O Globo
O ministro Flávio Dino operou seu primeiro
milagre: fez a cúpula do Congresso aparecer em Brasília entre o Natal e o
réveillon. Na última semana do ano, parlamentares tiraram os paletós do armário
e correram para Brasília. Foram discutir formas de pressionar o Supremo a
revogar o bloqueio das emendas.
Dino suspendeu pagamentos de R$ 4,2 bilhões,
que escorreriam dos cofres públicos no apagar das luzes de 2024. Na decisão,
citou um quadro de “degradação institucional” e “inconstitucionalidades em
série”.
Irritado, o deputado Arthur Lira convocou os
líderes para uma reunião de emergência. Do encontro, partiram recados de que
haverá retaliação se o dinheiro não for liberado.
As ameaças se repetem desde novembro de 2021, quando a ministra Rosa Weber determinou o primeiro bloqueio do orçamento secreto. Ela foi substituída por Dino, que herdou o processo e a disposição de impor limites à farra das emendas.
A decisão de segunda-feira trata o assunto
como caso de polícia. O ministro cita múltiplas suspeitas de corrupção que
emergiram de auditorias, investigações e até discursos parlamentares. O texto
faz um breve inventário dos escândalos que rondam as emendas. Cita malas de
dinheiro “apreendidas em aviões, cofres, armários ou jogadas por janelas”. Isso
ocorreu há menos de três semanas, quando um vereador de Campo Formoso (BA)
atirou R$ 220 mil pelos ares para tentar escapar do flagrante da Polícia
Federal.
Nem a imagem das cédulas voadoras parece
constranger suas excelências. Com raras exceções, os congressistas tratam a
apropriação de nacos do Orçamento como direito adquirido, a exemplo da verba de
gabinete e da cota de passagens aéreas.
Lira comanda a revolta das emendas, mas não
está sozinho. Sua última manobra para driblar o Supremo contou com a
cumplicidade de 17 líderes. Eles subscreveram um ofício para apadrinhar 5.449
emendas de comissão que não chegaram a ser votadas nos respectivos colegiados.
Tudo para garantir a liberação do dinheiro até 31 de dezembro. A turma ainda
encontrou espaço para incluir R$ 180 milhões em “novas indicações”. Desse
valor, 40% seriam destinados a Alagoas, base eleitoral de Lira.
O cambalacho foi revelado pela revista Piauí.
Quando o deputado Glauber Braga citou a reportagem em plenário, o chefão da
Câmara apertou o botão para silenciar o microfone.
O fato de Lula ter chamado Lira para
conversar a portas fechadas, em tentativa de acalmá-lo, só expõe a debilidade
política do governo. Refém do Centrão, o presidente aparenta não ter força nem
ânimo para peitar a chantagem parlamentar. No início do ano, ele já foi
convencido a recuar após o deputado liderar uma rebelião contra veto à execução
de R$ 5,6 bilhões em emendas.
Na decisão desta segunda, Dino afirma que as
próximas audiências para tratar das emendas deverão ser realizadas em fevereiro
e março de 2025, “a fim de que o diálogo institucional ocorra de forma
produtiva”. O ministro deixou claro que só aceita conversar quando a Câmara
estiver sob nova direção.
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