quinta-feira, 12 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Se governo finge não haver crise fiscal, Congresso deve agir

O Globo

Ninguém aguenta mais imposto. Ou Executivo e Legislativo cortam gastos, ou então país caminhará para o caos

Diante da inércia do Executivo em tomar as medidas necessárias para ajustar as contas públicas, o presidente da Câmara, Hugo Motta, afirmou ter passado da hora de discutir cortes em despesas obrigatórias: “O Brasil caminha para a ingovernabilidade completa para quem quer que venha a ser presidente”. Ele tem razão. E faria bem em se adiantar. A questão não diz respeito só ao Executivo, mas também à Câmara e ao Senado. Todo mundo está cansado de saber as medidas necessárias para conter a explosão da dívida — e, definitivamente, aumentar impostos não está entre elas.

O pacote frustrante ensaiado pelo governo é mais uma ofensa ao brasileiro. Depois de muito suspense, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com os presidentes da Câmara, do Senado e líderes partidários para discutir alternativas à alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) rechaçada pela classe política e pelo setor produtivo. O próprio Haddad falara em medidas de longo prazo. O que se viu foi a enganação de sempre: o avanço sobre o contribuinte para tapar o rombo de um governo perdulário.

Pela Medida Provisória editada ontem, o governo volta atrás na alta do IOF em algumas operações e muda regras ou alíquotas noutras. Ainda tenta compensar a perda de arrecadação aumentando a taxação sobre as bets (de 12% para 18%) — além da insegurança jurídica, isso empurra empresas de apostas à ilegalidade, depois de todo o esforço pela regulamentação. Por fim, aumenta a contribuição sobre lucros, unifica a alíquota de Imposto de Renda sobre aplicações financeiras e acaba com a isenção para títulos como LCIs e LCAs — medida com impacto nos dois setores, ensejando aumento no preço de alimentos e construção civil.

Ninguém aguenta mais a voracidade sobre o bolso do brasileiro para compensar a inépcia e a gastança do setor público. Ou o governo entende que precisa cortar gastos, ou a situação só piorará. Motta deixou claro que o Congresso não tem compromisso em aprovar um pacote que desagrade a todos. Até União Brasil e Progressistas, partidos com cargos no Planalto, são contra. Um alvo óbvio dos cortes são as emendas parlamentares, uma das distorções mais escandalosas do Orçamento, foco de desperdício e corrupção.

Já que o Executivo continua fingindo que não há crise fiscal, o Congresso tem o dever de conter a explosão inexorável das despesas. Se a intenção é buscar uma trajetória sustentável para a dívida pública, é fundamental desvincular do salário mínimo o reajuste de aposentadorias e benefícios previdenciários. Não adianta se iludir. Sem isso, o rombo só crescerá. Outra medida necessária é acabar com a vinculação das despesas de saúde e educação à arrecadação, restaurada pelo arcabouço fiscal. Sem isso, as despesas obrigatórias consumirão espaço cada vez maior no Orçamento. E o caos será inevitável.

O governo deveria saber que qualquer nova taxação afugenta investimentos, pressiona a inflação, os juros e contribui para puxar o freio da economia. Em dois anos e meio de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deu sinais de que esteja preocupado com o ajuste fiscal. Tudo o que faz é lançar programas populistas sem respaldo no Orçamento. Mais uma razão para que o Congresso assuma suas responsabilidades. Executivo e Legislativo precisam enfrentar as questões estruturais e cortar despesas. Ninguém tolera mais aumento de imposto.

Depoimento de Bolsonaro deixou claro por que ele deve ser condenado

O Globo

Ex-presidente confirmou fatos da investigação e não conseguiu se distanciar da tentativa de golpe

No depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), parte do processo em que é acusado de ter liderado uma tentativa de golpe de Estado, ficou evidente por que ele deve ser condenado. Bolsonaro confirmou praticamente todos os fatos apurados pela investigação da Polícia Federal (PF) e não conseguiu se distanciar dos planos para ruptura do Estado de Direito. Sua insistência em dizer que agiu dentro dos limites da Constituição é logicamente inconsistente com a admissão de ter conversado sobre “alternativas” para anular a eleição.

Nas pouco mais de duas horas do depoimento, Bolsonaro voltou a insistir num argumento sem nexo. Reconheceu ter, depois da derrota nas urnas em 2022, conversado com os comandantes das Forças Armadas sobre alternativas para se manter no poder. Mas negou a intenção de golpe. Lembrou que instrumentos como Estado de Sítio ou Garantia da Lei e da Ordem estão previstos na Constituição, mas se esqueceu de dizer que uma derrota eleitoral não está entre as justificativas para eles.

