Relembrar, sempre, a data de
08/01/2023, para repudiar o ultrajante vilipêndio cometido por mentes
autoritárias contra o Estado de Direito — e para jamais esquecê-la –, há
de constituir expressão de nosso permanente e incondicional respeito à Lei
Fundamental do Brasil e de reafirmação de nossa crença na preservação do regime
democrático, na estabilidade das instituições da República e na intangibilidade
das liberdades essenciais do Povo de nosso País!
Naquele verdadeiro (e vergonhoso) “dies irae”, a escumalha radical, impulsionada por um inadmissível sentimento de fúria selvagem, invadiu, criminosamente, além das sedes do Congresso Nacional e da Presidência da República, o edifício do Supremo Tribunal Federal, neste provocando atos de vandalismo que SEQUER pouparam o busto de Ruy Barbosa, “Patrono dos Advogados Brasileiros”, contra quem tais delinquentes desferiram golpes que deixaram, em sua fronte, a marca de sua infame agressão!
O Supremo Tribunal Federal, sabiamente,
decidiu NÃO restaurar a escultura de RUY, para marcar, para as presentes e
futuras gerações — e eterna memória dos fatos (“ad perpetuam rei memoriam”) –,
o dia em que a brutalidade vitimou a Justiça e ofendeu o grande patrono dos
Advogados brasileiros!!!
Esses gestos de subversão explícita, típicos
de uma horda de criminosos cujo primarismo permite reduzi-los ao mais grave
nível de irracionalidade e de ausência total de civilidade, deixaram, para
eterna e estigmatizante desonra de seus autores, um legado perverso que nos
cumpre repudiar e combater: o legado inaceitável da destruição, da mentira, do
ódio visceral ao regime democrático, da intolerância, do desapreço pela ideia
de liberdade e do culto à barbárie!
A investida criminosa dessa turba insana
contra o Supremo Tribunal Federal, ‘sentinela das liberdades’, no dizer de
Aliomar Baleeiro, e contra Ruy Barbosa, ‘o construtor da República’, constitui
a imagem mais expressiva (e negativa) do espírito destrutivo, pervertido e
disruptivo da malta que invadiu (e dessacralizou), no dia 8 de janeiro de 2023,
os símbolos augustos (e perenes) do Estado Democrático de Direito!!
O grave momento histórico então vivido pelo
Brasil revelou-nos que as instituições democráticas de nosso País e as
liberdades fundamentais dos cidadãos, porque expostas a ataques dos hunos que
as assediaram com o subalterno (e corrosivo) propósito de vulnerá-las, sofreram
risco imenso em sua integridade!!
Naquele momento delicado vivido pelo Brasil,
avizinhou-se, perigosamente, a aproximação de tempos procelosos e nublados,
impregnados, por seu efeito desestabilizador, de extrema gravidade e de sérias
consequências para o regime democrático!
Tornava-se importante, por tal razão, que
aqueles que respeitavam a institucionalidade e que prestavam fiel reverência à
nossa Constituição reagissem — e reagissem sempre com apoio e sob o amparo da
Lei Fundamental do Brasil — às sórdidas manobras golpistas, às sombrias
conspirações autocráticas e às inaceitáveis tentações pretorianas de submeter o
nosso País a um novo e ominoso período de supressão das liberdades
constitucionais e de degradação e conspurcação do regime democrático!!
A resposta do povo brasileiro às graves (e
ameaçadoras) manifestações então promovidas por lideranças golpistas, todas
elas indignas da majestosa importância da Lei Fundamental de nosso País,
mostrava-se necessária e imprescindível! E essa resposta veio com apoio na
“rule of law”, repelindo as tentações autoritárias e as práticas abusivas que
degradavam, deformavam e deslegitimavam o sentido democrático das instituições
e a sacralidade da própria Constituição!
Superado aquele grave momento em que uma
turba insana buscava solapar os alicerces da República e do Estado democrático
de Direito, tornava-se imprescindível que a cidadania se pronunciasse, de forma
vigorosa e inequívoca, como posteriormente o fez na “Carta às Brasileiras e aos
Brasileiros”, em defesa da intangibilidade do regime democrático e de todos os
consectários que lhe são inerentes, repelindo os graves sucessos ocorridos em
08 de janeiro de 2023 e repudiando o comportamento intolerante e audacioso daqueles
que insistiram em ignorar o sentido essencial dos valores democráticos e a
importância fundamental das instituições da República!
São os períodos de crise que revelam a
alma e o caráter das pessoas, como destacava Thomas Paine, no século
18, em seus “The Crisis Papers”!
