Se governo finge não haver crise fiscal, Congresso deve agir
O Globo
Ninguém aguenta mais imposto. Ou Executivo e
Legislativo cortam gastos, ou então país caminhará para o caos
Diante da inércia do Executivo em tomar as
medidas necessárias para ajustar as contas
públicas, o presidente da Câmara, Hugo Motta,
afirmou ter passado da hora de discutir cortes em despesas obrigatórias: “O
Brasil caminha para a ingovernabilidade completa para quem quer que venha a ser
presidente”. Ele tem razão. E faria bem em se adiantar. A questão não diz
respeito só ao Executivo, mas também à Câmara e ao Senado. Todo mundo está
cansado de saber as medidas necessárias para conter a explosão da dívida — e,
definitivamente, aumentar impostos não está entre elas.
O pacote frustrante ensaiado pelo governo é mais uma ofensa ao brasileiro. Depois de muito suspense, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu com os presidentes da Câmara, do Senado e líderes partidários para discutir alternativas à alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) rechaçada pela classe política e pelo setor produtivo. O próprio Haddad falara em medidas de longo prazo. O que se viu foi a enganação de sempre: o avanço sobre o contribuinte para tapar o rombo de um governo perdulário.
Pela Medida Provisória editada ontem, o
governo volta atrás na alta do IOF em algumas operações e muda regras ou
alíquotas noutras. Ainda tenta compensar a perda de arrecadação aumentando a
taxação sobre as bets (de 12% para 18%) — além da insegurança jurídica, isso
empurra empresas de apostas à ilegalidade, depois de todo o esforço pela
regulamentação. Por fim, aumenta a contribuição sobre lucros, unifica a
alíquota de Imposto de Renda sobre aplicações financeiras e acaba com a isenção
para títulos como LCIs e LCAs — medida com impacto nos dois setores, ensejando
aumento no preço de alimentos e construção civil.
Ninguém aguenta mais a voracidade sobre o
bolso do brasileiro para compensar a inépcia e a gastança do setor público. Ou
o governo entende que precisa cortar gastos, ou a situação só piorará. Motta
deixou claro que o Congresso não tem compromisso em aprovar um pacote que
desagrade a todos. Até União Brasil e Progressistas, partidos com cargos no
Planalto, são contra. Um alvo óbvio dos cortes são as emendas parlamentares,
uma das distorções mais escandalosas do Orçamento, foco de desperdício e
corrupção.
Já que o Executivo continua fingindo que não
há crise fiscal, o Congresso tem o dever de conter a explosão inexorável das
despesas. Se a intenção é buscar uma trajetória sustentável para a dívida
pública, é fundamental desvincular do salário mínimo o reajuste de
aposentadorias e benefícios previdenciários. Não adianta se iludir. Sem isso, o
rombo só crescerá. Outra medida necessária é acabar com a vinculação das
despesas de saúde e educação à arrecadação, restaurada pelo arcabouço fiscal.
Sem isso, as despesas obrigatórias consumirão espaço cada vez maior no
Orçamento. E o caos será inevitável.
O governo deveria saber que qualquer nova
taxação afugenta investimentos, pressiona a inflação, os juros e contribui para
puxar o freio da economia. Em dois anos e meio de mandato, o presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva não deu sinais de que esteja preocupado com o ajuste fiscal. Tudo o que
faz é lançar programas populistas sem respaldo no Orçamento. Mais uma razão
para que o Congresso assuma suas responsabilidades. Executivo e Legislativo
precisam enfrentar as questões estruturais e cortar despesas. Ninguém tolera
mais aumento de imposto.
Depoimento de Bolsonaro deixou claro por que
ele deve ser condenado
O Globo
Ex-presidente confirmou fatos da investigação
e não conseguiu se distanciar da tentativa de golpe
No depoimento do ex-presidente Jair
Bolsonaro à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF),
parte do processo em que é acusado de ter liderado uma tentativa de golpe de
Estado, ficou evidente por que ele deve ser condenado. Bolsonaro confirmou
praticamente todos os fatos apurados pela investigação da Polícia Federal (PF)
e não conseguiu se distanciar dos planos para ruptura do Estado de Direito. Sua
insistência em dizer que agiu dentro dos limites da Constituição é logicamente
inconsistente com a admissão de ter conversado sobre “alternativas” para anular
a eleição.
Nas pouco mais de duas horas do depoimento,
Bolsonaro voltou a insistir num argumento sem nexo. Reconheceu ter, depois da
derrota nas urnas em 2022, conversado com os comandantes das Forças Armadas
sobre alternativas para se manter no poder. Mas negou a intenção de golpe.