Os ex-comandantes do Exército Marco Antônio Freire Gomes e da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior não tiveram dúvida sobre a intenção golpista, razão por que não aderiram, como disseram em depoimento à PF e confirmaram ao STF. A intenção era impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, vitorioso nas eleições.

Diante das evidências, não houve tentativa dos réus para negar a existência de minutas destinadas a conferir um verniz de legalidade à ruptura institucional. A estratégia foi chamá-las de “considerandos”, como fizeram Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier. Os três confirmaram que, na reunião fatídica em dezembro de 2022 no Palácio da Alvorada, uma versão do texto foi projetada numa tela. “Era um estudo, e ele disse que voltaria oportunamente a tratar esse assunto”, afirmou Nogueira.

Bolsonaro foi infeliz ao tentar explorar o humor em seu depoimento. Sem considerar que está inelegível, convidou o ministro do STF Alexandre de Moraes, relator da ação penal, a ser seu vice nas eleições presidenciais do ano que vem. Moraes declinou e, como a plateia, deu risada, quando deveria ter adotado atitude mais sóbria.

Pressionado, Bolsonaro pediu desculpas por ter insinuado, em reunião gravada, que Moraes e outros dois ministros do STF haviam recebido propina para defender a segurança das urnas eletrônicas e fraudar as eleições. “Não tenho indício nenhum, senhor ministro. Era uma reunião para não ser gravada. Foi um desabafo”, afirmou.

Nem no tribunal da opinião pública o depoimento de Bolsonaro surtiu o efeito esperado. Seus apoiadores não pouparam críticas. E, embora positiva, sua retratação não muda o essencial: ele insistiu numa versão inverossímil sobre suas intenções, desafiando as evidências coletadas. Ao tramar a quebra do Estado Democrático de Direito, Bolsonaro ultrapassou em muito as proverbiais “quatro linhas” de que tanto fala. Por isso deve ser condenado.

Redução de renúncias fiscais não dispensa corte de gastos

Valor Econômico

Uma crise anunciada pode ser evitada, mas é provável que o governo faça mudanças cosméticas até as eleições

Os gastos tributários, a renúncia de receitas por parte da União e dos Estados, se perpetuam e aumentam a tal ponto que hoje até mesmo a Receita Federal não sabe o tamanho certo dos recursos que deixam de entrar nos cofres públicos. Em 2025, os programas foram estimados oficialmente em R$ 544,47 bilhões, ou 4,4% do PIB, e quase um quinto da arrecadação administrada pela Receita (19,72%). Nos Estados, atingirão R$ 2,4% do PIB neste ano, ou R$ 276,8 bilhões, segundo cálculos de Manoel Pires e Giosvaldo Teixeira Jr., pesquisadores do FGV Ibre. Somados, chegam a R$ 821,3 bilhões. Esse valor deve ser ainda maior. A Receita instituiu no ano passado a Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades (Dirbi) no Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, e com os números em mãos das empresas notou que os benefícios relatados são mais elevados, podendo chegar a R$ 800 bilhões, quase 50% a mais do que o estimado.

Reduzir gastos tributários foi um desejo de quase todos os governantes brasileiros neste século, mas eles não só não levaram à frente a ideia, como ajudaram a ampliar a lista de benefícios. Quando Lula tomou posse em 2003, essas desonerações tributárias equivaliam a 1,3% do PIB, e, quando terminou seu segundo mandato (2010), tinham aumentado para 3,42% do PIB. Jair Bolsonaro assumiu a Presidência com renúncia de receitas de 4,39% e a deixou com 4,76% do PIB.

Desta vez, o empurrão para mais uma tentativa de discutir corte dos gastos tributários partiu do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e o governo Lula logo encampou a ideia, pois ela evitaria a redução das despesas e, se bem-sucedida, dispensaria batalhas desgastantes com o Congresso para aumentar impostos. Cortar os benefícios é um pesadelo burocrático, mas o fato é que existe uma emenda constitucional aprovada desde 2021, a EC 109, exigindo que sejam reduzidos em 10% ao ano até atingir 2% em 2029. Apesar da determinação, nada aconteceu.