Foi aquele — como ainda continua a sê-lo
— um momento que nos permitiu revelar nosso real compromisso com os
valores da República e com os signos legitimadores do Estado democrático de
Direito, demonstrando, no que concerne ao Supremo Tribunal Federal, que os seus
Juízes, impregnados de autêntico “sentimento constitucional”, agem, como sempre
agirão, de modo impessoal, com integridade moral e com inteira autonomia
intelectual, fazendo preservar, em momentos nos quais há grave periclitação da
estabilidade institucional e de séria lesão à ordem democrática, a supremacia
da Constituição e a autoridade das leis do Estado!
Afinal, como assinalava Cícero, já no século
1 a.C., “Somos servos da lei, para que possamos ser livres” (“Servi legum
sumus, ut liberi esse possimus”)!!!
Torna-se vital reconhecer que o regime
democrático, analisado na perspectiva das delicadas relações entre o Poder e o
Direito, não terá condições de subsistir, quando as instituições políticas do
Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e as leis da
República, pois, sob esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a
vontade de uma só pessoa, de um só estamento ou de um só grupo!
O sentimento de respeito à Constituição da
República, por ser mais intenso, haverá de sobrepujar e neutralizar quaisquer
impulsos emanados de mentes autocráticas que se aventurem, criminosamente,
lançando-se em ensaios que visem a fragilizar, a desvalorizar e a transgredir a
ordem constitucional!
Há que se ter sempre presente a grave
advertência do saudoso e eminente ministro Aliomar Baleeiro, do Supremo
Tribunal Federal, em manifestação que recordava ao nosso País que, enquanto
houver cidadãos dispostos a submeter-se e a curvar-se ao arbítrio e à
prepotência do poder, sempre haverá vocação de ditadores…
Daí a significativa e vital importância do
Poder Judiciário, cujos magistrados saberão agir com independência e liberdade
decisória, dispensando tutela efetiva aos direitos básicos da cidadania e
preservando a integridade da ordem constitucional!
Cabe sempre advertir, de outro lado, que
o poder militar está sujeito, historicamente, nas democracias
constitucionais, ao poder civil, cabendo-lhe, unicamente, as estritas
funções institucionais que lhe foram atribuídas pela Constituição!!!
O poder castrense, que NÃO dispõe de
atribuição moderadora nem de função arbitral que lhe permita resolver
— como se fosse uma anômala (e estranha) instância de superposição — eventuais
conflitos entre as instituições civis do Estado, há de submeter-se, por inteiro
e incondicionalmente, à autoridade suprema da Constituição, sob pena de a
República democrática — sob cuja égide vivemos — dissolver-se, esmagada pelo
peso e deslegitimada pelo estigma de uma estratocracia desestabilizadora da
ordem democrática e opressora das liberdades e franquias individuais!!!
A necessidade do controle civil sobre as
Forças Armadas — advertem os estudiosos da matéria (como Eliézer Rizzo de
Oliveira, “Democracia e Defesa Nacional: A criação do Ministério de Defesa na
Presidência de FHC”, São Paulo, 2005, pág. 84) — busca definir parâmetros
e implementar os seguintes objetivos:
“a) O comando inquestionável das Forças
Armadas pelo Chefe do Poder Executivo;
b) Garantir a imparcialidade política das Forças Armadas;
c) Estabelecer uma estrutura de ordenamento legal das Forças Armadas que as
submeta [aos princípios essenciais do] Estado democrático;
d) Qualquer decisão quanto ao emprego do poder militar deve ter origem
exclusiva nas decisões políticas [das autoridades civis] ; e
e) Reafirmar o caráter nacional das Forças Armadas.”
Em um contexto de grave crise que afetava e
comprometia, de um lado, os próprios fundamentos ético-jurídicos que dão
sustentação ao exercício legítimo do poder político e que expunha, de outro, o
comportamento anômalo de protagonistas relevantes situados nos diversos
escalões do aparelho de Estado, tornava-se perceptível a justa, intensa e
profunda indignação e inquietação da sociedade civil perante aquele quadro
deplorável de periclitação da ordem democrática e de perversão da ética do
poder e do direito!
Em situações tão graves assim, costumam
insinuar-se pronunciamentos ou registrar-se movimentos que parecem prenunciar a
retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia
constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir, qualquer que
seja a modalidade que assuma: pretorianismo oligárquico, pretorianismo radical
ou pretorianismo de massa (SAMUEL P. HUNTINGTON, “Pretorianismo e Decadência
Política”, 1969, Yale
University Press).
A nossa própria experiência histórica
revela-nos — e também nos adverte — que insurgências de natureza pretoriana, à
semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente (República de Weimar),
descaracterizam a legitimidade do poder civil e fragilizam as instituições!