Lembrou que instrumentos como Estado de Sítio ou Garantia da Lei e da Ordem
estão previstos na Constituição, mas se esqueceu de dizer que uma derrota
eleitoral não está entre as justificativas para eles.
Os ex-comandantes do Exército Marco Antônio
Freire Gomes e da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior não tiveram
dúvida sobre a intenção golpista, razão por que não aderiram, como disseram em
depoimento à PF e confirmaram ao STF. A intenção era impedir a posse de Luiz
Inácio Lula da Silva, vitorioso nas eleições.
Diante das evidências, não houve tentativa
dos réus para negar a existência de minutas destinadas a conferir um verniz de
legalidade à ruptura institucional. A estratégia foi chamá-las de
“considerandos”, como fizeram Bolsonaro, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio
Nogueira e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier. Os três confirmaram que,
na reunião fatídica em dezembro de 2022 no Palácio da Alvorada, uma versão do
texto foi projetada numa tela. “Era um estudo, e ele disse que voltaria
oportunamente a tratar esse assunto”, afirmou Nogueira.
Bolsonaro foi infeliz ao tentar explorar o
humor em seu depoimento. Sem considerar que está inelegível, convidou o
ministro do STF Alexandre
de Moraes, relator da ação penal, a ser seu vice nas eleições presidenciais
do ano que vem. Moraes declinou e, como a plateia, deu risada, quando deveria
ter adotado atitude mais sóbria.
Pressionado, Bolsonaro pediu desculpas por
ter insinuado, em reunião gravada, que Moraes e outros dois ministros do STF
haviam recebido propina para defender a segurança das urnas eletrônicas e
fraudar as eleições. “Não tenho indício nenhum, senhor ministro. Era uma
reunião para não ser gravada. Foi um desabafo”, afirmou.
Nem no tribunal da opinião pública o
depoimento de Bolsonaro surtiu o efeito esperado. Seus apoiadores não pouparam
críticas. E, embora positiva, sua retratação não muda o essencial: ele insistiu
numa versão inverossímil sobre suas intenções, desafiando as evidências
coletadas. Ao tramar a quebra do Estado Democrático de Direito, Bolsonaro
ultrapassou em muito as proverbiais “quatro linhas” de que tanto fala. Por isso
deve ser condenado.
Redução de renúncias fiscais não dispensa
corte de gastos
Valor Econômico
Uma crise anunciada pode ser evitada, mas é
provável que o governo faça mudanças cosméticas até as eleições
Os gastos tributários, a renúncia de receitas
por parte da União e dos Estados, se perpetuam e aumentam a tal ponto que hoje
até mesmo a Receita Federal não sabe o tamanho certo dos recursos que deixam de
entrar nos cofres públicos. Em 2025, os programas foram estimados oficialmente
em R$ 544,47 bilhões, ou 4,4% do PIB, e quase um quinto da arrecadação
administrada pela Receita (19,72%). Nos Estados, atingirão R$ 2,4% do PIB neste
ano, ou R$ 276,8 bilhões, segundo cálculos de Manoel Pires e Giosvaldo Teixeira
Jr., pesquisadores do FGV Ibre. Somados, chegam a R$ 821,3 bilhões. Esse valor
deve ser ainda maior. A Receita instituiu no ano passado a Declaração de
Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades (Dirbi) no Imposto de Renda das
Pessoas Jurídicas, e com os números em mãos das empresas notou que os
benefícios relatados são mais elevados, podendo chegar a R$ 800 bilhões, quase
50% a mais do que o estimado.
Reduzir gastos tributários foi um desejo de
quase todos os governantes brasileiros neste século, mas eles não só não
levaram à frente a ideia, como ajudaram a ampliar a lista de benefícios. Quando
Lula tomou posse em 2003, essas desonerações tributárias equivaliam a 1,3% do
PIB, e, quando terminou seu segundo mandato (2010), tinham aumentado para 3,42%
do PIB. Jair Bolsonaro assumiu a Presidência com renúncia de receitas de 4,39%
e a deixou com 4,76% do PIB.
Desta vez, o empurrão para mais uma tentativa
de discutir corte dos gastos tributários partiu do presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta, e o governo Lula logo encampou a ideia, pois ela
evitaria a redução das despesas e, se bem-sucedida, dispensaria batalhas
desgastantes com o Congresso para aumentar impostos. Cortar os benefícios é um
pesadelo burocrático, mas o fato é que existe uma emenda constitucional
aprovada desde 2021, a EC 109, exigindo que sejam reduzidos em 10% ao ano até
atingir 2% em 2029. Apesar da determinação, nada aconteceu.