Para diminuir os riscos de batalhas judiciais, o governo prepara medidas para obter um corte nos benefícios que não estão na Constituição. No total, há 73 programas contemplados. A Warren Investimentos estimou que 13% dos gastos estão “constitucionalizados”. Se a eles for acrescido o Simples Nacional, que tem partes respaldadas na Constituição, a conta sobe para 33%, um terço do total (Valor, ontem). Felipe Salto, economista-chefe da Warren, estima que metade dos R$ 544,4 bilhões de desonerações previstos para 2025 podem ser cortada. A redução de 10% traria receitas de R$ 21 bilhões em 2026.

Há benefícios que são praticamente blindados, como Simples, a desoneração da cesta básica, a isenção para entidades sem fins lucrativos e Zona Franca de Manaus. Juntas, perfazem R$ 289,4 bilhões, mais da metade do total. Há outros benefícios que têm um custo político alto para eliminação ou redução, como é o caso das deduções com saúde e educação do Imposto de Renda da Pessoa Física, que subtrai R$ 34,8 bilhões das receitas federais e rendimentos isentos do IR (R$ 57 bilhões). Levando isso em consideração, os economistas do Itaú Unibanco acreditam que um corte de 10% traria R$ 16 bilhões para a União no ano.

Há tantos e tão diversificados programas, com benefícios de muitos tipos, que agregar regras para o que deve ser cortado é um exercício extremamente complexo, quase chegando ao limite de exigir uma lei para cada um. Mas a complexidade das mudanças é apenas um dos aspectos mirabolantes de benefícios quase trilhardários. Estudo do professor da Fundação Dom Cabral e colunista do Valor Bruno Carazza, feito em 73 programas de isenções e renúncias fiscais vigentes de 2019 a 2024, constatou que 61,4% dos incentivos não tinham prazo para acabar.

Além disso, praticamente dois terços (65,8%) não previam qualquer órgão federal com atribuição de fiscalizar seu uso, e, o que é igualmente inacreditável, 80,8% não exigiam nenhuma contrapartida - geração de emprego, aumento de exportações ou investimentos (Valor, 9 de junho). Nas palavras de Carazza, “a União abre mão de centenas de bilhões de reais todos os anos, e as empresas não oferecem nada em troca”.

Desde 2020, o órgão do governo criado para avaliação de políticas públicas, o Cmap, enviou a deputados e senadores propostas de ajustes em 50 programas, segundo Carazza. De novo, nada aconteceu. O Congresso, que, atendendo à pressão de lobbies variados, aprovou a ampliação desmesurada das renúncias fiscais, não tem demonstrado o mínimo interesse de saber como eles desempenham, se dão bons resultados para o país, quais precisam de correções de rota e quais deveriam ser extintos. Espera-se que com o empurrão de Motta o Legislativo seja proativo nesse campo.

Se o corte nos benefícios prosperar - um enorme se -, ainda assim será preciso cortar gastos, como lembrou Hugo Motta, para estancar o crescimento das despesas obrigatórias e evitar um apagão do governo que pode ocorrer em 2027. Há várias formas de fazer isso, mas o governo reluta em adotá-las. Uma crise anunciada pode ser evitada, mas é provável que o governo faça mudanças cosméticas até as eleições.

Em julgamento histórico, resta a Bolsonaro reduzir danos

Folha de S. Paulo

Ex-presidente e auxiliares não confrontam Moraes nem negam fatos já comprovados, mirando dosimetria e regime de prisão

O que de mais surpreendente surgiu no interrogatório dos réus do núcleo principal da trama golpista —Jair Bolsonaro (PL) e sete ex-auxiliares diretos— foi o clima ameno, quase cordial, que predominou nas audiências do Supremo Tribunal Federal.

Quem esperava alguma altercação verbal entre Bolsonaro e o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, deparou-se com troca de urbanidades salpicadas por momentos de bom humor.

Ao que parece, os réus já assimilaram que uma sentença condenatória é praticamente inevitável e se concentram em outros objetivos, como dosimetria da pena e regime de prisão. Nessas condições, não convém indispor-se com o relator.

A percepção de que os acusados de tramar um golpe de Estado buscam a redução de danos é reforçada pelas estratégias escolhidas por suas defesas técnicas.

Nenhum dos advogados atacou com maior ímpeto lacunas e contradições nos depoimentos do réu delator, Mauro Cid, nos quais a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) está fortemente baseada. Esse teria sido um caminho possível, mas que os experientes defensores visivelmente preferiram evitar.

