Quando se fala de segurança hídrica global, todos os números são assustadoramente grandiosos. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) calcula que 1,7 bilhão de pessoas vivem em regiões onde a oferta de água é inferior à demanda. Apenas 3% de toda a água terrestre é doce e ainda 69,8% da existente está em forma sólida, nas calotas polares, ou como vapor, nas nuvens. Da água disponível na forma líquida, 29,7% estão em aquíferos e apenas 0,5% praticamente pronta para beber, em rios e lagos.
O acesso inadequado à água e saneamento acaba custando US$ 323 bilhões por ano por conta das doenças e outras consequências. O pior é que o problema tende a crescer, afetando 2,3 bilhões de pessoas até 2050. Para combatê-lo, o mundo deveria investir US$ 650 bilhões por ano até 2030. A própria atividade econômica necessária para a subsistência da humanidade exige cada vez mais água. A agricultura usa 70% da água disponível globalmente; e a demanda para a produção agrícola e energética deve crescer 60% a 80%.
O Brasil, favorecido por dispor de 12,8% da água do planeta, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), também apresenta graves deficiências. A população urbana atendida pela distribuição de água tratada é de pouco menos de 159 milhões de pessoas, com média nacional de 93%. Conforme a região, porém, o serviço pode ser altamente insatisfatório. No Sul, o abastecimento chega a 98,4% da população urbana; no Centro-Oeste é de 97,7%; e no Sudeste, de 96,1%. Cai para 89,3% no Nordeste e despenca para 67,7% no Norte. As redes de esgotos deixam muito mais a desejar e atendem 102,1 milhões de habitantes das cidades, 59,7% na média. No Sudeste, o índice chega a 83,2%, mas cai para 56,7% no Centro-Oeste, 49 % no Sul, 34,7% no Nordeste, e apenas 13,4% no Norte. A situação é ainda pior em se falando de tratamento, que abarca apenas 44,9% do esgoto gerado, de acordo com o Instituto Trata Brasil, variando de apenas 18,3% no Norte a 52,6% no Centro-Oeste. No Sudeste mais urbanizado, o índice é de 48,8%. O desperdício de água também é muito elevado: na média nacional, fica em 36,7%, mas chega a 75% no Amapá.
Com esses números e pelo fato de ter sofrido recentes desastres ambientais severos, o Brasil se tornou um palco adequado para a realização da 8ª edição do Fórum Mundial da Água. Participaram da abertura 12 chefes de Estado, além de representantes da Organização das Nações Unidas (ONU), União Europeia e Banco Mundial entre outros organismos. O evento durou a semana inteira e foi realizado em Brasília, na expectativa de despertar o interesse pelo problema entre os políticos. Não se sabe se os políticos foram sensibilizados uma vez que estavam concentrados no debate sobre a prisão em segunda instância no Supremo Tribunal Federal (STF).
Uma das abordagens mais ousadas foi a da ONU que pregou a "infraestrutura verde". Em vez de debater apenas a necessidade dos elevadíssimos investimentos, o estudo analisa soluções relativamente simples, que podem ajudar no abastecimento, saneamento, redução de riscos e desastres ou na drenagem urbana. Entre os caminhos apontados estão o plantio de novas florestas e a recuperação das áreas degradadas; o restabelecimento de zonas úmidas para o reequilíbrio do ciclo da água; e a adoção de mecanismos naturais como o tratamento de água por plantas filtrantes e de esgotos por meio de micro-organismos.
A ONU também salientou a importância de ações básicas como evitar o descarte irregular de resíduos sólidos, o despejo de efluentes líquidos sem prévio tratamento, o consumo elevado de água potável, além das ineficiências que levam às perdas. O reúso se insere nesse contexto. Há muito a ganhar nesse campo no caso do Brasil, onde a prática é reduzida e a legislação ainda insatisfatória. Israel chega a usar a mesma água quatro vezes. Na região Sudeste, de acordo com estudo da Universidade de São Paulo (USP), são utilizados apenas 1,3 metro cúbico por segundo de água de reúso para um potencial estimado de 7 a 8 metros cúbicos por segundo. A limitação vem da falta de matéria-prima: o esgoto tratado. Com a existência de poucas estações de tratamento, o efluente doméstico acaba indo diretamente aos rios e não a um novo uso nas indústrias.
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