Para diminuir os riscos de batalhas
judiciais, o governo prepara medidas para obter um corte nos benefícios que não
estão na Constituição. No total, há 73 programas contemplados. A Warren
Investimentos estimou que 13% dos gastos estão “constitucionalizados”. Se a
eles for acrescido o Simples Nacional, que tem partes respaldadas na
Constituição, a conta sobe para 33%, um terço do total (Valor, ontem). Felipe Salto,
economista-chefe da Warren, estima que metade dos R$ 544,4 bilhões de
desonerações previstos para 2025 podem ser cortada. A redução de 10% traria
receitas de R$ 21 bilhões em 2026.
Há benefícios que são praticamente blindados,
como Simples, a desoneração da cesta básica, a isenção para entidades sem fins
lucrativos e Zona Franca de Manaus. Juntas, perfazem R$ 289,4 bilhões, mais da
metade do total. Há outros benefícios que têm um custo político alto para
eliminação ou redução, como é o caso das deduções com saúde e educação do
Imposto de Renda da Pessoa Física, que subtrai R$ 34,8 bilhões das receitas
federais e rendimentos isentos do IR (R$ 57 bilhões). Levando isso em
consideração, os economistas do Itaú Unibanco acreditam que um corte de 10%
traria R$ 16 bilhões para a União no ano.
Há tantos e tão diversificados programas, com
benefícios de muitos tipos, que agregar regras para o que deve ser cortado é um
exercício extremamente complexo, quase chegando ao limite de exigir uma lei
para cada um. Mas a complexidade das mudanças é apenas um dos aspectos
mirabolantes de benefícios quase trilhardários. Estudo do professor da Fundação
Dom Cabral e colunista do Valor Bruno
Carazza, feito em 73 programas de isenções e renúncias fiscais vigentes de 2019
a 2024, constatou que 61,4% dos incentivos não tinham prazo para acabar.
Além disso, praticamente dois terços (65,8%)
não previam qualquer órgão federal com atribuição de fiscalizar seu uso, e, o
que é igualmente inacreditável, 80,8% não exigiam nenhuma contrapartida -
geração de emprego, aumento de exportações ou investimentos (Valor, 9 de
junho). Nas palavras de Carazza, “a União abre mão de centenas de bilhões de
reais todos os anos, e as empresas não oferecem nada em troca”.
Desde 2020, o órgão do governo criado para
avaliação de políticas públicas, o Cmap, enviou a deputados e senadores
propostas de ajustes em 50 programas, segundo Carazza. De novo, nada aconteceu.
O Congresso, que, atendendo à pressão de lobbies variados, aprovou a ampliação
desmesurada das renúncias fiscais, não tem demonstrado o mínimo interesse de
saber como eles desempenham, se dão bons resultados para o país, quais precisam
de correções de rota e quais deveriam ser extintos. Espera-se que com o empurrão
de Motta o Legislativo seja proativo nesse campo.
Se o corte nos benefícios prosperar - um
enorme se -, ainda assim será preciso cortar gastos, como lembrou Hugo Motta,
para estancar o crescimento das despesas obrigatórias e evitar um apagão do
governo que pode ocorrer em 2027. Há várias formas de fazer isso, mas o governo
reluta em adotá-las. Uma crise anunciada pode ser evitada, mas é provável que o
governo faça mudanças cosméticas até as eleições.
Em julgamento histórico, resta a Bolsonaro
reduzir danos
Folha de S. Paulo
Ex-presidente e auxiliares não confrontam
Moraes nem negam fatos já comprovados, mirando dosimetria e regime de prisão
O que de mais surpreendente surgiu no
interrogatório dos réus do núcleo principal da trama golpista —Jair
Bolsonaro (PL)
e sete ex-auxiliares diretos— foi o clima ameno, quase cordial, que predominou
nas audiências do Supremo Tribunal Federal.
Quem esperava alguma altercação verbal entre
Bolsonaro e o ministro relator do caso, Alexandre
de Moraes, deparou-se com troca de urbanidades salpicadas por momentos de
bom humor.
Ao que parece, os réus já assimilaram que uma
sentença condenatória é praticamente inevitável e se concentram em outros
objetivos, como dosimetria da pena e regime de prisão. Nessas condições, não
convém indispor-se com o relator.
A percepção de que os acusados de tramar um
golpe de Estado buscam a redução de danos é reforçada pelas estratégias
escolhidas por suas defesas técnicas.
Nenhum dos advogados atacou com maior ímpeto
lacunas e contradições nos depoimentos do réu delator, Mauro Cid,
nos quais a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) está
fortemente baseada. Esse teria sido um caminho possível, mas que os experientes
defensores visivelmente preferiram evitar.