Na mesma linha, os depoentes não foram de modo geral orientados a tentar negar o que a essa altura já é inegável, dada a profusão de provas. Pelo contrário, vários deles, incluindo Bolsonaro, admitiram que chegaram a discutir a adoção de medidas como estado de sítio ou de defesa para tentar contrapor-se ao resultado da eleição perdida em 2022.

Tal reconhecimento é politicamente escandaloso, já que tais medidas implicariam uma utilização desvirtuada e ilegal de mecanismos constitucionais, mas não traz, ao menos não diretamente, problemas penais.

A tentativa de golpe de Estado só se torna juridicamente punível quando sai da fase de planejamento e preparação e entra na de execução. O argumento dos réus é justamente o de que essas foram ideias informalmente debatidas, que nunca teriam saído do campo da cogitação. Cabe à acusação demonstrar que saíram.

Da parte de Moraes, a lhaneza provavelmente também é calculada. O magistrado deve passar à história como o juiz que presidiu à primeira condenação de políticos e militares de alta patente que atentaram contra o Estado de Direito no Brasil.

Entretanto o excesso de heterodoxias de que se valeu —algumas necessárias, mas não todas— tornou-se objeto de críticas, dentro e fora do Brasil, não apenas por parte de bolsonaristas.

Nesse contexto, é positivo para sua imagem mostrar que não são rancores nem sentimentos de vingança que comandam suas decisões. Ainda mais porque, segundo a apuração, ele seria alvo preferencial de uma ação golpista.

Em todo caso, é bom para o país que o julgamento transcorra em clima sereno e sem contestação à autoridade do STF, que, cumpre apontar, está fazendo história.

Colômbia em risco de escalada da violência política

Folha de S. Paulo

Atentado contra pré-candidato e ataques a bombas tensionam o cenário de polarização, que foi estimulada por Petro

Os três tiros disparados no sábado (7) contra o senador Miguel Uribe, pré-candidato de direita à Presidência da Colômbia, e os ataques armados ocorridos três dias depois em Cali expuseram o país ao risco de reviver a brutal violência política dos anos 1980 e 1990.

Embora as motivações e a autoria intelectual da tentativa de assassinato ainda não tenham sido esclarecidas, a polarização ideológica, além da onipresença dos interesses dos cartéis do narcotráfico e das guerrilhas, aponta para uma campanha eleitoral no mínimo tensa em 2026.

Ferido por dois projéteis na cabeça e um no joelho, o senador continua em estado crítico e dificilmente retomará a disputa pela candidatura do Centro Democrático, partido fundado pelo ex-presidente Álvaro Uribe.

O suspeito pelos disparos é um adolescente de apenas 14 anos de idade, que foi preso a cerca de 350 metros do local do atentado, após ser baleado na perna por seguranças do pré-candidato. Na ocasião, confessou que cometeu o crime porque precisava do dinheiro para ajudar a família; na terça (10), porém, declarou-se inocente, segundo a agência AFP.

O presidente Gustavo Petro condenou o atentado, mas, em sua primeira manifestação sobre o caso, nem sequer citou o nome do senador, o que foi duramente criticado pela oposição.

A animosidade no cenário político colombiano vem escalando nos últimos anos, e o primeiro governo esquerdista do país, que chegou ao poder em 2022, tem contribuído para o fenômeno.

Com dificuldades para aprovar regulações trabalhistas, previdenciárias, da Justiça e do sistema de saúde, Petro, que tem índices modestos de popularidade, incita protestos populares em seu apoio com discurso persecutório. Em 2024, chegou a propor uma Assembleia Constituinte para alcançar seus objetivos.

O presidente também falhou em sua promessa de campanha de alcançar "a paz total". Em janeiro, uma crise humanitária foi deflagrada no norte do país com disputas violentas entre guerrilhas, como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que se associaram ao narcotráfico.

O atentado contra Uribe e os 24 ataques com fuzis e bombas na terça (10), que deixaram ao menos 7 mortos e 28 feridos, obviamente agravam o quadro.

A Colômbia está longe de ser exemplo único de violência política na região. Será deplorável, no entanto, um retrocesso após avanços penosamente conquistados nas últimas décadas.

