foi insuficiente e
não evitará novos vazamentos.
Lá fora, o grande fato político de 2024 foi a
reeleição de Donald Trump para a presidência da maior economia do mundo. E lá
vem ele prometendo raios e trovoadas, protecionismo e confronto com a China.
Por falar em China, esse Império do Meio
continua em rápida expansão mundo afora, mas com grave crise interna,
especialmente na área imobiliária, situação que compromete a rede bancária,
credora de empresas que estão capengando. Os dois países líderes da União
Europeia, Alemanha e França, sofrem do mal das pernas.
Não dá para concordar com o poeta de que não voltarem os a pisar nos rastros passados.
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