Na mesma linha, os depoentes não foram de
modo geral orientados a tentar negar o que a essa altura já é inegável, dada a
profusão de provas. Pelo contrário, vários deles, incluindo Bolsonaro,
admitiram que chegaram a discutir a adoção de medidas como estado de sítio ou
de defesa para tentar contrapor-se ao resultado da eleição perdida em 2022.
Tal reconhecimento é politicamente
escandaloso, já que tais medidas implicariam uma utilização desvirtuada e
ilegal de mecanismos constitucionais, mas não traz, ao menos não diretamente,
problemas penais.
A tentativa de golpe de Estado só se torna
juridicamente punível quando sai da fase de planejamento e preparação e entra
na de execução. O argumento dos réus é justamente o de que essas
foram ideias informalmente debatidas, que nunca teriam saído do campo da
cogitação. Cabe à acusação demonstrar que saíram.
Da parte de Moraes, a
lhaneza provavelmente também é calculada. O magistrado deve passar à
história como o juiz que presidiu à primeira condenação de políticos e
militares de alta patente que atentaram contra o Estado de Direito no Brasil.
Entretanto o excesso de heterodoxias de que
se valeu —algumas necessárias, mas não todas— tornou-se objeto de críticas,
dentro e fora do Brasil, não apenas por parte de bolsonaristas.
Nesse contexto, é positivo para sua imagem
mostrar que não são rancores nem sentimentos de vingança que comandam suas
decisões. Ainda mais porque, segundo a apuração, ele seria alvo preferencial de
uma ação golpista.
Em todo caso, é bom para o país que o
julgamento transcorra em clima sereno e sem contestação à autoridade do STF, que, cumpre
apontar, está fazendo história.
Colômbia em risco de escalada da violência
política
Folha de S. Paulo
Atentado contra pré-candidato e ataques a
bombas tensionam o cenário de polarização, que foi estimulada por Petro
Os três tiros disparados no sábado (7) contra
o senador Miguel Uribe, pré-candidato de direita à Presidência da Colômbia, e os
ataques armados ocorridos três dias depois em Cali expuseram o país ao risco de
reviver a brutal violência política dos anos 1980 e 1990.
Embora as motivações e a autoria intelectual
da tentativa de assassinato ainda não tenham sido esclarecidas, a polarização
ideológica, além da onipresença dos interesses dos cartéis do narcotráfico e
das guerrilhas, aponta para uma campanha eleitoral no mínimo tensa em 2026.
Ferido por dois projéteis na cabeça e um no
joelho, o senador continua em estado crítico e dificilmente retomará a disputa
pela candidatura do Centro Democrático, partido fundado pelo ex-presidente
Álvaro Uribe.
O suspeito pelos disparos é um adolescente de
apenas 14 anos de idade, que foi preso a cerca de 350 metros do local do
atentado, após ser baleado na perna por seguranças do pré-candidato. Na
ocasião, confessou que cometeu o crime porque precisava do dinheiro para ajudar
a família; na terça (10), porém, declarou-se inocente, segundo a agência AFP.
O presidente Gustavo Petro condenou
o atentado, mas, em sua primeira manifestação sobre o caso, nem sequer citou o
nome do senador, o que foi duramente criticado pela oposição.
A animosidade no cenário político colombiano
vem escalando nos últimos anos, e o primeiro governo esquerdista do país, que
chegou ao poder em 2022, tem contribuído para o fenômeno.
Com dificuldades para aprovar regulações
trabalhistas, previdenciárias, da Justiça e do sistema de saúde, Petro, que tem
índices modestos de popularidade, incita protestos populares em seu apoio com
discurso persecutório. Em 2024, chegou a propor uma Assembleia Constituinte
para alcançar seus objetivos.
O presidente também falhou em sua promessa de
campanha de alcançar "a paz total". Em janeiro, uma crise humanitária
foi deflagrada no norte do país com
disputas violentas entre guerrilhas, como o Exército de Libertação Nacional
(ELN) e dissidências das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) que
se associaram ao narcotráfico.
O atentado contra Uribe e os 24 ataques com
fuzis e bombas na terça (10), que
deixaram ao menos 7 mortos e 28 feridos, obviamente agravam o quadro.
A Colômbia está longe de ser exemplo único de violência política na região. Será deplorável, no entanto, um retrocesso após avanços penosamente conquistados nas últimas décadas.