Bolsonaro, o cândido

O Estado de S. Paulo

É desconcertante a naturalidade com que o ex-presidente admitiu ter discutido com chefes militares a adoção de medidas para se aferrar ao poder depois de ter sido

O réu Jair Messias Bolsonaro coreografou cada gesto, mediu cada palavra e ensaiou cada sorriso para ser interrogado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde de anteontem. O objetivo do ex-presidente ficou claro desde o início da sessão: fazer parecer que as maquinações para um golpe de Estado no final de 2022 não eram mais que “desabafos” ou expressões de seu temperamento “explosivo”. Os sorrisos, as selfies, as piadas e o ar bonachão foram milimetricamente calculados para transmitir a ideia de que a mobilização de civis e militares para impedir a posse do então presidente eleito Lula da Silva não teria extrapolado o terreno da “retórica” – a mesma que, segundo o próprio Bolsonaro, faz dele a personagem política raivosa que é há mais de 35 anos.

Se a canastrice de Bolsonaro não agradou nem a seus apoiadores mais fiéis, é muito improvável que convença seus julgadores. Porém, ainda que não surpreenda ninguém, foi espantosa a naturalidade com que o réu confessou ter articulado manobras claramente golpistas para se aferrar ao poder a despeito de uma derrota nas urnas acima de qualquer suspeita.

Ao admitir que levou ao conhecimento dos três comandantes das Forças Armadas à época dos fatos – o almirante Almir Garnier, o general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior – um documento que enumerava “considerandos” que, em sua visão, dariam azo à adoção de propostas “alternativas” à eleição, entre as quais a decretação de estado de sítio ou de defesa no País, o ex-presidente confessou, de maneira cândida, que a transferência pacífica de poder jamais esteve em seu radar. Nesse sentido, a explicação dada por Bolsonaro para não transmitir a faixa presidencial a Lula da Silva – o receio de ouvir “a maior vaia da história do Brasil” – é não apenas troncha, mas também reveladora de sua índole antidemocrática, fartamente demonstrada ao longo dos quatro anos de seu governo.

A discussão sobre propostas “alternativas” para reverter a derrota eleitoral de Bolsonaro não pode ser tomada como fato isolado. Foi, na verdade, o ápice da meticulosa construção de uma atmosfera golpista no País desde o primeiro dia de mandato do ex-presidente. Mesmo vencedor da eleição de 2018, vale lembrar, Bolsonaro criticou a integridade das urnas eletrônicas e lançou as bases da campanha de desqualificação do sistema eleitoral que culminou no infame 8 de Janeiro.

A fase de interrogatórios da Ação Penal (AP) 2668, ora encerrada, eviscerou algo que há muito já havia sido percebido por variados segmentos da sociedade. O Brasil só não mergulhou no caos social e institucional no final de 2022 porque não havia “clima” nem “margem sólida” para uma intentona, como confessou Bolsonaro anteontem. A conclusão lógica é incontornável: o golpe fracassou não por uma súbita conversão de Bolsonaro e seus asseclas ao regime das liberdades, mas por falta de oportunidade – ou de coragem, como lamentam até hoje os camisas pardas do bolsonarismo. É este, aliás, o ponto que mais inquieta e deve servir de alerta às instituições republicanas: o golpismo precisa ser duramente punido, dentro das mais estritas balizas constitucionais, para que jamais, havendo uma atmosfera mais propícia, digamos assim, outra intentona seja ensaiada no Brasil.

O País precisa compreender que o que esteve em risco não foi apenas o mandato legitimamente conquistado por Lula da Silva, mas o próprio regime democrático. Tratar as ações de Bolsonaro como meros “excessos verbais” ou “desabafos” passionais de um derrotado é minimizar uma conduta que afrontou a soberania da vontade popular, insultou a Constituição e colocou o Brasil na iminência de uma ruptura institucional.

Diante das evidências colhidas pela Polícia Federal e de confissões veladas ou nem tão veladas assim, a responsabilidade que ora recai sobre o Supremo é ímpar. E não só porque se trata da primeira vez em que a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito é aplicada concretamente, mas porque a democracia, para ser realmente vivida, não pode condescender com seus algozes.

O custo das guerras tarifárias

O Estado de S. Paulo

Enquanto Trump ergue muros, o mundo sente o tremor da desaceleração. OCDE rebaixou suas projeções de crescimento global para 2,9% em 2025 e 2026, o menor desde a pandemia

A mais recente edição do Panorama Econômico da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revela, com clareza cortante, os danos das políticas econômicas de Donald Trump – uma agenda que, ao invés de revitalizar, está acelerando a corrosão da confiança global, enfraquecendo mercados e aprofundando incertezas já crônicas. Suas guerras comerciais e tarifárias, mais que simples medidas econômicas, promovem um recuo à era das barricadas, um jogo de soma zero que penaliza o mundo inteiro – especialmente os próprios EUA e, de forma preocupante, o Brasil.