Impunha-se repelir, por isso mesmo, qualquer
manifestação de um pretorianismo oligárquico que buscasse sufocar e dominar,
com grave lesão à ordem democrática, as instituições da República!
Já se distanciam no tempo histórico os dias
sombrios que recaíram sobre o processo democrático em nosso País (1964–1985),
em momento declinante das liberdades fundamentais, quando a vontade hegemônica
dos curadores militares do regime político então instaurado sufocou, de modo
irresistível, o exercício do poder civil.
É preciso ressaltar que a experiência
concreta a que se submeteu o Brasil no período de vigência do regime de exceção
(1964/1985) constitui, para esta e para as próximas gerações, marcante
advertência que não pode ser ignorada: as intervenções pretorianas no
domínio político-institucional têm representado momentos de grave inflexão no
processo de desenvolvimento e de consolidação das liberdades fundamentais.
Intervenções castrenses, quando efetivadas e
tornadas vitoriosas, tendem, na lógica do regime supressor das liberdades que
se lhes segue, a diminuir (quando não a eliminar) o espaço institucional
reservado ao dissenso, limitando, desse modo, com danos irreversíveis ao
sistema democrático, a possibilidade de livre expansão da atividade política e
do exercício pleno da cidadania.
Tudo isso é inaceitável porque o
respeito indeclinável à Constituição e às leis da República representa, no
regime democrático, limite inultrapassável a que se devem submeter os agentes
do Estado e as próprias Forças Armadas!
Faça-se também saber, aos que costumam
invocar, com certa habitualidade, o valor nobre e elevado do patriotismo, o
juízo de reprovação formulado pelo doutor Samuel Johnson (nome expressivo da
literatura britânica do século 18), em frase ácida que dirigiu, em veemente tom
crítico, a William Pitt, o Velho (“The Elder”), 1º Conde (1st Earl ) de Chatham
e Primeiro-Ministro do Reino Unido (“The Patriot Minister”) , em razão do que
ele, Johnson, entendia constituir uso abusivo, por esse político britânico, da
palavra “patriotismo”!
Por tal razão, vale relembrar, conforme
registra James Boswell, biógrafo escocês do doutor Samuel Johnson, a frase
célebre por este proferida em 07 de abril de 1775 :
“Patriotism is the Last Refuge of a Scoundrel
(“O Patriotismo é o último refúgio de um Canalha”).
Não quero nem pretendo atribuir aos que se
dizem patriotas, generalizando-o, aquele juízo de desvalor formulado por Samuel
Johnson. A menção que fiz busca apenas relembrar que, no curso dos eventos
históricos, podem surgir episódios de utilização abusiva da expressão
pertinente a quem se atribui, monopolísticamente, com exclusão daqueles
que seguem orientação política diversa, a condição privativa de patriota.
A observação que venho de fazer torna
pertinente invocar, no sentido por mim exposto, a célebre definição de
“Pátria” formulada por Ruy Barbosa em discurso proferido no Colégio Anchieta,
em 1903:
“A pátria não é ninguém; são
todos; e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à
palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um
monopólio, nem uma forma de governo; é o céu, o solo, o povo, a tradição, a
consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão
da lei, da língua e da liberdade.”
Não podemos nem devemos jamais esquecer que,
em 08 de janeiro de 2023, os símbolos da República e do regime democrático
foram gravemente profanados por delinquentes movidos por um sentimento
desprezível e irracional de ódio e de intolerância e que não hesitaram em
dessacralizar, com atos criminosos e atentatórios à integridade do Estado de
Direito, o sentido mais elevado da supremacia da Constituição e das leis que
regem uma sociedade civilizada!
O que pode explicar o comportamento de
pessoas retrógradas e despreparadas que se valem da violência política para
impor, de modo ilegítimo e autoritário, a sua distorcida concepção de mundo?
Esses agentes do obscurantismo, que se
notabilizaram por seu perfil intolerante e visão hostil às instituições
democráticas, beneficiaram-se, paradoxalmente, da tolerância, que constitui um
dos signos configuradores do próprio regime democrático!!!
Torna-se importante não desconhecer, neste
ponto, a conhecida advertência de Karl Popper quando, ao examinar o tema da
sociedade aberta (e democrática) em face de seus inimigos, responde à seguinte
indagação: até que ponto a democracia, para autopreservar-se, deve tolerar os
intolerantes?
Para Popper, “A tolerância ilimitada leva ao
desaparecimento da própria tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada
mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a
sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão
destruídos e a tolerância com eles. (…)!