Bolsonaro, o cândido
O Estado de S. Paulo
É desconcertante a naturalidade com que o
ex-presidente admitiu ter discutido com chefes militares a adoção de medidas
para se aferrar ao poder depois de ter sido
O réu Jair Messias Bolsonaro coreografou cada
gesto, mediu cada palavra e ensaiou cada sorriso para ser interrogado pela
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde de anteontem. O
objetivo do ex-presidente ficou claro desde o início da sessão: fazer parecer
que as maquinações para um golpe de Estado no final de 2022 não eram mais que
“desabafos” ou expressões de seu temperamento “explosivo”. Os sorrisos, as
selfies, as piadas e o ar bonachão foram milimetricamente calculados para
transmitir a ideia de que a mobilização de civis e militares para impedir a
posse do então presidente eleito Lula da Silva não teria extrapolado o terreno
da “retórica” – a mesma que, segundo o próprio Bolsonaro, faz dele a personagem
política raivosa que é há mais de 35 anos.
Se a canastrice de Bolsonaro não agradou nem
a seus apoiadores mais fiéis, é muito improvável que convença seus julgadores.
Porém, ainda que não surpreenda ninguém, foi espantosa a naturalidade com que o
réu confessou ter articulado manobras claramente golpistas para se aferrar ao
poder a despeito de uma derrota nas urnas acima de qualquer suspeita.
Ao admitir que levou ao conhecimento dos três
comandantes das Forças Armadas à época dos fatos – o almirante Almir Garnier, o
general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior – um documento que
enumerava “considerandos” que, em sua visão, dariam azo à adoção de propostas
“alternativas” à eleição, entre as quais a decretação de estado de sítio ou de
defesa no País, o ex-presidente confessou, de maneira cândida, que a
transferência pacífica de poder jamais esteve em seu radar. Nesse sentido, a
explicação dada por Bolsonaro para não transmitir a faixa presidencial a Lula
da Silva – o receio de ouvir “a maior vaia da história do Brasil” – é não
apenas troncha, mas também reveladora de sua índole antidemocrática, fartamente
demonstrada ao longo dos quatro anos de seu governo.
A discussão sobre propostas “alternativas”
para reverter a derrota eleitoral de Bolsonaro não pode ser tomada como fato
isolado. Foi, na verdade, o ápice da meticulosa construção de uma atmosfera
golpista no País desde o primeiro dia de mandato do ex-presidente. Mesmo
vencedor da eleição de 2018, vale lembrar, Bolsonaro criticou a integridade das
urnas eletrônicas e lançou as bases da campanha de desqualificação do sistema
eleitoral que culminou no infame 8 de Janeiro.
A fase de interrogatórios da Ação Penal (AP)
2668, ora encerrada, eviscerou algo que há muito já havia sido percebido por
variados segmentos da sociedade. O Brasil só não mergulhou no caos social e
institucional no final de 2022 porque não havia “clima” nem “margem sólida”
para uma intentona, como confessou Bolsonaro anteontem. A conclusão lógica é
incontornável: o golpe fracassou não por uma súbita conversão de Bolsonaro e
seus asseclas ao regime das liberdades, mas por falta de oportunidade – ou de
coragem, como lamentam até hoje os camisas pardas do bolsonarismo. É este,
aliás, o ponto que mais inquieta e deve servir de alerta às instituições
republicanas: o golpismo precisa ser duramente punido, dentro das mais estritas
balizas constitucionais, para que jamais, havendo uma atmosfera mais propícia,
digamos assim, outra intentona seja ensaiada no Brasil.
O País precisa compreender que o que esteve
em risco não foi apenas o mandato legitimamente conquistado por Lula da Silva,
mas o próprio regime democrático. Tratar as ações de Bolsonaro como meros
“excessos verbais” ou “desabafos” passionais de um derrotado é minimizar uma
conduta que afrontou a soberania da vontade popular, insultou a Constituição e
colocou o Brasil na iminência de uma ruptura institucional.
Diante das evidências colhidas pela Polícia
Federal e de confissões veladas ou nem tão veladas assim, a responsabilidade
que ora recai sobre o Supremo é ímpar. E não só porque se trata da primeira vez
em que a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito é aplicada
concretamente, mas porque a democracia, para ser realmente vivida, não pode
condescender com seus algozes.
O custo das guerras tarifárias
O Estado de S. Paulo
Enquanto Trump ergue muros, o mundo sente o
tremor da desaceleração. OCDE rebaixou suas projeções de crescimento global
para 2,9% em 2025 e 2026, o menor desde a pandemia
A mais recente edição do Panorama
Econômico da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) revela, com clareza cortante, os danos das políticas econômicas de
Donald Trump – uma agenda que, ao invés de revitalizar, está acelerando a
corrosão da confiança global, enfraquecendo mercados e aprofundando incertezas
já crônicas. Suas guerras comerciais e tarifárias, mais que simples medidas
econômicas, promovem um recuo à era das barricadas, um jogo de soma zero que
penaliza o mundo inteiro – especialmente os próprios EUA e, de forma preocupante,
o Brasil.