Enquanto Trump ergue muros, o mundo sente o tremor da desaceleração. A OCDE rebaixou suas projeções de crescimento global de 3,3% em 2024 para 2,9% em 2025 e 2026, o menor crescimento desde a pandemia.

Nos EUA, o tiro saiu pela culatra. Ao elevar as tarifas a níveis inéditos – de 2,5% para mais de 15%, o maior nível desde a Segunda Guerra –, a Casa Branca estimula um quadro inflacionário que corrói a competitividade e freia o crescimento, que deve cair de 2,8%, em 2024, para 1,6% em 2025 e 1,5% em 2026. O que deveria proteger indústrias, na prática, encarece insumos e distorce cadeias produtivas, como uma armadilha que aprisiona o próprio caminhar americano.

Para o Brasil, a tormenta é dupla. Os ventos contrários da desaceleração mundial se combinam com a irresponsabilidade fiscal interna, que ganhou força nos últimos anos. A OCDE já revisara a projeção de crescimento do Brasil em 2025 de 2,3% para 2,1%, e para 2026 projeta 1,6%. Enquanto isso, o governo Lula insiste em ampliar gastos e protelar reformas estruturais capazes de garantir sustentabilidade fiscal. Essa dissonância entre um cenário externo hostil e uma condução fiscal temerária compromete o potencial de crescimento brasileiro e coloca em risco a credibilidade do País.

Os EUA expõem um paradoxo cruel: enquanto Trump se proclama defensor do trabalhador americano, suas políticas tarifárias prejudicam justamente pequenos e médios empreendedores – o motor da economia real – que arcam com os custos de suas barreiras comerciais. O protecionismo, longe de ser um escudo, torna-se uma armadilha que enfraquece a competitividade e agrava vulnerabilidades.

Em contrapartida, a reação de economias alinhadas ao livre comércio começa a formar um contrapeso promissor. Blocos como o Acordo Transpacífico e a União Europeia reforçam suas parcerias, buscando aprimorar um sistema multilateral baseado na cooperação e na previsibilidade jurídica. Para o Brasil, a integração com esses mercados e a busca por acordos comerciais que privilegiem a abertura inteligente são estratégias essenciais para mitigar o impacto do protecionismo externo e fomentar o crescimento.

Dentro do País, a necessidade de disciplina fiscal nunca foi tão clara. O equilíbrio entre gastos obrigatórios e despesas discricionárias está comprometido, e o endividamento ameaça restringir ainda mais o espaço para políticas públicas eficazes. Enquanto a pandemia exigiu respostas rápidas e coordenadas, a atual conjuntura pede maturidade e reformas estruturais para garantir que a tempestade externa não precipite um naufrágio interno. O País não pode pagar para ver o custo de uma agenda que privilegia ganhos eleitorais em detrimento da saúde fiscal e do futuro econômico.

O impacto das políticas de Trump é um alerta: o protecionismo é um jogo de curto prazo que reflete mais insegurança do que força. No tabuleiro global, a prosperidade se constrói não com muros, mas com pontes – aquelas que fomentam a inovação, o livre comércio e o fortalecimento das instituições.

O desafio é grande. Não há balas de prata, mas também não há mistério. O Brasil pode e deve aproveitar as lições recentes para corrigir sua rota, aprimorar suas políticas fiscais e firmar alianças comerciais que favoreçam o desenvolvimento sustentável. A saída para a crise global, e para a brasileira em particular, passa pela reinvenção do compromisso com a abertura e com a responsabilidade fiscal – valores que resistem ao vendaval do protecionismo e ao populismo autoritário.

A essencial revisão fiscal

O Estado de S. Paulo

FMI faz novo alerta para esforço fiscal ‘ambicioso’ do Brasil. Talvez a crise do IOF seja a chance para isso

O Fundo Monetário Internacional (FMI) elevou de 2% para 2,3% a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em documento que destaca inúmeros pontos positivos do País, mas faz uma importante ressalva. Para garantir um desempenho econômico eficaz e colocar a dívida pública em trajetória decrescente, o País carece de “esforço fiscal sustentado e mais ambicioso, amparado por um arcabouço fiscal melhorado, mobilização de receita e medidas para as despesas”.

