De olho nas grandes manifestações previstas para a próxima quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff encontra-se hoje com governadores e prefeitos de várias cidades brasileiras e recebe líderes do Movimento Passe Livre. A expectativa é de que se repitam, em tamanho, em confrontos e em atos de vandalismo, as marchas da semana passada.
Em Brasília, organizadores das três maiores mobilizações se reuniram ontem em frente à Biblioteca Nacional para unificarem os movimentos. Em Belo Horizonte, que recebe a Seleção Brasileira para o jogo contra o Uruguai pelas semifinais da Copa das Confederações, a Polícia Militar teme o agravamento da violência do último sábado.
Dilma entre o discurso e a ação
Sem a certeza do quanto as manifestações dos últimos dias arranharam seu projeto de reeleição em 2014, mas convicta de que precisa dar uma resposta rápida e eficiente para as reivindicações, sob o risco de que a insatisfação das ruas contamine ainda mais o governo, a presidente Dilma Rousseff terá uma semana decisiva. Passou ontem o dia no Palácio do Alvorada recebendo ministros, checando números, buscando propostas. Hoje, estará com governadores e prefeitos de capitais para debater soluções conjuntas para a crise que assolou todos os políticos com mandato eletivo. Dilma também vai receber também representantes do Movimento Passe Livre (MPL).
Aliados e especialistas lembram que Dilma terá que mudar daqui para frente. Além do lado prático de tirar iniciativas do papel ou acelerar as que já existem, terá que alterar seu perfil de atuação. Tão alertada pelos políticos e representantes dos movimentos sociais, a avaliação é de que precisará dialogar mais. Prometeu isso no pronunciamento de rádio e televisão de sexta-feira, ao assegurar que receberá os movimentos sociais e os representantes pacíficos das manifestações, algo que não tem feito até o momento. "O que um presidente tem de mais precioso é o seu tempo. E Dilma, ao centralizar tudo em suas mãos, gasta muito mal essa riqueza. Em vez de agir como presidente, comporta-se como um assessor, fiscalizando detalhes desnecessários de projetos em gestação", diagnosticou um aliado.
O diálogo com o atual movimento torna-se ainda mais complicado porque não se sabe quem , além do MPL, está do outro lado na figura de interlocutor. Se Dilma tem dificuldade em aceitar a legitimidade de atores conhecidos, como fará para autenticar porta-vozes difusos, com queixas diversas? Se nem os comandantes dos protestos se intitulam como tais, com quem a presidente poderá conversar nas próximas semanas para tentar baixar a temperatura das ruas?
Um importante ministro afirmou ao Correio que a presidente precisa, com urgência, identificar quais são esses interlocutores para que o debate seja iniciado. Tudo isso sem abrir mão dos demais representantes dos movimentos sociais, para que eles não se sintam desprestigiados e transfiram o foco da crise para outros pontos.
Além disso, o mesmo integrante do primeiro escalão dilmista defendeu a urgência de se abrir um diálogo sobre o legado da Copa e das Olimpíadas Rio 2016, um dos pontos centrais da pauta dos manifestantes. Para esse ministro, o governo foi tragado pelo argumento de que o dinheiro foi jogado fora em estádios superfaturados, sem que a população comum se beneficiasse disso.
Transporte
Ontem, no Alvorada, dentre as diversas reuniões que teve, a presidente discutiu mobilidade urbana, uma das promessas centrais do governo quando o país conquistou o direito de sediar o Mundial de futebol e os Jogos Olímpicos. As principais obras não saíram do papel e, das que avançaram, muitas delas não ficarão prontas a tempo do torneio. Dilma quer soluções e deve se apegar, ainda mais, nas concessões de aeroportos, portos, rodovias e ferrovias, cujos editais serão lançados ao longo de 2013.
Dilma também precisa, na opinião de pessoas próximas, sair do casulo no qual se envolveu nos últimos meses e conduzir, como estadista, um grande pacto envolvendo governadores, prefeitos e Congresso Nacional. "Chegou a hora de pararmos de falar e de começarmos a fazer. Isso vale para o governo e vale para o Congresso", declarou o líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE). "E não adianta apenas fazermos. Temos que ter urgência nessa ação", defendeu o petista.