É inquestionável que uma sociedade fundada em
bases democráticas deve ser essencialmente tolerante e, por isso mesmo,
cabe-lhe estimular o respeito harmonioso na formulação do dissenso, em respeito
aos que divergem de nosso pensamento, de nossas opiniões e de nossas ideias!
Mas não deve nem pode viabilizar a
“tolerância ilimitada”, pois esta, se admitida, levará à supressão da própria
tolerância, à eliminação dos tolerantes e à aniquilação da própria ideia e
sentido de democracia!!!
Neste momento de nosso processo político,
revela-se essencial que a cidadania comprometida com o respeito à
institucionalidade empenhe-se na defesa incondicional das instituições
democráticas de nosso País e na proteção das liberdades fundamentais, para que
não voltem a expor-se, como sucedeu em passado recente, a ataques covardes e
criminosos dos hunos que as assediaram com o subalterno (e corrosivo) propósito
de vulnerá-las e de vilipendiá-las em sua integridade!!!
Torna-se importante, por tal razão, que
aqueles que respeitam a institucionalidade e que prestam fiel reverência à
nossa Constituição reajam — e reajam sempre com apoio e sob o amparo da Lei
Fundamental do Brasil — às sórdidas manobras golpistas, às sombrias
conspirações autocráticas e às inaceitáveis tentações subversivas de submeter o
nosso País a um novo e ominoso período de supressão das liberdades
constitucionais e de degradação e conspurcação do regime democrático!!!
Necessário, pois, reagir, com vigor e
determinação, sempre sob o império da lei, à ação criminosa de mentes
autoritárias e de pessoas infensas ao primado da ideia democrática, que agem
movidas por inaceitáveis tentações autoritárias e por práticas abusivas e
sediciosas que degradam, deformam e deslegitimam o sentido democrático das
instituições e a sacralidade da própria Constituição!
Eis porque a “tolerância ilimitada” (Popper),
longe de refletir a essência mesma do espírito democrático, culmina,
paradoxalmente, por viabilizar a construção de estruturas autoritárias
destinadas, no contexto de um projeto sórdido de poder, ao controle institucional
do Estado e ao domínio político da sociedade civil, ensejando frontal
transgressão aos postulados éticos e jurídicos que informam e sustentam as
bases de uma sociedade livre, aberta, solidária, fraterna e civilizada!!!
Em uma palavra: são esses os verdadeiros
delinquentes da República e marginais da ordem institucional, pessoas
desprezíveis sobre quem deve recair, com todo o rigor, a força da lei,
respeitando-se, no entanto, quanto a eles, sempre, o postulado inafastável do
devido processo legal.
As cenas de selvageria e degradação
praticadas por golpistas e radicais imbuídos da vontade (criminosa) e
determinação (ilícita) de assaltar as instituições democráticas e de usurpar o
poder revelam que os novos bárbaros chegaram, em 08 de janeiro de 2023, à
Capital da República, com o objetivo subalterno (e subversivo) de destruir a
ordem institucional, de renegar o primado dos mais elevados padrões
civilizatórios e de fazer instaurar, contra a vontade majoritária do povo,
mediante ações destituídas de qualquer coeficiente de legitimidade, um regime
marginal de intolerância, de poder absoluto, de ódio, de violência política e
de supressão das liberdades fundamentais!!!
As instituições democráticas não conseguirão
subsistir em um ambiente político e social convulsionado onde a “tranquilitas
ordinis” (a que se referia Santo Agostinho) é rompida, a institucionalidade,
desrespeitada, as franquias individuais, vilipendiadas, e a autonomia dos
poderes do Estado, transgredida!
Sem um Parlamento independente, sem um
Poder Judiciário protegido contra indevidas intrusões de outros
poderes e sem um Governo capaz de agir, no plano executivo, sem injunções
marginais de outros estamentos, instituições e corporações, respeitada,
sempre, como expressão própria (e superior) do regime democrático, a
primazia do poder civil sobre o poder castrense, não prevalecerá, jamais, uma
cidadania livre nem subsistirá, íntegra, a ordem fundada no Estado democrático
de Direito.
Esse é o dilema ético e político —
civilização ou barbárie — que o assalto brutal, criminoso e inconstitucional
aos Poderes da República (Const. Federal, art. 5º., inciso XLIV), verdadeiro
“crime contra a nacionalidade”, gerou no espírito dos cidadãos conscientes e
responsáveis, comprometidos com a intangibilidade do princípio democrático e
com o respeito incondicional à autoridade suprema da Constituição e das leis da
República.