Não é a primeira vez que o FMI desaprova a apatia da política fiscal brasileira. Em relatório de julho de 2023, ao mais que dobrar a previsão de crescimento econômico no ano (de 0,9% para 2,1%), o fundo elogiou avanços, como a reforma tributária e o arcabouço fiscal, mas recomendou “um esforço fiscal mais ambicioso” para reduzir a dívida pública. Em bom português, foi como se dissesse que o empenho fiscal do Brasil era para inglês ver, ou que a boa intenção de equilibrar as contas públicas não estava sendo acompanhada por medidas suficientemente potentes.

Em outubro daquele mesmo ano, diante do desempenho agrícola extraordinário do Brasil e da desaceleração da economia mundial, o FMI revisou novamente a projeção, prevendo uma elevação de 3,1%. O PIB brasileiro cresceu 2,9% em 2023, como estimavam o mercado e o Banco Central àquela altura. A solidez do sistema financeiro, aliás, é um dos pontos de destaque do novo relatório do fundo, ao lado da política de câmbio flexível, reservas cambiais adequadas, progressos “notáveis” na contenção do desmatamento e até reformas ainda em andamento, como a do Imposto de Renda.

Mas a frouxidão da política fiscal não sai do radar. Em maio de 2024, lá estava o tema novamente, apesar do reconhecimento do compromisso da equipe econômica em melhorar a posição fiscal do Brasil. O FMI recomendava, então, a eliminação de renúncias tributárias ineficientes, a ampliação da base tributária e o corte rigoroso de gastos para abrir espaço a políticas prioritárias e, ao mesmo tempo, forçar a dívida a uma queda sustentável.

A reaproximação entre o Ministério da Fazenda e a cúpula do Congresso Nacional, depois do fiasco da proposta de mudanças no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), talvez propicie a discussão de um ajuste fiscal mais efetivo. Se de fato ocorrer – algo difícil, diante da relutância do Congresso em rever privilégios e da insistência do Executivo em elevar gastos –, será um desfecho inesperado do processo desastrado no qual o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou usar um imposto regulatório para aumentar a arrecadação do ano.

É a oportunidade de avançar estruturalmente na organização das contas públicas, o eixo que falta para garantir o crescimento sustentável. Em entrevista recente ao Estadão/Broadcast, o diretor executivo para o Brasil no FMI, André Roncaglia, reafirmou que o foco para o País é melhorar a qualidade do gasto público, frear o crescimento das despesas e enfrentar distorções como a incompatibilidade entre o aumento real do salário mínimo e os gastos com a Previdência. Uma receita conhecida há muito tempo.

Enfrentamento a bets segue a desejar

Correio Braziliense

O Brasil perde tempo ao não tratar a questão das apostas on-line de forma consistente. Relatório da CPI das bets e falta de articulação no Executivo indicam o problema

Instalada para apurar os impactos das apostas on-line no orçamento das famílias brasileiras e levantar informações sobre o possível envolvimento de sites de jogos de azar com organizações criminosas, a CPI das Bets caminha para o seu desfecho reforçando a sensação de que o país precisa buscar melhores estratégias para lidar com essa questão. O relatório final, a ser votado pelos senadores, é resultado de sete meses de trabalho de uma comissão parlamentar de inquérito que passou a maior parte do tempo esvaziada e recebeu uma série de críticas, como acusações de espetacularização e desvio de função durante audiências.

O prazo final para o funcionamento da CPI é este sábado, quando o relatório precisa ter sido apreciado. Integrantes da comissão se movimentam para conseguir mais tempo, sob o argumento de que importantes convocados ainda não foram ouvidos, como a influenciadora Deolane Bezerra, liberada a comparecer ao Senado por  um habeas corpus do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça. Mas o esforço tende a ser em vão. O que se diz nos corredores é que o presidente da Casa, Davi Alcolumbre, teria se irritado com o "show midiático" criado quando Virgínia Fonseca, outra famosa influenciadora, esteve na CPI e que pretende pôr fim ao colegiado.

O, digamos, desconforto tem razão de ser. Além das dispensáveis cenas de tietagem, parlamentares ouviram de Virgínia provocações que deveriam causar, no mínimo, um constrangimento. O que dizer do "Então, aí, tá complicado", proferido pela influenciadora quando questionada se recebe "pedidos de socorro" das famílias endividadas? Ela foi além: "Se realmente faz tão mal para a população, proíbe tudo (...) Se for decidido por vocês que tem que acabar, eu concordo que tem que acabar".