Enquanto Trump ergue muros, o mundo sente o
tremor da desaceleração. A OCDE rebaixou suas projeções de crescimento global
de 3,3% em 2024 para 2,9% em 2025 e 2026, o menor crescimento desde a pandemia.
Nos EUA, o tiro saiu pela culatra. Ao elevar
as tarifas a níveis inéditos – de 2,5% para mais de 15%, o maior nível desde a
Segunda Guerra –, a Casa Branca estimula um quadro inflacionário que corrói a
competitividade e freia o crescimento, que deve cair de 2,8%, em 2024, para
1,6% em 2025 e 1,5% em 2026. O que deveria proteger indústrias, na prática,
encarece insumos e distorce cadeias produtivas, como uma armadilha que
aprisiona o próprio caminhar americano.
Para o Brasil, a tormenta é dupla. Os ventos
contrários da desaceleração mundial se combinam com a irresponsabilidade fiscal
interna, que ganhou força nos últimos anos. A OCDE já revisara a projeção de
crescimento do Brasil em 2025 de 2,3% para 2,1%, e para 2026 projeta 1,6%.
Enquanto isso, o governo Lula insiste em ampliar gastos e protelar reformas
estruturais capazes de garantir sustentabilidade fiscal. Essa dissonância entre
um cenário externo hostil e uma condução fiscal temerária compromete o potencial
de crescimento brasileiro e coloca em risco a credibilidade do País.
Os EUA expõem um paradoxo cruel: enquanto
Trump se proclama defensor do trabalhador americano, suas políticas tarifárias
prejudicam justamente pequenos e médios empreendedores – o motor da economia
real – que arcam com os custos de suas barreiras comerciais. O protecionismo,
longe de ser um escudo, torna-se uma armadilha que enfraquece a competitividade
e agrava vulnerabilidades.
Em contrapartida, a reação de economias
alinhadas ao livre comércio começa a formar um contrapeso promissor. Blocos
como o Acordo Transpacífico e a União Europeia reforçam suas parcerias,
buscando aprimorar um sistema multilateral baseado na cooperação e na
previsibilidade jurídica. Para o Brasil, a integração com esses mercados e a
busca por acordos comerciais que privilegiem a abertura inteligente são
estratégias essenciais para mitigar o impacto do protecionismo externo e
fomentar o crescimento.
Dentro do País, a necessidade de disciplina
fiscal nunca foi tão clara. O equilíbrio entre gastos obrigatórios e despesas
discricionárias está comprometido, e o endividamento ameaça restringir ainda
mais o espaço para políticas públicas eficazes. Enquanto a pandemia exigiu
respostas rápidas e coordenadas, a atual conjuntura pede maturidade e reformas
estruturais para garantir que a tempestade externa não precipite um naufrágio
interno. O País não pode pagar para ver o custo de uma agenda que privilegia ganhos
eleitorais em detrimento da saúde fiscal e do futuro econômico.
O impacto das políticas de Trump é um alerta:
o protecionismo é um jogo de curto prazo que reflete mais insegurança do que
força. No tabuleiro global, a prosperidade se constrói não com muros, mas com
pontes – aquelas que fomentam a inovação, o livre comércio e o fortalecimento
das instituições.
O desafio é grande. Não há balas de prata,
mas também não há mistério. O Brasil pode e deve aproveitar as lições recentes
para corrigir sua rota, aprimorar suas políticas fiscais e firmar alianças
comerciais que favoreçam o desenvolvimento sustentável. A saída para a crise
global, e para a brasileira em particular, passa pela reinvenção do compromisso
com a abertura e com a responsabilidade fiscal – valores que resistem ao
vendaval do protecionismo e ao populismo autoritário.
A essencial revisão fiscal
O Estado de S. Paulo
FMI faz novo alerta para esforço fiscal
‘ambicioso’ do Brasil. Talvez a crise do IOF seja a chance para isso
O Fundo Monetário Internacional (FMI) elevou
de 2% para 2,3% a projeção de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do
Brasil em documento que destaca inúmeros pontos positivos do País, mas faz uma
importante ressalva. Para garantir um desempenho econômico eficaz e colocar a
dívida pública em trajetória decrescente, o País carece de “esforço fiscal
sustentado e mais ambicioso, amparado por um arcabouço fiscal melhorado,
mobilização de receita e medidas para as despesas”.