Os fatos de 08 de janeiro de 2023, verdadeiro
“dies irae”, tornaram necessário proceder-se à escolha consciente e
responsável entre civilização e barbárie, entre Eros e
Thanatos, entre liberdade e submissão, entre o respeito à
ordem jurídica e às instituições democráticas, de um lado, e a desordem
generalizada, o caos, a anarquia, a intolerância, o fundamentalismo, o ódio, a
violência política e o desapreço total pela democracia constitucional, de
outro, provocados pelos novos bárbaros (que transpuseram, então, em
gesto atrevido e criminoso, os umbrais da Cidade, conspurcando, com seu
gesto indigno, o domínio civilizado do império do Direito e da “rule of law”).
BUSCA-SE, agora, ANISTIAR as lideranças
golpistas (civis e militares) e todos aqueles que, direta ou
indiretamente, concorreram para a prática criminosa da tentativa de
abolição violenta do Estado Democrático de Direito, em concurso material com outros 4
(quatro) delitos: tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada,
deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado!
Entendo que tal pretensão encontra obstáculo
na própria ordem constitucional.
Conceder anistia a quem perverte a
democracia e subverte o Estado de Direito traduz ato que
afronta e dessacraliza, uma vez mais, a soberana autoridade da
Constituição da República!
O Congresso Nacional NÃO pode exercer seu
poder de legislar, em matéria de anistia , (1) naquelas hipóteses
pré-excluídas pela Constituição do âmbito normativo desse ato de clemência
soberana do Estado (tortura, racismo, tráfico de drogas, terrorismo, crimes
hediondos e delitos a estes equiparados, CF, art. 5º., n. 43), (2) nos casos em que o
Legislativo incidir em desvio de finalidade, distorcendo ou subvertendo a
finalidade dessa modalidade do poder de graça, como ocorreria se a
concessão de anistia objetivasse atribuir ao Parlamento a condição anômala (e
inadmissível) de órgão revisor das decisões judiciais (as do STF, na
espécie), como revela a intenção motivadora do projeto de lei (e de
seu substitutivo) ora em curso na Câmara dos Deputados, (3) em situação
que caracterize ofensa ao princípio da separação de poderes (vício em
que também incide a proposição legislativa acima mencionada) e (4) se
a medida tiver por finalidade beneficiar qualquer pessoa que haja ofendido
ou desrespeitado os cânones inerentes à democracia constitucional.
O Supremo Tribunal Federal, em importante
precedente sobre os limites do poder de graça (que NÃO tem caráter
absoluto), firmou orientação no sentido (1) de que atos
concessivos do benefício da graça são plenamente suscetíveis de controle
jurisdicional, circunstância que legitima, plenamente, a atividade
fiscalizadora do STF, a quem incumbe, por expressa delegação da Assembleia
Constituinte, o “monopólio da última palavra” em matéria constitucional, (2) de
que o órgão competente para agraciar não pode transgredir o postulado
da separação de poderes, que traduz dogma protegido por cláusula pétrea
explícita, (3) de que esse mesmo órgão (o Congresso Nacional, no caso) não
pode exercer tal prerrogativa institucional com desvio de finalidade e (4)
de que a concessão da graça, como a anistia, não pode beneficiar quem houver
atentado contra o Estado Democrático de Direito, regime político amparado
por cláusula pétrea implícita (ADPFs ns. 964/DF, 965/DF, 966/DF e 967/DF,
Rel. Ministra Rosa Weber).
No caso do projeto de lei concessivo da
anistia, ora em tramitação na Câmara dos Deputados, tal proposição
legislativa incide, juntamente com seu substitutivo, em algumas
transgressões à Constituição, especialmente (1) porque visa
beneficiar quem atentou contra o Estado Democrático de Direito e (2)
porque, ao incidir em desvio de finalidade, busca converter o Congresso
Nacional em anômalo órgão revisional (ou instância de superposição) em face das
decisões do Supremo Tribunal Federal, assim transgredindo o princípio
da separação de poderes.
Note-se, portanto, que a proposição
legislativa em tela ofende postulados constitucionais protegidos
por cláusulas pétreas, tanto de natureza explícita quanto de caráter implícito!
CONCLUINDO: Profanadores da República e conspurcadores da democracia constitucional, como todos aqueles que se envolveram no planejamento, no financiamento e na execução dos atos criminosos a que se referem o projeto de lei e o seu substitutivo, apoiados por lideranças políticas que buscam conceder-lhes anistia, não são dignos nem passíveis de merecer esse benefício da clemência soberana do Estado, porque a tanto se opõe a autoridade suprema da própria Constituição!
*Ministro aposentado e ex-presidente
do Supremo Tribunal Federal, biênio 1997–1999.
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