Ele defende a prioridade para a pauta apresentada pela própria Dilma no pronunciamento de sexta-feira, dentre elas a destinação de 100% de recursos dos royalties para a educação. Além disso, Guimarães vai propor na reunião de líderes da Câmara, marcada para amanhã, que se vote com rapidez o projeto do deputado Mendonça Filho (DEM-PE) que desonera de PIS/Cofins o setor de transportes, bem como o Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Reticente, um aliado do Planalto lembrou que a destinação dos royalties para a educação já foi rejeitada uma vez pelo Congresso. O projeto que tramita na Câmara é nova tentativa de Dilma, mas ninguém tem a certeza se ele será aprovado. "Além disso, o Supremo ainda não definiu de quem são os royalties, se dos estados produtores ou não produtores. Por que as pessoas não vão protestar também no Judiciário?", queixou-se o deputado Danilo Forte (PMDB-CE), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Na cadeia de rádio e televisão da noite de sexta-feira, Dilma também prometeu acelerar a entrada de médicos estrangeiros no país, ideia que vem sendo rechaçada com frequência pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Esse foi um dos assuntos tratados ontem nas diversas reuniões no Alvorada. Como não há consenso e a presidente precisa de respostas rápidas, ela deve anunciar amanhã editais destinados a preencher vagas de médicos residentes e investimentos de R$ 100 milhões na rede pública de saúde.
Ponto por ponto
Confira trechos do pronunciamento da presidente Dilma Rousseff na noite de sexta-feira e em que situação estão as áreas abordadas:
Combate à corrupção
"Ela (a mensagem das ruas) reivindica um combate sistemático à corrupção e ao desvio de recursos públicos. Todos me conhecem. Disso eu não abro mão"
Depois de promover uma faxina na Esplanada e demitir ministros envolvidos em corrupção, a presidente chamou aliados dos faxinados para retornar ao governo.
Mobilidade urbana
"O foco será: primeiro, a elaboração do Plano Nacional de Mobilidade Urbana, que privilegie o transporte coletivo"
Já existe o PAC Mobilidade Urbana, para grandes e médias cidades, mas as obras andam lentamente.
Recursos para a educação
"Segundo, a destinação de 100% dos recursos do petróleo para a educação"
Dilma já enviou projeto de lei para o Congresso Nacional. Depende agora de os parlamentares votarem, e se texto enviado pelo Executivo será alterado.
Médicos do exterior
"Terceiro, trazer de imediato milhares de médicos do exterior para ampliar o atendimento do Sistema Único de Saúde, o SUS"
O governo já estuda a contratação de médicos estrangeiros há um certo tempo, mas encontra resistência da categoria. No fim de semana, quatro entidades médicas, entre elas o Conselho Federal de Medicina, divulgaram nota de repúdio à importação de profissionais.
Diálogo com a sociedade
"Anuncio que vou receber os líderes das manifestações pacíficas, os representantes das organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares"
Dilma é criticada por movimentos sociais e sindicatos pela falta de diálogo. Apesar de estar enfrentando crise em sua política indígena, é a única presidente nos últimos 18 anos que não recebeu os índios.
Reforma política
"Quero contribuir para a construção de uma ampla e profunda reforma política, que amplie a participação popular"
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a tentar acelerar tramitação de proposta no Congresso, mas está a cargo dos parlamentares colocar a reforma em votação.
Sistema partidário
"É um equívoco achar que qualquer país possa prescindir de partidos"
A presidente colocou a base aliada para aprovar projeto que dificulta a criação de legendas, e, com isso, barrar o Rede Sustentabilidade, de Marina Silva.
Gastos com a Copa
"Em relação à Copa, quero esclarecer que o dinheiro do governo federal gasto com as arenas é fruto de financiamento que será devidamente pago pelas empresas e os governos que estão explorando estes estádios"
Os financiamentos são feitos por bancos públicos, com juros subsidiados pelo governo federal.
"Jamais permitiria que esses recursos saíssem do Orçamento Público Federal, prejudicando setores prioritários, como a saúde e a educação"
Os estados precisarão pagar os empréstimos, ou seja, continua sendo dinheiro público. No caso da educação, governo federal só é responsável pelo ensino superior.
Fonte: Correio Braziliense
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