Não é a primeira vez que o FMI desaprova a
apatia da política fiscal brasileira. Em relatório de julho de 2023, ao mais
que dobrar a previsão de crescimento econômico no ano (de 0,9% para 2,1%), o
fundo elogiou avanços, como a reforma tributária e o arcabouço fiscal, mas
recomendou “um esforço fiscal mais ambicioso” para reduzir a dívida pública. Em
bom português, foi como se dissesse que o empenho fiscal do Brasil era para
inglês ver, ou que a boa intenção de equilibrar as contas públicas não estava
sendo acompanhada por medidas suficientemente potentes.
Em outubro daquele mesmo ano, diante do
desempenho agrícola extraordinário do Brasil e da desaceleração da economia
mundial, o FMI revisou novamente a projeção, prevendo uma elevação de 3,1%. O
PIB brasileiro cresceu 2,9% em 2023, como estimavam o mercado e o Banco Central
àquela altura. A solidez do sistema financeiro, aliás, é um dos pontos de
destaque do novo relatório do fundo, ao lado da política de câmbio flexível,
reservas cambiais adequadas, progressos “notáveis” na contenção do desmatamento
e até reformas ainda em andamento, como a do Imposto de Renda.
Mas a frouxidão da política fiscal não sai do
radar. Em maio de 2024, lá estava o tema novamente, apesar do reconhecimento do
compromisso da equipe econômica em melhorar a posição fiscal do Brasil. O FMI
recomendava, então, a eliminação de renúncias tributárias ineficientes, a
ampliação da base tributária e o corte rigoroso de gastos para abrir espaço a
políticas prioritárias e, ao mesmo tempo, forçar a dívida a uma queda
sustentável.
A reaproximação entre o Ministério da Fazenda
e a cúpula do Congresso Nacional, depois do fiasco da proposta de mudanças no
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), talvez propicie a discussão de um
ajuste fiscal mais efetivo. Se de fato ocorrer – algo difícil, diante da
relutância do Congresso em rever privilégios e da insistência do Executivo em
elevar gastos –, será um desfecho inesperado do processo desastrado no qual o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou usar um imposto regulatório para aumentar
a arrecadação do ano.
É a oportunidade de avançar estruturalmente na organização das contas públicas, o eixo que falta para garantir o crescimento sustentável. Em entrevista recente ao Estadão/Broadcast, o diretor executivo para o Brasil no FMI, André Roncaglia, reafirmou que o foco para o País é melhorar a qualidade do gasto público, frear o crescimento das despesas e enfrentar distorções como a incompatibilidade entre o aumento real do salário mínimo e os gastos com a Previdência. Uma receita conhecida há muito tempo.
Enfrentamento a bets segue a desejar
Correio Braziliense
O Brasil perde tempo ao não tratar a questão
das apostas on-line de forma consistente. Relatório da CPI das bets e falta de
articulação no Executivo indicam o problema
Instalada para apurar os impactos das apostas
on-line no orçamento das famílias brasileiras e levantar informações sobre o
possível envolvimento de sites de jogos de azar com organizações criminosas, a
CPI das Bets caminha para o seu desfecho reforçando a sensação de que o país
precisa buscar melhores estratégias para lidar com essa questão. O relatório
final, a ser votado pelos senadores, é resultado de sete meses de trabalho de
uma comissão parlamentar de inquérito que passou a maior parte do tempo esvaziada
e recebeu uma série de críticas, como acusações de espetacularização e desvio
de função durante audiências.
O prazo final para o funcionamento da CPI é
este sábado, quando o relatório precisa ter sido apreciado. Integrantes da
comissão se movimentam para conseguir mais tempo, sob o argumento de que
importantes convocados ainda não foram ouvidos, como a influenciadora Deolane
Bezerra, liberada a comparecer ao Senado por um habeas corpus do ministro
do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça. Mas o esforço tende a ser em
vão. O que se diz nos corredores é que o presidente da Casa, Davi Alcolumbre, teria
se irritado com o "show midiático" criado quando Virgínia Fonseca,
outra famosa influenciadora, esteve na CPI e que pretende pôr fim ao colegiado.
O, digamos, desconforto tem razão de ser.
Além das dispensáveis cenas de tietagem, parlamentares ouviram de Virgínia
provocações que deveriam causar, no mínimo, um constrangimento. O que dizer do
"Então, aí, tá complicado", proferido pela influenciadora quando
questionada se recebe "pedidos de socorro" das famílias endividadas?
Ela foi além: "Se realmente faz tão mal para a população, proíbe tudo
(...) Se for decidido por vocês que tem que acabar, eu concordo que tem que
acabar".
