O
que pode o Estado? Dar uma resposta a essa questão a partir da reflexão sobre a
passagem de uma condição de natureza para uma condição civil é marca dos
pensadores contratualistas. Citemos dois. Para Thomas Hobbes,
é o medo da morte e a necessidade de proteção contra ela que fundamentam a
referida passagem e a eficácia do Estado depende da submissão absoluta do
indivíduo, que abandona os seus direitos e aliena a sua liberdade em troca de
proteção. Já para John Locke, apenas o direito de fazer justiça com as próprias
mãos é abandonado, conservando-se o direito à vida, à liberdade e à
propriedade.
Locke é
o pai do liberalismo; Hobbes foi
o teórico do Leviatã. Pandemia, mortes, medos, máscaras, vacinação: tudo isso
passa pelo debate sobre segurança e liberdade, sobre Estado e indivíduo. Mas o
debate foi trocado pela briga de egos e pela pequenez de quem só se move
visando o ganho de capital político.
As
incompetências e os crimes que causaram o agravamento da pandemia no Brasil
estão espalhados, mas a briga entre o
presidente Jair Bolsonaro e
o governador
João Doria em
torno da vacina contra a Covid-19 atingiu o auge da irresponsabilidade. Fazer
alarde contra vacinação e desautorizar o ministro da Saúde em iniciativa
correta em relação à compra de uma vacina que pode ser promissora não é a
atitude que se espera de um presidente; alardear vacinação compulsória não é o
que se espera de um governador.
Não
importa se a vacina é chinesa; importa que seja segura e eficaz. Se for capaz
de debelar a epidemia, a Coronavac deve ser adquirida e distribuída no SUS,
ainda que por determinação judicial; ela ou qualquer outra que aparecer e que
tenha comprovadas segurança e eficácia. Por outro lado, estabelecer
açodadamente vacinação obrigatória é imprudente e tentar vacinar “na marra”
seria desastroso.
É
necessário bom senso, mas o caminho da racionalidade e da prudência foi
obstaculizado pelo fanatismo obscurantista e pela demagogia oportunista.
*Catarina Rochamonte, doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).
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