Folha de S. Paulo
Bem fez o indigenista Sidney Possuelo, que
devolveu a medalha recebida há 35 anos
Com a campanha eleitoral na porta,
Bolsonaro vai empregar, cada vez mais, estratégias da guerra de comunicação que
ele sabe manejar como poucos, é preciso admitir. Deve-se a isso a medalha
do mérito indigenista que ele e alguns puxa-sacos receberam. Sendo o
presidente o maior inimigo dos povos indígenas, dar a ele essa honraria
equivale a premiá-lo pela excelência no combate à pandemia no Brasil.
Esse tipo de provocação captura a agenda do debate público, dispersa o foco, ocupa as instituições, que precisam responder aos seguidos abusos. É forçoso manifestar nossa indignação contra o escárnio, como bem fez o indigenista Sidney Possuelo, que devolveu a mesma medalha, por ele recebida há 35 anos.
Possuelo é um desses brasileiros gigantes,
descendente direto da linhagem que começa com o marechal Rondon, passa pelos
irmãos Villas-Bôas e chega ao médico Erik Jennings. Ex-presidente da Funai, ao
tempo em que a instituição defendia os indígenas, Possuelo foi quem idealizou a
política de respeito ao isolamento voluntário de algumas etnias.
A ira santa que o fez devolver sua medalha
—esta, sim, merecida— deve nos servir de guia e inspiração. Precisamos lembrar
e falar, o tempo todo, do que realmente importa. E o que importa? A fome, o
desemprego, a miséria, o aumento da gasolina e do gás, o PIB minguante, a
inflação crescente, a carne trancada a cadeado na geladeira do supermercado. E
o crime maior: o genocídio de 660 mil brasileiros. Mudar a classificação de
pandemia para endemia não diminuirá a torpeza do delito.
Importam ainda a devastação da Amazônia, a
expansão das milícias, a sociedade intoxicada de armas e violência, as
negociatas da família presidencial, da base corrupta no Congresso e dos
generais malandros, as rachadinhas e a pergunta: quem mandou matar Marielle?
Vital é também resistir aos ataques contra a democracia e eleições limpas. O
resto é truque de distração da cartilha extremista.
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