- O Estado de S.Paulo
Gilmar Mendes está na posição de ‘quem ri por último ri melhor’, mas...
Com a sucessão de eventos da semana passada, a Lava Jato começa a ir a pique como o Titanic. Hackers, The Intercept Brasil, Supremo, Congresso, Planalto e, agora, a absurda, inacreditável, chocante história do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que entrou armado na mais alta corte do País para assassinar o ministro Gilmar Mendes.
Depois das “flechadas” contra Michel Temer, Janot queria assassinar Gilmar a tiros. Não tirou o mandato de um nem a vida do outro, mas acaba de matar sua própria reputação. Procuradores são servidores públicos e ele não era apenas um procurador qualquer, era o procurador-geral e estava disposto a cometer não um crime qualquer, mas o mais grave de todos: assassinato. E de um ministro do Supremo!
Janot agia como justiceiro, Gilmar era o crítico mais feroz dos personagens, métodos e atos da Lava Jato. O procurador era endeusado e o ministro, trucidado, principalmente nas redes sociais. Mas a gangorra inverteu. Janot cai do pedestal, Gilmar está exultante e a maior operação anticorrupção da história afunda fragorosamente.
Com seu partidarismo, arrogância e falta de limites, Janot foi o pivô da gravação que Joesley Batista, da J&F, fez com o ex-presidente Michel Temer. O resultado foi uma conversa mole, induzida, picada, que não conseguiu derrubar Temer, mas derrubou a reforma da Previdência e a retomada do crescimento. O País pagou um alto preço.
A J&F virou gigante internacional com o ex-presidente Lula, mas Janot e sua turma atiraram em Temer. Como a gravação não ficou forte o suficiente, eles adulteraram a ordem das frases e correram ao STF sem aprofundar as investigações, seguir o dinheiro ou sequer fazer perícia no áudio. E que acordo camarada com os irmãos Batista! Foi, portanto, uma ação política, que fica ainda mais irritante com a confissão de Janot justamente na semana da inversão da gangorra também no STF.
A força-tarefa ganhava todas. Lula, por exemplo, perdia todas. A mudança começou com liminares monocráticas (contra o uso de dados do antigo Coaf e investigações de poderosos pela Receita). Evoluiu com a Segunda Turma derrubando a condenação de Aldemir Bendine, sob o pretexto de que delatados falam após o delator. Por fim, o plenário consolida a guinada, com maioria a favor dessa tese, perfeita para favorecer dezenas de condenados.
A partir daí, é fazer a festa nas próximas votações: prisão após condenação em segunda instância, suspeição do então juiz Sérgio Moro, revisão ou anulação de sentenças e ações contra Lula... Os mocinhos da Lava Jato vão sendo transformados em bandidos, os réus viram vítimas.
Do outro lado da rua, o Congresso aprova uma lei de abuso de autoridade que, apesar de necessária, chega num momento, e num formato, que exala revanche e soa como ameaça a juízes, procuradores, delegados e auditores que ousem mexer com poderosos.
E no Planalto? O presidente Jair Bolsonaro tenta parecer mero espectador do naufrágio da Lava Jato, mas soltou a voz contra a PF, deixou suas digitais nas mudanças no Coaf (agora UIF) e na Receita Federal e só vetou várias partes da Lei de Abuso de Autoridade para inglês ver. Ou melhor, Moro ver, seus seguidores verem.
Gilmar Mendes passou esses anos todos como Judas nacional, por enfrentar Janot, Dallagnol, Moro e o “lavajatismo”. Hoje, os Judas passam a ser Janot e Dallagnol. Gilmar está na posição de “quem ri por último ri melhor”. Mas... com erros maiores ou menores, personagens maiores ou menores, o fato é que o petrolão existiu, há montanhas de provas da corrupção sistêmica e era preciso dar um basta vigoroso. A Lava Jato afunda, mas a história saberá calibrar erros e acertos, reconhecendo o enorme bem que fez ao País.
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