O relatório a ser votado prevê a manutenção das apostas esportivas — que, na avaliação da relatoria, trouxe ganhos ao esporte nacional —, desde que sejam adotadas "medidas de regulação mais rígidas". Sugere também o indiciamento de 16 pessoas, incluindo Virgínia e Deolane, além de empresários e representantes das casas de apostas, e apresenta medidas para ajudar a minimizar os danos aos apostadores. 

Os indiciamentos não são automáticos. Trata-se de uma sugestão a ser avaliada por órgãos competentes, como o Ministério Público. Quanto às medidas, cabe questionar se algumas serão de fato eficazes, como estabelecer que as apostas sejam disponibilizadas apenas à noite e parte da madrugada, o que pode, inclusive, facilitar a prática entre dependentes; e proibir a participação de inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), uma proposta que gera controvérsias jurídicas.

O fato é que o país perde tempo ao não tratar a questão das apostas on-line de forma consistente. Dados do ano passado já indicavam a ocorrência de movimentações bilionárias, e a divulgação das cifras veio acompanhada de promessas de enfrentamento por parte do Executivo federal. Um relatório divulgado, mês passado, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), porém, afirma faltar "articulação efetiva" entre os ministérios na adoção de providências.

Em artigo publicado neste Correio, o ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública Raul Jungmann alertou que há uma "omissão regulatória que abre espaço para evasão fiscal e lavagem de dinheiro por parte das bets" e que, ao não regulamentar esse mercado, o país, que enfrenta forte crise fiscal, perde a oportunidade "de transformar um mercado bilionário em uma fonte" de financiamento de "setores estratégicos sem aumento de carga tributária". É pauta para um bom e responsável debate, como se espera no tratamento de qualquer questão que gere grande impacto na sociedade brasileira.

Depoimento ao STF não ajuda Bolsonaro

O Povo (CE)

O resumo é que o ex-presidente, por um lado, nada ganhou bajulando Alexandre de Moraes e, por outro, pode ter a credibilidade abalada em suas próprias bases

O depoimento mais esperado entre os réus da tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes, era de Jair Bolsonaro, que aconteceu na terça-feira. Especulava-se que haveria confronto entre o relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o ex-presidente, o que acabou não acontecendo.

Pode-se dizer que, pelo menos uma vez em sua carreira política, Bolsonaro seguiu o conselho, desta vez de advogados, de que ele só teria a perder caso assumisse um comportamento agressivo.

Assim, o Bolsonaro que sentou-se no banco destinado aos réus, ao lado de seu advogado, parecia outra pessoa, comparando com o conhecido até agora, habituado aos arroubos e respostas agressivas.

É de se lembrar que Moraes já foi categorizado por Bolsonaro e seus aliados como "ditador", "canalha" e "carrasco" — e não faz muito tempo. Além disso, do ponto de vista do ex-presidente, ele estaria submetido a uma perseguição política do STF, acusado injustamente dos crimes que lhes são imputados.

Por isso, houve exagero na composição do personagem, que soou falso. Mais do que calmo e educado, Bolsonaro pareceu subserviente, tentando demonstrar uma proximidade que nunca teve com Moraes, pedindo licença para fazer brincadeiras, tratando o relator como "meu ministro" e pedindo-lhes desculpas por ataques anteriormente desferidos.

Se Bolsonaro leva a sério que é um perseguido político, deveria apresentar-se perante a Corte com mais sobriedade, demonstrando até certa indignação, comportamento mais apropriado a quem se diz vítima de uma injustiça.

O pior para o ex-presidente é que sua atitude em nada melhora a situação dele perante a Corte — de posse de uma avalanche de provas da tentativa de golpe —, e pode provocar reações negativas entre os bolsonaristas radicais.

Pelo menos algum incômodo haverão de sentir aqueles que atenderam aos comandos de Bolsonaro, quando ele agredia verbalmente o STF, especialmente o ministro Alexandre de Moraes, e punha em dúvida a lisura das eleições, desferindo ataques às urnas eletrônicas.

Além disso, durante o interrogatório, Bolsonaro chamou de "malucos" os seguidores que, incentivados por ele, saíram às ruas para pedir "intervenção militar", de modo a mantê-lo no poder, mesmo com a derrota eleitoral. Negou ainda que tenha incentivado os atos golpistas de 8 de janeiro: "Não teve estímulo da minha parte a fazer nada de errado", disse.

O resumo é que Bolsonaro, por um lado, nada ganhou bajulando Alexandre de Moraes e, por outro, pode ter a credibilidade abalada em suas próprias bases que, até hoje, lhe ofereceram apoio incondicional.

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