O relatório a ser votado prevê a manutenção
das apostas esportivas — que, na avaliação da relatoria, trouxe ganhos ao
esporte nacional —, desde que sejam adotadas "medidas de regulação mais
rígidas". Sugere também o indiciamento de 16 pessoas, incluindo Virgínia e
Deolane, além de empresários e representantes das casas de apostas, e apresenta
medidas para ajudar a minimizar os danos aos apostadores.
Os indiciamentos não são automáticos.
Trata-se de uma sugestão a ser avaliada por órgãos competentes, como o
Ministério Público. Quanto às medidas, cabe questionar se algumas serão de fato
eficazes, como estabelecer que as apostas sejam disponibilizadas apenas à noite
e parte da madrugada, o que pode, inclusive, facilitar a prática entre
dependentes; e proibir a participação de inscritos no Cadastro Único
(CadÚnico), uma proposta que gera controvérsias jurídicas.
O fato é que o país perde tempo ao não tratar
a questão das apostas on-line de forma consistente. Dados do ano passado já
indicavam a ocorrência de movimentações bilionárias, e a divulgação das cifras
veio acompanhada de promessas de enfrentamento por parte do Executivo federal.
Um relatório divulgado, mês passado, pelo Tribunal de Contas da União (TCU),
porém, afirma faltar "articulação efetiva" entre os ministérios na
adoção de providências.
Em artigo publicado neste Correio, o ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública Raul Jungmann alertou que há uma "omissão regulatória que abre espaço para evasão fiscal e lavagem de dinheiro por parte das bets" e que, ao não regulamentar esse mercado, o país, que enfrenta forte crise fiscal, perde a oportunidade "de transformar um mercado bilionário em uma fonte" de financiamento de "setores estratégicos sem aumento de carga tributária". É pauta para um bom e responsável debate, como se espera no tratamento de qualquer questão que gere grande impacto na sociedade brasileira.
Depoimento ao STF não ajuda Bolsonaro
O Povo (CE)
O resumo é que o ex-presidente, por um lado,
nada ganhou bajulando Alexandre de Moraes e, por outro, pode ter a
credibilidade abalada em suas próprias bases
O depoimento mais esperado entre os réus da
tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes, era de Jair Bolsonaro, que
aconteceu na terça-feira. Especulava-se que haveria confronto entre o relator
do processo, ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e
o ex-presidente, o que acabou não acontecendo.
Pode-se dizer que, pelo menos uma vez em sua
carreira política, Bolsonaro seguiu o conselho, desta vez de advogados, de que
ele só teria a perder caso assumisse um comportamento agressivo.
Assim, o Bolsonaro que sentou-se no banco
destinado aos réus, ao lado de seu advogado, parecia outra pessoa, comparando
com o conhecido até agora, habituado aos arroubos e respostas agressivas.
É de se lembrar que Moraes já foi
categorizado por Bolsonaro e seus aliados como "ditador",
"canalha" e "carrasco" — e não faz muito tempo. Além disso,
do ponto de vista do ex-presidente, ele estaria submetido a uma perseguição
política do STF, acusado injustamente dos crimes que lhes são imputados.
Por isso, houve exagero na composição do
personagem, que soou falso. Mais do que calmo e educado, Bolsonaro pareceu
subserviente, tentando demonstrar uma proximidade que nunca teve com Moraes,
pedindo licença para fazer brincadeiras, tratando o relator como "meu
ministro" e pedindo-lhes desculpas por ataques anteriormente desferidos.
Se Bolsonaro leva a sério que é um perseguido
político, deveria apresentar-se perante a Corte com mais sobriedade,
demonstrando até certa indignação, comportamento mais apropriado a quem se diz
vítima de uma injustiça.
O pior para o ex-presidente é que sua atitude
em nada melhora a situação dele perante a Corte — de posse de uma avalanche de
provas da tentativa de golpe —, e pode provocar reações negativas entre os
bolsonaristas radicais.
Pelo menos algum incômodo haverão de sentir
aqueles que atenderam aos comandos de Bolsonaro, quando ele agredia verbalmente
o STF, especialmente o ministro Alexandre de Moraes, e punha em dúvida a lisura
das eleições, desferindo ataques às urnas eletrônicas.
Além disso, durante o interrogatório,
Bolsonaro chamou de "malucos" os seguidores que, incentivados por
ele, saíram às ruas para pedir "intervenção militar", de modo a
mantê-lo no poder, mesmo com a derrota eleitoral. Negou ainda que tenha
incentivado os atos golpistas de 8 de janeiro: "Não teve estímulo da minha
parte a fazer nada de errado", disse.
O resumo é que Bolsonaro, por um lado, nada ganhou bajulando Alexandre de Moraes e, por outro, pode ter a credibilidade abalada em suas próprias bases que, até hoje, lhe ofereceram apoio incondicional.
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